quinta-feira, 22 de abril de 2010

Onde não queres nada, nada falta...

(originalmente publicado em)
Itabuna, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

Olá,

"- Não vê nele o seu ideal? - redargüiu Dorian, com azedume.
- O meu ideal, como você diz...
- Como você dizia!
- ... nada tinha de perverso, de infame. Você foi para mim o ideal que nunca tornarei a encontrar. Este rosto é o de um devasso.
- É o rosto da minha alma.
- Senhor! E eu adorei aquilo! Os olhos são os olhos do demônio!
- Cada um de nós, Basil, tem em si o céu e o inferno! - retrucou Dorian, com um gesto de desespero."

(Oscar Wilde - O Retrato de Dorian Gray, Capítulo XIII)

Lá fora, a noite comete seus crimes, mas eu não posso vê-los. Estou preso. Penso nela. Ela tem uma mente provinciana. É ingênua. Não a estimo, tenho pena. Só. Os seres dignos de pena são odiáveis. Mas não a odeio. Apenas tenho pena. Ela tem uma avó que sente saudades suas. Tenho pena dela. Não a invejo, também tenho pessoas que sentem minha falta. Ela sente saudades da avó. Tenho pena de mim...
Ela não conhece bem as pessoas, não conhece bem o mundo. Sabe pouco sobre tudo, não é inteligente. É inconveniente. Fala muito. Procura amizade, numa fonte seca.
Da fonte não brota mais nada. É só um poço fundo, onde um dia a água barrenta tornou-se límpida. E hoje, não há mais, sequer lama. Meus olhos pesam, minha cabeça roda. Apenas sono.
Estou sozinho, quero conversar, mas não tenho com quem. Sou podre. Bebo meu veneno, e dispenso a conversa. Quero chorar, mas tenho vergonha. Não quero ver meus olhos vermelhos. Ela chora, quando pensa em sua aldeia. Ficaram para trás as suas boas lembranças. Ela está infeliz. Ela se preocupa com o futuro. Não sabe mais o que fazer. Não sabe mais nada. É burra. E tenho certeza de que é mais feliz que eu...
(Na noite de 16.02.2004)

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