terça-feira, 12 de julho de 2011

"A Lua que ao te ver parece grata"

Em um contexto cultural no qual, para fazer sucesso os pseudo-músicos precisam inserir próteses em formato de chifres nos rostos, vestir figurinos futuristas e estranhos, reunir um verdadeiro exército de bailarinos com corpos esculturais seminus esfregando-se num inocultável apelo sexual e lançar mão de tantos aparatos pirotécnicos, explosivos, luminosos, que mal se presta atenção ao que está sendo cantado, afigura-se até inoportuno encontrar um palco escuro com uns violões de um lado e uns poucos instrumentos de percussão de outro, além de uma decoração constituída basicamente de uma espécie gigante de colares de contas pendentes do teto e presos ao chão.

O Projeto "7 em Ponto", de iniciativa da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, tem trazido para o Teatro Carlos Gomes, sempre às terças-feiras, às 19:00 horas, espetáculos de diversas vertentes artísticas, buscando, na variabilidade de modalidades, proporcionar uma gama diversificada de eventos culturais. Tudo isso pelo simbólico investimento de R$ 1,00 (um real).

Em um teatro ocupado pela metade, o show “Satolep Sambatown” de Vítor Ramil e Marcos Suzano, que havia sido apresentado pela última vez em Tokyo há mais de um ano, começou com o bloco que abre o cd homônimo, em arranjos tão semelhantes que, por um instante, senti um certo desconforto com o pensamento de que estava diante de um show sem nada de novo, limitado à mera reprodução do trabalho de estúdio.

A impressão inicial revelou-se equivocada quando foi executada a belíssima “Espaço” que, confesso, não conhecia na voz do cantor, tendo apenas ouvido na voz de Verônica Sabino.

O show prosseguiu mesclando as composições presentes no álbum “Satolep Sambatown” e em trabalhos anteriores, tais como “Livros no Quintal” e “Neve de Papel”, executadas com arranjos intensos e lindos do sempre excelente percussionista Marcos Suzano.

Para “Que Horas Não São”, os músicos contaram com uma especialíssima e bonita participação de Kátia B, que permaneceu no palco para a não tão interessante participação em “Destiny (Be My Friend)”, cujo andamento arrastado quebrou um pouco o crescendo que vinha sendo construído ao longo da apresentação.

Destaque para a minha favorita e aguardada “Astronauta Lírico”, que ganhou arranjos novos, um pouco mais acelerados pela presença marcante do impecável pandeiro do Marcos Suzano e sua batida às avessas. Destaque também para “Café da Manhã”, da qual nunca gostei muito até hoje, em uma versão emoldurada por arranjos mais densos e perceptíveis que na gravação presente no álbum.

Os aplausos foram efusivos e o bis contou com a versão musicada do poema de Emily Dickynson, “A Word Is Dead”, e a singela “Estrela, Estrela”. E neste momento, após ter constatado o infortúnio das novas gerações de espectadores que, alheios à música de verdade que foi ouvida nesta noite, acostumados com as performances corporais de negras-loiras com pernas longilíneas e bizarrices como vestidos confeccionados em açougue, uma cena me chamou atenção e posso mesmo dizer que me chocou (como algo positivo): seis crianças agachadas, tendo o palco à altura dos olhos, contemplavam os músicos naquele espetáculo de iluminação simplória e ornamentos toscos, mas completamente preenchido pelo inegável talento de quem ali se apresentava. Então, percebi que existe uma futura geração de amantes de música se formando que não deixará a poesia e a melodia se perderem em meio a tantos semi-talentos que surgem e desaparecem todos os dias.