domingo, 30 de maio de 2010

A Música dos Grandes Mestres

Ainda nesta semana, conversando com uma amiga que não tem intimidade com a música erudita, disse-lhe que para quem quer começar a ir a concertos, não deve escolher qualquer obra, mas aquelas de mais fácil assimilação, como “As Quatro Estações”, de Vivaldi, “O Pequeno Serão Musical”, de Mozart, ou os concertos voltados ao público infanto-juvenil. Normalmente essas obras já são velhas conhecidas do grande público, que sem saber a origem de uma música, reconhece-a imediatamente por cenas do cotidiano, como “aquela da propaganda do sabonete Vinólia”.
Qual não foi minha surpresa ao saber que seria realizado pelo Projeto Aquarius, na Praia de Copacabana, gratuitamente, o espetáculo “A Música dos Grandes Mestres”, em celebração dos 70 anos da OSB – Orquestra Sinfônica Brasileira, um concerto repleto de ‘blockbusters’ da música clássica, ideal para todos os públicos, perfeito para aqueles que nunca foram a um concerto.
Programa ao ar livre é uma boa pedida. Apesar de a acústica do ambiente ficar um pouco prejudicada, a noite ajudou. O tempo deu uma trégua na chuva, e até uma lua cheia apareceu para iluminar a areia! E verdade seja dita, num evento como um concerto ao ar livre, a qualidade do som é coadjuvante. Emocionante mesmo é ver a multidão espalhada ao longo da orla, os vendedores ambulantes, parados, baixando suas mercadorias, hipnotizados, todos com os olhos voltados ao palco, é sentir o vento vindo do mar e, nos trechos mais baixos das execuções, ouvir em paralelo o barulho das ondas quebrando na praia...
Com um repertório impecável, abriu-se a noite com a “Abertura Festiva, op. 96”, de Shostakovich, bastante apropriada para a proposta do evento. Após arrancar uns aplausos tímidos da platéia, que parecia receosa de bater palmas, como se acreditando que, de cima do palco os músicos não pudessem escutar, a orquestra iniciou uma viagem no tempo através da música, com uma pincelada de cada movimento, passando pelo barroco, lindamente representado por um “Hallelujah”, de Haendel, com um belíssimo Coral do Theatro Municipal, que destacou os sopranos de forma impecável, seguida pelo primeiro movimento da “Primavera”, de Vivaldi e pela pungente “Ária, da Suíte nº 3”, de Bach e por um singelo coro com “Jesus Alegria dos Homens”.
Ao final desta a plateia finalmente reagiu à altura e os aplausos vieram mais efusivos. Daí por diante, passando pelo Classicismo, muitíssimo bem representado por um Mozart arrepiante no primeiro movimento da “Sinfonia nº 40” e absurdamente comovente com a arrebatadora execução da “Lacrimosa”, do Réquiem.
O baixo Savio Sperandio não pareceu empolgar os ouvintes, cantando a ária “O, Ísis e Osíris”, da ópera “A Flauta Mágica”, mas em compensação, após “O baile”, da “Sinfonia Fantástica”, de Berlioz, que deu início ao período do Romantismo, ficou muito claro que a noite foi do tenor Atalla Ayan, de dicção indefectível, que arrancou “bravos”, palmas e assovios ao final de uma “La Donna è Mobile” sem igual, seguida pela “Abertura” da ópera “Carmem” e da ária “O Mio Babino Caro”, que confesso – sem medo de parecer tiete – ter ouvido em total estado de êxtase, com a comovente voz do soprano Gabriella Pace.
Como nem tudo é perfeito, a violenta e arrebatadora “Cavalgada das Valquírias” teve como acompanhamento visual no telão ao fundo do palco, uma imagem tosca de um Pegasus estático, que não acrescentou coisa alguma à execução da orquestra. Mas para tudo há uma solução, e bastou que eu fechasse os olhos para apagar a imagem do cavalo e conseguir me concentrar na música, que me arrepiou do alto da cabeça ao dedão do pé, assim como o fez a “Abertura” de “O Guarani”.
Destaque para o momento em que a Rússia, o Rio e o Ceará dão-se as mãos, quando os bailarinos Ana Botafogo e Francisco Timbó dançam o “Pas de Deux”, do ballet “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, deixando em silêncio a multidão que tentava fotografar e filmar de longe os rodopios, para deixar registrado aquele momento de tamanha delicadeza. O mesmo par de bailarinos retornaria ao palco durante a execução de “Canção de Amor”, de “A Floresta do Amazonas do brasileiríssimo Villa-Lobos, pelo mezzo-soprano Edinéia de Oliveira – que não é a minha mãe. Mas devo confessar que neste momento meus olhos registraram menos a dança do que o equívoco no telão, que exibia a legenda de outra música, a ”Melodia Sentimental”, a qual sequer foi cantada. Falha esta também sanada, quando se ouvem as primeiras notas do “Trenzinho do Caipira”, que deixaram boquiabertos o grande auditório ao ar livre que ali se instalara.
Se faltou a explosão que julgo necessária no crescendo do “Pássaro de Fogo”, do modernista Stravinsky, esta foi compensada com o grande clímax – e aqui confesso, sem nenhum pudor, a minha explícita tietagem – quando foi anunciado o abraço universal do “An Die Freude”, o magnífico coral da “9ª Sinfonia”, do Mestre dos mestres, Ludwig van Beethoven!
Impossível não registrar a lástima da heresia praticada, quando todos deveriam estar de joelhos, para dar a devida reverência a esta que, para muitos, é considerada um dos maiores momentos da criação humana – para mim, o maior – quando, ao final do contraponto, na pausa que antecede o solo do tenor, o público, julgando encerrada a melodia, aplaudiu, tornando visível o constrangimento do Maestro Roberto Minczuk, que ali ficou, imóvel durante alguns segundos, com os braços e batuta no ar, aguardando o cessar-fogo das palmas para que pudesse dar seguimento à regência do coro, que ainda teria mais uns dez minutos pela frente...
Coral encerrado, meus poucos pelos em pé, minha mente divagando perdida no estado de transe hipnótico, que me conduziu ao “teu santuário celeste”, quando ainda ecoavam em meus ouvidos os versos que fazem loas à “formosa centelha divina, Filha do Elíseo”, quando os músicos retornaram com o bis que não poderia ter sido mais apropriado: o brinde da ópera “La Traviata”, de Verdi, “Libiamo Ne' Leiti Calici”, que deixou bem distante a timidez para aplausos que a plateia havia demonstrado no início do espetáculo. E por último, encerrando-se a noite, a “Marcha Radetzky”, de Strauss, numa singular interatividade com a multidão, que acompanhava a orquestra com palmas, deixando explícito que a música erudita pode sim, ser mais popular do que se supõe!
Uma noite memorável, com aproximadamente duas horas da mais pura genialidade musical. A Orquestra Sinfônica Brasileira merecia mesmo uma festa de aniversário como esta! Parabéns OSB. Que venham outros 70 anos, trazendo sempre, como diria o grande Milton, o artista onde o povo está.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Linha do Tempo

No princípio tudo era o Caos. Silêncio absoluto e uma azáfama nebulosa sem cores e contornos definidos. Então foi dada a ordem: “Fiat lux!”
 
Dia vinte e três de maio de mil novecentos e oitenta. O Brasil enfrentava o governo de João Batista Figueiredo, último estertor de uma ditadura moribunda que já durava mais de quinze anos. Ninguém sabia, mas dali a pouco menos de sete meses, John Lennon seria assassinado com um tiro à queima-roupa, disparado por Mark Chapman. Há quem duvide, mas a despeito de seu nascimento naquele ano, a criança não teria participação alguma no crime. Aliás, os anos posteriores revelariam que ele viria a gostar da música de John Lennon.
 
Dando seguimento à tragédia no meio musical, um mês depois, em janeiro de 1981, morreria a cantora Elis Regina, deixando órfãos seus admiradores, que lembrariam pelos próximos anos do seu temperamento irascível e de sua visceral interpretação da belíssima música do Chico Buarque, “Atrás da Porta”, em versão que veio a se tornar definitiva. Não há muito a ser dito acerca de uma criança de boca grande, que dava seus primeiros passos e tornava ainda mais espessos os lábios, quando, em sinal de protesto, fazia cara feia, armava bico e chorava para não ser fotografado.
 
Três anos depois, quando ainda não tinha completado cinco anos de idade, esta mesma criança deixaria estarrecida sua tia-madrinha, ao abrir um volume de um dicionário na letra “C”, decodificando letras e sílabas, formando, hesitante, as primeiras palavras lidas: cai-xa, cai-xão, cai-xi-nha, cai-xo-te... Esta proeza lhe renderia a sensação de que era o menino mais inteligente do mundo ao lhe proporcionar um salto em sua vida, levando-o do pré-escolar direto à primeira série, sem passar pela alfabetização. O Brasil mudava drasticamente e a campanha “Diretas Já”, conquanto não tivesse conseguido realizar seu intento de redemocratização nacional através de sufrágio universal popular, revelou-se tão influente que ajudou a pôr fim ao tenebroso período da Ditadura Militar, quando foi eleito de forma indireta o Presidente da República Tancredo Neves, que faleceu em 21 de abril de 1985, antes de ser empossado, fazendo subir ao poder seu vice José Sarney, mantendo a tradição de que sistema de governo do nosso país é o “vice presidencialismo”, o que seria confirmado anos mais tarde com a ascensão de Itamar Franco. Mas esta é outra história... Um mês após o falecimento de Tancredo, o menino receberia uma festa de aniversário de cinco anos que ficaria para sempre gravada em sua memória, não se sabe se pelos presentes recebidos ou se pela assustadora figura de uma cabeça de um palhaço como ornamento de seu bolo, seu primeiro contato com a decapitação.
 
Aconteceu no México naquele ano de 1986 a Copa do Mundo, marcada pela desastrosa campanha que tiraria o Brasil da jogada ao perder por pênaltis na quinta partida, após empate com a França. Mais interessante, porém, para o moleque de seis anos era o final do “Balão Mágico” e a estreia do “Xôu da Xuxa”, com novos desenhos animados e cenários modernos, que trariam a era do matriarcado para os programas infantis televisivos, inaugurando-se a dinastia da Rainha dos Baixinhos. O menino, entretanto, não contava com a frustração de, por estudar em turno matutino, estar impossibilitado de assistir à cerimônia de posse daquela que governaria absoluta a TV Globo nas manhãs dos próximos anos.
 
Assim iam-se embora os anos 80. Economicamente, sem deixar qualquer saudade, tendo um dos piores índices inflacionários de todos os tempos... Deixaria, no entanto, um gosto de nostalgia a quem tinha sido criança neste período turbulento, e que não tinha a preocupação de comprar carne a um preço pela manhã e vê-la dobrar de valor ao final do dia, e que teve o privilégio de crescer junto com as bandas de pop-rock, como Kid Abelha (na época, com os Abóboras Selvagens), Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, dentre outras tantas.
 
O ano de 1989 teve grandes repercussões na política nacional e mundial. Na Europa, em novembro, foi derrubado o Muro de Berlin, símbolo maior da Guerra Fria, unificando-se as duas Alemanhas, deixando uma União Soviética agonizante, que viria a decair finalmente com a renúncia de Mikhail Gorbatchev, em 31 de dezembro de 1991.
 
No Brasil, o cenário político também foi marcado pela evolução da tão sonhada Democracia, consolidada (?) em outubro de 1988, quando entrou em vigor a Constituição Federal, que conferiu ao povo a titularidade de todo o Poder.
 
Se a voz do povo é a voz de Deus, as eleições de 1989, apenas seis dias depois da queda do Muro no outro lado do planeta, demonstraram que Deus até pode ser brasileiro, mas com absoluta certeza, não é patriota. Eleito na votação do segundo turno, o Presidente Fernando Collor implantaria o famigerado plano econômico que levou seu nome, suprimindo os sonhos – com o perdão do trocadilho – depositados nas contas bancárias confiscadas por todo o país. As mudanças vinham numa torrente e a TV, que pouco antes sofria a censura imposta pela não esquecida Ditadura, exibia agora os seios da Isadora Ribeiro, que girava como uma serpente na abertura da novela “Tieta”, em pleno horário nobre. As rádios de todo o país tocavam de forma incessante as lambadas, músicas de gosto totalmente duvidoso, e quando, aos nove anos, embarcou para a Bahia, dando adeus à sua querida Linhares, sem ter a menor ideia do significado de palavras como “Socialismo”, “Democracia”, “União Soviética” e “Plano econômico”, ele sabia – desnecessariamente – quem era Kaoma.
 
Aquele ano em Camacã passaria sem revelar muito a que viera, deixando nele um sentimento de vazio que sua pouca idade não lhe permitia compreender. Ele tinha, então, dez anos e pouco se importava com a derrota do Brasil para sus hermanos argentinos, na Copa do Mundo, tampouco com a Guerra do Golfo, que devastava o Oriente Médio e trazia à população menos informada os temores de que eclodisse uma terceira Grande Guerra Mundial... Para ele, tudo que sobrara era a saudade, sentimento que também não conhecia plenamente, mas que, com o tempo, veio a aprender que doía. Sem olhar para o futuro, ele pensava na vida que deixara atrás de si, no seu distante Espírito Santo. Ele não contava que, no mesmo dia em que as tropas iraquianas eram bombardeadas no Kuwait, embarcaria para um lugar ainda mais assustador...
 
Valença se revelaria uma agradável surpresa aos olhos, com seus casarios antigos e construções históricas, com as quais ele jamais tivera contato anteriormente, tendo vivido somente em cidades recém emancipadas. Mas, assim como os olhos que se acostumam ao breu roubam daquele que enxerga o medo da escuridão, o encanto inicial não durou mais que uns poucos dias, fugindo tão logo as paisagens ao redor se tornaram corriqueiras. Desta forma, a dura realidade apresentou-se e ele passaria a detestar aquele lugar.
 
Como parecia sina, o panorama político no Brasil continuava instável, mas os ânimos jovens, repletos do entusiasmo pela conquista de uma Democracia que ainda engatinhava, destituía em 1992 – mesmo ano que os meninos do vôlei subiram ao pódio com o ouro nas Olimpíadas de Barcelona – o Presidente Collor, que seria substituído pelo seu vice Itamar Franco.
 
Sua vida mudava e chegava ao final o seu período ginasial, que já lhe revelara de maneira irrevogável o quanto ele não era o garoto mais inteligente do mundo, conforme acreditara naquela tarde que já ia tão longe, quando abrira o dicionário na letra “C”...
 
Começava o ano de 1994 e, aos treze anos, ele percebia que o mundo à sua volta estava girando, mas não em torno de si. E nem mesmo a estabilidade econômica, trazida ao país com o advento do Plano Real, concebido pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em 1º de julho, nem mesmo a conquista do tetracampeonato pelo Brasil, quando o italiano Baggio perdeu o pênalti na Copa, foram suficientes para preencher o vazio que o atormentava e que o faria pra sempre desejar apagar de sua lembranças aquele ano em que quase perdera a vida, o que não conseguiria. Apagaria, entretanto, os posteriores, transformando sua adolescência numa folha em branco sobre a qual nenhuma palavra interessante seria impressa, antes de ser amassada e atirada no lixo.
 
Corriam rápido os anos 90, e neste contexto a Internet se popularizava, ressurgiam as boy bands, trazendo histeria às menininhas que pouco antes trocavam figurinhas metalizadas nos pátios das escolas e àquelas que ainda as colecionavam, o Chefe de Estado conquistava o direito à reeleição, deixando tensos alguns constitucionalistas, um grave acidente automobilístico vitimava a Princesa Diana, a comunidade científica olhava, estarrecida, a pequena ovelha clonada, Dolly, mas nada o tirava do torpor em que se inserira, consequência do exílio dentro de si mesmo após a malfadada tentativa de cruzar a fronteira da vida.
 
Lentamente, aos 19 anos, cuidava para reaprender a importância do convívio com seus pares e, do ano de 1999, ficaria a memória dos domingos na praia, dos churrascos entre amigos e dos sonhos com a nova etapa, que se aproximava inexoravelmente: o ingresso na vida acadêmica. O mundo não acabou quando os fogos no Morro de São Paulo estouraram, anunciando o começo do ano 2000. Antes, para ele, apenas iniciava, muito embora não soubesse disso... Em março ele partia rumo ao novo, tendo a chance de anular o passado de si mesmo, numa cidade diferente, a qual – e na qual – ele finalmente aprenderia a amar. Um processo turbulento de quebras, retomadas e reavaliações... Da peculiar experiência culinária de cozinhar miojo ao fogo de velas, do susto ao ver na TV de uma amiga – pois em sua casa não tinha televisão – a audácia dos terroristas, que pararam o mundo ao reduzir a escombros o maior símbolo do poder econômico dos Estados Unidos, da percepção de que dependia de outros para encontrar um sentido para si e da tristeza que sentiu quando, perdendo o outro, não se apercebeu de si mesmo como um inteiro, dos pileques astronômicos e de todas as músicas que inserira em seu cd player, da redescoberta de que podia sorrir mesmo quando deixou para trás o cargo que lhe garantia um excelente salário, trocando-o pela Utopia – que os anos posteriores lhe mostrariam que viria a ruir...
 
Em 2006 um longo caminho o conduziu ao limiar da sanidade mental quando, ao final do seu curso de Direito, percebeu que um diploma não lhe teria qualquer serventia e que todas as vicissitudes superadas para que chegasse àquele apogeu eram nada quando teve de dar adeus à Pedra Negra, com lágrimas nos olhos e a alma destroçada pela certeza de que encontrara seu fim. Mas ele estava enganado e quando recebeu a paulada que o jogou de rosto no asfalto, poucos dias depois de uma criança ter sido morta de forma brutal, arrastada pelo cinto de segurança em um bairro do Rio de Janeiro, ele teria a chance de tentar outra vez, e bem perto deste asfalto – não aquele em que machucara seu rosto no Carnaval de 2007, mas este em que o menino João Hélio perdeu a vida... Onde começaria a sua...
 
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Hoje faz três anos que cheguei a esta cidade, e o mundo continua mudando. Todavia, de forma lamentável, parecem me assaltar com maior assiduidade as más notícias em detrimento das boas... Deslizamentos de encostas no Rio, enchentes em Santa Catarina, avião caindo em Congonhas, avião caindo no meio do Atlântico, a caminho da França, terremoto no Haiti, no Chile, na Itália, vazamento de petróleo no Golfo do México...
 
Não obstante tudo isso, posso afirmar – como raríssimas vezes pude com a mesma convicção que hoje tenho – que estou feliz.
 
Descobri que tudo tem seu preço e que, se tantas vezes me senti desiludido, frustrado e desesperançoso quanto aos meus dias, agora sei que estas foram as moedas com as quais barganhei os que agora tenho, e que me fazem sorrir com uma frequência que eu jamais supus que poderia.
 
Hoje celebro uma vida de três décadas e nos últimos três anos, apenas um décimo de toda a trajetória, já mudei várias vezes o curso da estrada e, numa parada, saí do limbo de quem sequer era estagiário, tornando-me advogado; noutra estação, voltei a respirar o ar que meu nariz insistia em não absorver; em uma curva, deixei o desespero do desemprego para a tranquilidade de pagar minhas próprias contas no final do mês; e mais adiante, percebi que posso caminhar com as próprias pernas, após ter acreditado que eu deveria ser carregado...
 
As metamorfoses não acabam aqui e apenas me resta esperar o que os próximos anos me reservam. Ou não. O que sei, no entanto, é que cada passo dado, conquanto fruto do meu esforço, não teria sido possível, não fosse a presença de cada um com quem cruzei ao longo do trajeto, e que seguiu adiante, ao meu lado, dando-me força e determinação para levantar o pé quando a dormência e as dores faziam-no pesar.
 
Por isso, agradeço a todos. Todos os que, de alguma forma, impeliram-me à frente, participando e constituindo o evento maior – que é o próprio ato de existir – e fazendo deste, não um fardo que eu tivesse que transportar sozinho, mas permitindo tornar mais leve o peso sobre meus ombros. Meu sincero obrigado.
 
E ele viu que a luz era boa e regozijou-se de sua obra...