quarta-feira, 17 de junho de 2015

Todo apoio à Viviany Beleboni

(Originalmente publicado como postagem no Facebook, em 09/06/2015)

Nos últimos três dias, tenho visto meu mural no Facebook ser bombardeado com imagens da transexual Viviany Beleboni que chocou a sociedade ao aparecer “crucificada” num carro alegórico na 19ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Vindo de todos os lados, já que estou cercado de contatos cristãos e contatos homossexuais, com amigos de ambos os lados, vejo postagens imensas execrando a atitude da transexual e postagens imensas elogiando-a.

Sou ateu declarado há muitos anos e não nutro qualquer simpatia pela religião cristã (aqui na acepção de instituto social), o que não me impede de respeitar quem a segue – até porque venho de uma família cristã e fui educado dentro dos seus valores. Valores como tolerância, amor e respeito, que trago em mim como princípios e dos quais não abro mão. Ainda que não siga uma religião, admiro a figura de Jesus Cristo, aqui tomado em sua participação histórica e não mítica. Jesus Cristo foi um homem avançado demais para seu tempo, chocando a sociedade em que viveu ao se misturar com prostitutas e leprosos e ao pregar a igualdade entre todos. Hoje seria tido como baderneiro, talvez, por propor o fim de oligarquias em prol de um mundo mais igualitário (qualquer semelhança com o cenário político atual no Brasil é mera coincidência?). Sim, sou fã desse sujeito aí, o Cristo, que deu sua cara a tapa – ofereceu mesmo a outra face – e acabou pagando por isto, morrendo na cruz por interesses políticos de sua época.

Na mitologia, entretanto, o jogo é outro. O revolucionário deixou de ser uma ameaça à sociedade institucionalizada e passou a ser um mártir: o Agnus Dei, cordeiro de Deus que veio para tirar os pecados do mundo, oferecendo-se em sacrifício até ressuscitar ao terceiro dia. Como cético e ateu, acho toda esta história uma grande balela! No entanto, é preciso saber ler nas entrelinhas e extrair toda a beleza das metáforas nela contidas.

Chegamos à Viviany Belebony. Muito já se disse acerca da crucificação que é a vida de uma transexual numa sociedade conservadora e machista como a nossa. E aqui vou me furtar de reiterar argumentos tantas vezes postos. Mas, apenas para ilustrar as ponderações que se seguirão, pensemos como deve ser angustiante ter uma identificação de gênero diversa do corpo em que se nasceu, devendo-se adequar a uma sociedade que lhe impõe regras sobre quem é e quem deve ser.

Pensemos como deve ser difícil crescer sendo chamado por um nome que não corresponde à própria identificação de gênero, sofrendo abusos e preconceitos de todos os tipos, desde a adaptação à vida escolar. Para você, que tem sua mente e seu corpo bem alinhados, e para se decidir entre o banheiro masculino e o feminino nunca demandou mais que ligar o piloto automático e ir, já parou para pensar como deve ser triste não saber qual deles usar? Se um gesto tão simples como o de decidir entrar numa porta escrito “ELA” ou “ELE” já causa tanto conflito, imagine-se lutando por ingressar num mercado de trabalho que te exclui por ter um nome no registro condizente com um gênero que não corresponde à sua imagem. Imagine-se tendo que se contentar com subempregos, e na maioria das vezes vivendo à margem de uma sociedade que te exclui, culminando tantas e tantas vezes em sua prostituição. Não precisamos ir além, mas ainda há quem chame a sexualidade de opção. Alguém optaria mesmo por um caminho como este?

A Parada do Orgulho LGBT tem por finalidade precípua mostrar à sociedade que homossexuais, transexuais, bissexuais são cidadãos e titulares de direitos como qualquer um. E para mostrar o óbvio a uma sociedade que não quer enxergar é preciso fazer mais. É preciso realmente aparecer. E aí, tenho visto muita gente dizendo que Viviany não quis protestar, quis apenas aparecer! Não quis protestar, quis apenas chamar atenção! É óbvio que ela quis aparecer e quis chamar atenção! Eu quereria! Você não?! Porque é preciso aparecer! Porque é preciso chamar atenção e dizer ao mundo: Sou transexual e estou aqui!

No entanto, mais que criticarem Viviany por querer aparecer, vejo críticas acerca do suposto “desrespeito à religião alheia”. Ora, francamente, a religião alheia passou centenas de anos desrespeitando, esbulhando, matando, roubando e ficamos todos calados. “A religião é certa, errados são os homens que estão nelas”. Ok, é um argumento válido. E prefiro não seguir adiante com esta ideia do olho por olho, dente por dente.

A Bíblia diz que não se devem idolatrar uma imagem. Mas, o que se vê é exatamente isto. Uma sociedade chocada por um ato iconoclasta que, em nada afrontou a religião como princípio, mas tão somente fez uso de uma imagem. Imagem, aliás, que não deveria ser cultuada! Está lá, em algum versículo do Pentateuco...

Se Viviany chocou o mundo, talvez o problema esteja mais na cabeça de quem se chocou do que em sua aparição crucificada, simbologia mais que bela e poética do que é o retrato da vida de transexuais, travestis, gays numa sociedade conservadora: um calvário.

Vou além na minha heresia. Viviany – a trans: transexual e transgressora – fez o que outros não tiveram coragem de fazer: deu a cara a tapa e se ofereceu em sacrifício, para representar toda uma categoria. Agora, paga por isto sofrendo perseguições e julgamentos, como se sua vida antes da 19ª Parada Gay já fosse fácil demais. Quem foi mesmo que fez isto antes? Ah, sim! Ele, o Cordeiro.

Não, eu não acho que Viviany passou dos limites. Não, eu não acho que Viviany desrespeitou a religião de ninguém. Não, eu não acho que Cristo ficaria chocado com a atitude de Viviany. Aquele homem trans...gressor faria diferente? À Viviany meu apoio. À Viviany minha solidariedade. Aos meus amigos chocados, cristãos ou não, mais mente aberta para que possam olhar além da imagem e enxergarem o que subjaz a elas. E que atirem a primeira pedra apenas aqueles que nunca pecaram.