segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Dialética da Criação

Dialética da Criação

Trago um mundo inteiro dentro em mim?
Mãos que cá já estavam moldaram-me em argila,
constituindo-me à sua semelhança.
Reflexo sou daquilo que me criou.

Dentro em mim pululam pensamentos.
Ideias que habitavam em tempos idos
Cabeças que, antes mesmo de eu chegar,
Já pensavam pensamentos que pensei.

O que sou? Perpetuação de ideias?
Em que pensavam as mãos
Na mente que em mim moldaram?

Aqui dentro ainda trago inteiro um mundo?
Porque quando aqui cheguei, cá já estava.
E em meu ouvido ecoava, retumbante,
A voz que me ordenava: "segue a ordem!"

"Foste tu criado à minha semelhança.
Não saibas tu para além do que doutrino.
Desconhece o bem e o mal, assim te digo.
E segue a reproduzir o pensamento
Que por este Paraíso transitava
Quando nele pisaste da vez primeira."

***

Um mundo inteiro dentro em mim carregaria
Se não viesses tu do mesmo barro
Pelo qual fui esculpido, camarada.
Viemos ambos de um só pó: uma só terra
Que não é tua, minha tampouco,
Posto que deveria ser de todos
Para que humanos todos fôssemos.

Quando no outro me vir constituído
Não carregarei em mim peso de um mundo.
Porque o mundo que aqui já existia
É arvore apodrecida que será deitada.

Rio de Janeiro, 04 de outubro de 2021.