terça-feira, 27 de abril de 2010

Viola Urbana

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, quinta-feira, 20 de agosto de 2009.

Sempre fui garoto de cidade, adepto a shopping centers e boates, acostumado a buzinas e sirenes. Embora tenha vivido a maior parte da minha vida em cidades pequenas, ainda assim eram cidades. E onde nasci não era muito diferente. Cidade bonita, ruas largas, carros passando, a BR 101 cortando tudo pelo meio, ônibus cheios, notícias de violência... Mas ali era uma cidade nova. Recém emancipada, e com pontos de infraestrutura ainda em construção... Isso fazia com que em algumas centenas de metros após o "centrão", podíamos visualizar algumas ruas sem calçamento, algumas casas de madeira, com cerquinhas. Do interior dessas casinhas, via-se a autoestrada, onde os carros passavam em ritmos loucos, e esse contraste era bonito. Lembro que nos domingos de manhã, minha mãe levava a mim e a minhas irmãs para uma dessas casinhas, construídas com tábua, de assoalho muito bem polido, e cortinas de chita com estampas de flores, demonstrando um gosto extremamente duvidoso da proprietária, a minha avó. Eu acordava resmungando, pois, estudante do turno matutino, achava o sábado e o domingo um tempo exíguo demais para ser retirado da cama cedo. Nunca soube o que era acordar na roça e tomar um leite fresquinho, ainda morno, da vaca ordenhada minutos antes. Mas, talvez por respirar o ar de um passado não muito distante, quando todas aquelas ruas pavimentadas de Linhares ainda eram caminhos talhados a facão, aqueles domingos de manhã na casa da minha avó tinham um gostinho especial de fazenda. O café, cujo pó era comprado na padaria (que ficava duas ruas além, onde já havia calçamento e passavam carros), cheirava forte, e o bolinho de chuva, ou mesmo o improvisado "engasga-gato", como chamávamos uma mistura de ovo, farinha de trigo e açúcar, frito em óleo bem quente, que só a minha avó sabia fazer, abria o nosso apetite (meu, das minhas irmãs e dos primos que também se reuniam por ali). Algumas vezes, a TV era ligada, com a criançada ansiosa esperando por algum desenho animado, e frustrada por ver bois e cabras e milharais em alguma edição do "Globo Rural"... Esse menino virou gente grande e decidiu viver em uma metrópole, devendo-se repetir, entretanto, que jamais viveu em zona rural. Mas sempre sentiu um tipo de nostalgia esquisita quando ouvia uma violinha bem tocada. Nessas horas minha mente viajava no tempo, e por mais que eu tentasse lembrar de um dia acordando em um recinto caipira, não conseguia. E então, a saudade aumenta, fica dolorida, porque é fácil sentir saudade do que se viveu, e ter a lembrança de um momento que realmente fez parte de sua vida. Mas saudade do que nunca se teve é difícil administrar, porque a gente tem que fantasiar, inclusive o sentimento que teria se tivesse sido!
Dispensando as descrições objetivas, limito-me às emoções. E o que posso dizer de um show, com gosto de bolinho de chuva e café forte coado em pano de prato? O que dizer de uma apresentação que me fez esquecer que eu estava em plena Zona Sul carioca, remetendo-me àquela roça em que nunca morei e que talvez tenha ficado gravada na minha memória somente por causa do Globo Rural visto na TV?
Momentos marcantes, melodias intensas, público empolgado... Não sou crítico de música, e sequer toco qualquer instrumento, tampouco violão. Assim, não me sinto gabaritado para falar nada da técnica. Mas sou emotivo, e posso bem falar sobre os sentimentos de saudade trazidos com as melodias dedillhadas pelo maestro, como a linda citação aos Beatles, mediante os curtos acordes de "Norwegian Wood", que sempre conseguem me arrepiar!
Posso falar sobre as notinhas desafinadas da Nair de Cândia, que embora (ou talvez por isso mesmo) fora do tom, conseguiram me fazer viajar por caminhos remotos, que terminavam sempre em uma grande porteira, com acesso a sabe-se lá que paragens! E mesmo caminhando cada vez mais para longe das igrejas, a presença da Ave Maria Bethânia, fez com eu me sentisse pequeno, naquele momento de reverência e sobriedade para o qual não há palavras que descrevam. O mesmo para toda a Bahia trazida na cuia de um berimbau!
Foi um show que deveria ter acontecido! E para quem não o viu, só lamento!
Mas, marcante mesmo foi a senhorinha, ao ver durante os aplausos, Maria Bethânia já com roupinha de casa (e seu tradicional coque no cabelo), calçando um sapatinho vermelho, sair estarrecida nos corredores do Oi Casa Grande gritando em alto e bom tom: "Ainda bem que eu vivi para ver Maria Bethânia entrar no palco calçada. Agora já vi de tudo!". De fato, quem viu, viu.

domingo, 25 de abril de 2010

"Palhaço é um homem todo pintado de piadas"

Num comentário fingidamente ofendido, o Anitelli refere-se a uma crítica da Revista Veja, categorizando a banda como filão do público dos Los Hermanos, e suas músicas como bregas, em especial "Ana e o Mar". Contra este argumento, eis o fato de que a plateia estava no Teatro Carlos Gomes ontem à noite para aproveitar o show e não para ler Veja... Aliás, quantos palcos a Revista Veja ganhou neste Viradão Carioca mesmo?
Um show histórico para o admiradores destes músicos, que revista nenhuma conseguirá ter palavras para descrever! O primeiro show do projeto Fernando Anitelli Trio, o que me fez sentir ainda mais honrado de ser um seguidor da trupe do Teatro Mágico. E após este show, percebi (e perdoei) a razão de nunca ter ouvido em seus anteriores "A Pedra Mais Alta", de longe a minha favorita, o que foi recompensado com a linda interpretação, que contou com o incidental "Shimbalaiê", levando os fãs (inclusive eu) ao delírio! A proposta do Fernando Anitelli Trio é trazer à tona as músicas mais lentas, instrospectivas, delicadas, tendo o Anitelli deixado claro que não se trata de um "Teatro Mágico Acústico", mas de um projeto novo que, em breve contará com um álbum gravado (tenho certeza de a ansiedade para vê-lo sair do forno, fresquinho, não é somente minha).
Confesso que ver o Anitelli sem máscara me surpreendeu um pouco. Foi um choque constatar que ele não nasceu pintado e com nariz vermelho. E confesso ainda que fui ao show com boas expectativas, mas não as melhores, tendo em vista estar habituado às pessoas "cuspindo fogo, pegando fogo e de fogo" nos palcos do Teatro Mágico... Em alguns momentos perguntei-me se os múscos sozinhos segurariam a barra, sem os elementos circenses... Pergunta tola esta, que foi logo respondida, quando entoadas, após uma singela interpretação de "Cuida de Mim", as primeiras notas do "Rebolation", fazendo o público vibrar numa deliciosa algazarra de quem foi pego de surpresa!
Música a música, faixa a faixa, os músicos levaram ao público a mesma energia que o Teatro Mágico proporciona! Irrestíveis ainda a citação à banda Beirut, e a devastadora interpretação de "Medo da Chuva", do eterno Raulzito! E como sempre, a plateia dá um show à parte! Sentei-me ao lado, pelo que pude perceber, de um casal, cuja moça era fã e o moço estava tendo seu 'début'. Não foi preciso mais que alguns minutos para vê-lo levantar as mãos e bater palmas - como todos - no refrão de "Pena", como se fosse um antigo admirador! Sem falar no uníssono do coro em "O Anjo Mais Velho".
Arrebatadoras as músicas "Samba de Ir Embora Só", "Na Varanda", "Durma Medo Meu", "Menina" e "Eu Não Sei Na Verdade Quem Sou", e por esta eu parabenizo aos parceiros anônimos do Anitelli, as crianças entrevistadas acerca do trabalho dos Doutores do Riso, pelas suas contribuições na composição, com versos tão lindos como "Palhaço é um homem todo pintado de piadas" ou "Velhinhos são crianças nascidas faz tempo".
Diante desta apresentação - primeira de muitas às quais espero poder assistir - deixo ao Fernando Anitelli, ao Miguel Assis e ao Fernando Rosa, meus parabéns pela beleza captada - e deixada a cada um de nós que estava ali presente, como um 'souvenir' que será guardado em nossa memória - e meu sincero agradecimento, em nome de toda a plateia, por ter nos proporcionado aproximadamente duas horas de completa imersão em alegria fluida, cujos vapores transpuseram as portas do Teatro Carlos Gomes, e permanecerão impregnados por bastante tempo, cada vez que qualquer de nós rememorar o que significou este show. "Céu azul é o telhado do mundo inteiro".

sábado, 24 de abril de 2010

Sem horas e sem dores... II

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, quinta-feira, 11 de junho de 2009.

EU FUI!
Esta foi minha segunda viagem com a trupe do Teatro Mágico... Espero que a segunda de muitas! A primeira foi em 2007, mais precisamente em 23/06, no Circo Voador, quando senti umas das maiores emoções que uma apresentação artística já me trouxe.
Na ocasião, achei que não conseguiria experimentar novamente aquele tipo de sensação... Então, eis que quase dois anos depois, vejo-me novamente frente a frente com a trupe... Desta vez o espetáculo não manteve a leveza e a suavidade do "Entrada para Raros". Antes, no palco, a iluminação e os arranjos intensos evocavam uma certa tensão, que chegou ao ápice com o surgimento de um demônio sombrio, que se postou, de forma ameaçadora, atrás do Anitelli, mas que, com a devida vênia para o uso de um clichê, foi devidamente espantado pela magia da música.
Momento sublime o 'pas de deux' em pleno ar protagonizado pelos bonecos trapezistas, emoldurado pelo "lá lá lá lá" que a platéia entoava em uníssono, com as mãos espalmadas. E desnecessário falar de toda a beleza dos elementos circenses...
Se, ainda comparando o "Segundo Ato " com minha primeira viagem, constatei que neste faltou a leveza daquele, devo deixar claro que não faço desta constatação nenhum demérito. Pelo contrário, o Teatro Mágico mantém a mesma carga emotiva, capaz de manter eriçados os poucos pelos do meu braço, enquanto meus olhos se fecham e eu apenas capto o som que vem de todos os lados... "Vou me lembrar de você, enquanto eu respirar", antes de abri-los para vislumbrar o público lindo, pulando e batendo palmas... E só então, percebo que estou fazendo a mesma coisa que todos, com os braços abertos, enquanto minha voz desafinada acompanha a melodia... "só enquanto eu respirar".
Outra vez, a trupe d'O Teatro Mágico manteve acesa minha vontade de segui-la. Espetáculo inesquecível!

Soneto ao sono e à tempestade

Soneto ao sono e à tempestade

Na calma sorrateira desta hora morta
Quando as águas rolam pela noite em breu...
Riscando o firmamento com suas linhas tortas
Coriscos rutilantes: fogo fátuo no céu,

Trazem o rastro rouco de seu estampido,
Rasgam a escuridão os ecos de suas cores!
Lá fora o vento indócil fustiga, enraivecido
Os galhos dos arbustos, que se dobram em dores...

Oh, chuva, vela o sono deste, cuja falta
Adentra minhas janelas qual torrente!
Cala-te, trovão! Não vês que ele descansa?

Relâmpagos, como luzes na ribalta,
Iluminem os sonhos deste anjo dormente,
Não deixem a aurora despertar minha criança.

Gustavo Carneiro de Oliveira
(Numa madrugada de luzes e águas, sons e sonhos, 15.01.2010)

Jogo de Luz e Sombra

Jogo de Luz e Sombra

Meu sol, há algum tempo, se apagou
e venho caminhando por uma estrada sombria.
Não chove. Não é noite.
Apenas o astro perdeu seu brilho...
De tal forma que, sem enxergar,
na penumbra permaneço... Andando...
Sem saber se estou tomando o rumo devido.
Mas, leviano que sou, galgo entre pedras
e continuo...

Olhando em frente, nada vejo.
Olhando para trás, não reconheço
a trilha tortuosa, através da qual me guiei.
E vasculho minhas lembranças
não tão remotas,
tentando reconstituir a última visão
de quando tinha meus olhos ofuscados
pelo brilho da estrela,
que agora paira no vácuo,
com um grande corpo sem vida...
E me assusto ao perceber que
não lembro o exato momento,
em qual das curvas, a quantos passos,
meu caminho ficou cinza.

O sol apagou. Assim, simplesmente,
como o clique de um interruptor.
Mas onde estava minha consciência
e porque não recordo de ter-me assustado,
olhando para cima à procura da luz,
que, de súbito, fugiu?
Egoísta que sou, segui adiante,
não atentando para o derradeiro átimo
em que meus olhos puderam discernir
traços, contornos e cores.
Apenas andei...

E agora, percebo que a trilha
não mais oferece sua graça.
Mas não saí da estrada!
E após tanto andar, por entre sombras,
conscientizo-me acerca do animus
que me impele à frente,
que tira cada um dos meus pés
do chão escorregadio (o qual já não vejo, sinto),
projetando-os centímetros adiante,
ainda que não exista mais luz.

Não! Não sou leviano! Tampouco egoísta!
E se não parei de andar
tão logo o sol tenha se apagado,
foi porque eu tive esperanças
de que na próxima curva, no próximo passo,
sua luz voltaria a me iluminar.

Gustavo Carneiro de Oliveira
06.12.2009

Carpe Diem

Carpe Diem

Quando vires refletido o Sol no lar de Poseidon
Lembra-te de mim, aqui saudoso a desejar-te.
Faz de conta, se sentires aquecido o teu corpo,
Que não são os fulgores de Apolo...
Antes, que te enlaçam meus braços num abraço
E trazem teu corpo junto ao meu
(Como minh’alma ora se enlaça à tua!)

E se, nesta hora, resvala por teu dorso e tua fronte
Gotas de suor, salgado como o mar que vês....
E, ao sentires na tua pele a errante dança das águas
Finge que te fazem cócegas meus dedos
A deslizarem, plenos de desejo, sobre tuas costas;
Repletos de ternura, sobre teus olhos

E assim, quando à noite, a nostalgia te buscar
E Morfeu puxar tuas mãos ao leito vago
Faz do teu travesseiro o meu peito
E repousa tua cabeça, sobre a qual desce a cortina
Salpicada de brilhos, inobstante escura...
Dorme! E deixa que o onírico momento
Te conduza a mim, que longe, amargo tua falta.

Se, no entanto, tua mente te trair
E morrerem tua fantasia e faz-de-conta
E do Sol não te bastar o calor como um abraço,
E não extraíres uma carícia do teu suor,
E teu travesseiro não arfar como meu peito,
Vem! Bate à minha porta e entra!
Prende-me em teu corpo, dá-me tuas mãos!
Deita-te ao meu lado e dorme comigo
Então, prolongarás um dia memorável
Ao qual se seguirá noite tão sublime!

Gustavo Carneiro de Oliveira,
Rio, 09 de fevereiro de 2009

Teu calor

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Teu calor conforta meus sentidos, e quando sinto deslizar o teu peito suado nas minhas costas, o mundo para. Deixa de rodar a terra, para fazê-lo minha cabeça. E neste frêmito de rodopios, vejo que somos, antes de tudo, animais... E assim, minha boca busca com ânsia a tua. Minha língua explora cada centímetro e cada cavidade que possuis. Sinto o gosto salgado que sai dos teus poros e tempera toda a fome que sinto de ti! E após uma luta da qual não sai vencedor ou perdedor, restamos dois seres enlaçados por uma força inexplicável, misto de tesão e ternura...

Soneto da Boa Noite

Soneto da Boa Noite

Caídos, sonolentos olhos baços
Que se entravam, abertos, em contenda,
Pois que, cerrados, como reprimenda,
Afastam-me da contagem dos teus passos.

Hora triste, quando a noite encontra o meio
E tu segues – tendo a Lua a vigiar-te –
Dou adeus a ti, que pela rua partes...
Por teu sinal, aqui espero, aqui anseio.

Vem de longe restituir-me o compasso,
Traz consigo a tua voz... Então desperto
Ao captar teu “Boa Noite” em meus ouvidos!

Ora calmos, cedem os olhos ao cansaço
Não te enxergam, posto que não abertos,
Para sonhar-te, tendo agora adormecido.

Gustavo Carneiro de Oliveira
16/12/2008

Os versos que nunca te fiz

Os versos que nunca te fiz

Perdoa, Amor, os versos que nunca te escrevi...
Perdoa este poeta sem inspiração,
incapaz de lançar no papel,
inábil a cantar a felicidade
que os últimos tempos trouxeram,
vinda, não sei bem de onde,
mas que, em algum ponto te encontrou
e chegou até mim, trazida por ti!

Perdoa se, por mais que tentasse
nunca tenha conseguido dedicar a ti
sequer uma rima!
Desculpa!
Nos versos que nunca te fiz,
tantas noites de alegria e calor
não puderam ser traduzidas
permanecendo eu absorto em meus pensamentos,
calado, sem mesmo saber como
te mostrar o tamanho da tua beleza!
(E neste aspecto, faz o espelho
um trabalho melhor que o meu olhar
quando me encontro ao teu lado?)

Nos versos que nunca te fiz
deixei de registrar tantos momentos
em que, ao teu lado, tão-somente
cerrei os meus olhos – e os teus –
calei tua boca com um beijo...
naquela horas, quando a noite é silente,
e os abraços embalaram nosso sono.

Tantos crepúsculos e alvoradas
perderam-se na memória
sem que minhas mãos pudessem
empunhar a pena sobre uma folha maleável
para descrevê-los a ti
em todas as cartas que nunca te deixei.

Nos versos que nunca te fiz
não descrevi teus olhos e teu sorriso perfeito,
tampouco detalhei os cachos e ondas
formados no teu cabelo...
E teu corpo... Ah! O teu corpo
no qual tantas vezes me abriguei,
entorpecido, como quem secou a garrafa
e agora contempla, feliz,
a miríade de estrelas
rodopiantes da alucinação da embriaguez

E assim, perdoa...
Perdoa cada letra mal talhada
Que jamais grafei a ti,
Todas as estrofes que nunca estruturei
E cada bilhete
Que não guardei nas tuas algibeiras...

Perdoa, Amor, pois cada instante,
Conquanto não registrado em todos os versos
Que jamais te escrevi
Permanece gravado no muro das minhas lembranças...
Transcrito e explicitado
Na permanência do meu sorriso.

Gustavo Carneiro de Oliveira
Rio, 06.12.2008

À Mulher

À Mulher

Ao lugar comum e ao clichê tento pôr fim
Mas, confesso, não é fácil este caminho...
Posso eu falar de ti, Mulher, sozinho,
Depois que todos o fizeram antes de mim?

Qualquer loa à tua força ou tua ternura
Soa antiga, mas o que hei de dizer
Se este amálgama é a essência do teu ser,
Alicerce da toda a Estrutura?

A ti entrego o meu amor, o meu afeto...
Sem a tua segurança estou inquieto!
Quem és tu? Esposa, mãe, irmã e filha?

És a mão que nos carrega pela trilha!
Afaga ou pune... Sei que tens por objeto
Conduzir-nos ao teu modo: o mais correto.

Gustavo Carneiro de Oliveira
Rio, 07.03.2008

Soneto Para Alguém Especial

Soneto Para Alguém Especial

Tento, sem êxito, compor versos...
Traído pelo branco em minha mente,
Esforço-me, porém, inutilmente!
Fogem-me as rimas, em termos tão dispersos.

Como descrever-te assim, incontinenti,
Em poucas linhas, tortas, inseguras?
Árdua tarefa, a do poeta e suas agruras,
Se não transpõe ao papel tudo que sente.

Tu és mais que a métrica limita,
Impossível encerrar-te em poesia...
Que jamais conseguirá ser tão bonita.

Paradoxal dona de contrastes
Num só ente, tempestade e calmaria
Um soneto não é tanto a que te baste.

Gustavo Carneiro de Oliveira
21.12.2007

Cuidado, Frágil

(oiginalmente publicado em)
Rio de Janeiro, quarta-feira, 28 de maio de 2008

Um dia espero descobrir que alguma coisa pode ser mais excitante do que longas horas de conversa, com música, abraço e olhares bem iluminados. Um dia espero sentir que palavras picantes, em lugar de "como foi o seu dia?" são melhores de serem ouvidas. Um dia quero aprender a ser visto como um animal no cio, sem cérebro, dominado apenas pelo instinto. Um dia quero ver que qualquer pessoa é substituível e espero poder brincar com os sentimentos de todos para, em seguida, dormir tranqüilamente. Um dia quero ter a leviandade de dizer que será eterno, mas com a mente consciente de nos próximos cinco minutos deixará de existir. Um dia quero dizer aos que não me completam que eles são únicos e que estarei sempre ao seu lado (a cada um deles, direi!). Um dia quero gozar e no minuto seguinte desejar cair fora e se isto não for possível, então, virar para o lado e dormir, para, quem sabe, sonhar com uma realidade menos desagradável do que aqueles segundos de prazer, que agora ficaram para trás. Um dia quero não saber sua música favorita e esquecer o dia do seu aniversário, para mostrar que eu realmente não me importo. Um dia quero me preocupar com a roupa que você está usando, e não lembrar de qualquer idéia que algum dia você tenha me apresentado. Um dia quero ser humano... Enquanto esse dia não chega, continuo sendo eu mesmo. E continuo a achar que não faço parte do mundo.

Distância (Ou Soneto a Um Enfermo)

Distância (Ou Soneto a Um Enfermo)

Se pudesse estar agora ao teu lado
Diria a ti que não te preocupasses
Com um ligeiro beijo em tua face,
Mostrar-te-ia o quanto és amado.

Oxalá agora eu pudesse embalar-te
E, contigo nos meus braços, te diria:
"Cerra os olhos! Foge da noite tão fria!"
Ah! Se eu pudesse... Se eu pudesse, destarte...

Entretanto, te guarda o maldito Dragão
Em cujo fogo não temo perecer
'Inda que a peleja destrua minha espada

Valeria a barganha se a mim fosse dada
A chance derradeira para te ter
E em meu último instante, segurar tua mão.

Gustavo Carneiro de Oliveira.
Rio, 15.05.2008

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Fração

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007.

Fração

Metade resoluta
De fração estendida ao infinito
(e que um dia terá fim)
Nunca só, mas incompleta
(não é tanto a que te baste?)

Metade que junta nacos,
Conquanto não sobejos
Seus sabores desviam da língua
Banquete de Tântalo esfaimado
Por tudo desejar, nada obtém

Metade que caminha
Segue o rastro das miríades
Fragmentos esparsos, perdidos
Aqui, ali, acolá, além
Sempre além, e cada vez mais...

Metade que não busca metade
Encontra pedaços, bocados
E os deixa e é deixada
Resta-lhe a certeza
Do Inteiro que jamais formará

Gustavo Carneiro de Oliveira
Rio, 05.12.2007

Céu cinzento

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, terça-feira, 20 de novembro de 2007.

Gosto de olhar o céu assim, pesado, como se prestes a cair sobre nossas cabeças... Ver o mar e o céu divididos, não pela linha reta do horizonte, mas por curvas delineando o caos. A pergunta que não cala é "o que vem depois?". E lá longe, além, além... Parece não vir nada mais. Tudo é irritantemente igual quando se propõe à mudança! Os dias vão passando, e de repente num final de semana perfeito, você descobre que nada é perfeito. Mais uma vez! Então, o que vem depois?
Não sabemos, ninguém pode prever... Seja lá como for, tomem cuidado. Pois os olhos são sempre maiores do que você!

Lembranças

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, segunda-feira, 22 de outubro de 2007.

No final da noite, sons de eras perdidas rebaterão nas paredes dos teus ouvidos, e trarão consigo todos os fantasmas que julgavas terem ficado para trás. À tua porta soarão todos os toques, e sentirás medo de abrir. É tarde. Tu escutarás todos os rangidos - todos! - e perceberás que não podes mais fugir daquilo que devora tuas entranhas e destrói a tua alma! Então sentirás que estás sozinho. E não te terás enganado! Estás, de fato, sozinho. E em tua solidão, verás que foste abandonado por ti mesmo... É tarde, e ficaste para trás, de onde nem aqueles sons tão distantes poderão te trazer...

Esconderijo

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, sábado, 29 de setembro de 2007.

De súbito, você vê passar por cima dos seus ombros uma sombra. E com um pequeno calafrio, pergunta-se o que terá sido... Mas esquece do assunto, e continua seguindo seu caminho. E lá na frente você tem uma estranha sensação de que algo te observa de longe. Ou nem tão longe assim. E a sombra deixa de ser sombra, e se corporifica diante dos seus olhos. Ela surge de trás daquela árvore que você observava, e agora está diante de você. Então você a fita com olhos estáticos. E apenas volta a seguir o seu caminho.

Decadência

Decadência

Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente.
Nenhuma outra intenção, mas, simplesmente
O hábito melancólico de ser...

Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...

Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...

Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...

Raul de Leôni

Sem horas e sem dores...

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, domingo, 24 de junho de 2007

"Bem vindos ao Teatro Mágico"

O local é a charmosíssima Lapa, região central antiga do Rio de Janeiro. A espera é longa, a fila extensa, mas em nenhum momento eu me perguntei se valeria a pena estar ali de pé por tanto tempo. Eu tinha certeza de que valeria cada minuto! E assim o foi! Ver a trupe do Teatro Mágico em ação é testemunhar o que há de melhor na arte cênica e musical brasileira!
E o Circo Voador foi uma belíssima surpresa para mim! Ver aquele público lindo, despojado, ora sentado, ora de pé, ora dançando, ora estático, embasbacado com os rodopios aéreos dos bonecos trapezistas, foi comovente! Era vida em movimento! Grupos de amigos que se abraçavam, longe da imobilidade de mesas e cadeiras fixas ao solo, e sim, harmonicamente colocados nas fileiras das arquibancadas, sem limites espaciais! Eram pessoas desconhecidas perto do palco, todas unidas com um só objetivo: curtir o show!
E que show! Injusto não fazer uma pequena loa à banda 3 Steps, que abriu lindamente a noite, com seus talentosíssimos instrumentistas, e um vocalista, no mínimo dono de uma simpatia cativante! Sonoridade que contagia, e uma paradoxal vontade de que o show deles acabasse logo, não por ausência de talento, mas por ser a atração principal que se esperava ver ali. Aliás, o desejo de que aquilo terminasse foi até talvez uma lástima por nesta noite o palco ser dividido (ou somado, como diria o Fernando do Teatro), e pela vontade de ver o mais breve possível um espetáculo dessa galera nova, dominando o palco do começo ao fim, com seu brilho próprio!
Mas então, finda a abertura, entra em cena o Teatro Mágico! Muitas cores, muitos gestos, muitas caretas, e muita, mas muita emoção! Suas letras fabulosas, sua musicalidade fantástica, o riso provocado, tudo, tudo ali era magnífico! Impossível deixar passar despercebido as homenagens ao Cordel do Fogo Encantado, ao Chico Science e sua Nação Zumbi, ao Marcelo D2... Impossível não se emocionar com a boneca trapezista escalando as fitas pendentes no meio de uma platéia fidelíssima, enquanto se ouviam do palco os versinhos singelos do Frente – “Everytime I see you falling I get down on my knees and pray” – musicados numa roupagem tão diversa da habitual.... Impossível não sentir saudade com o resgate de um “Superfantástico” que muitos ali esqueceram nas caixas de brinquedos em sua infância... Impossível não se emocionar com o discurso acerca da arte, que deve ser divulgada, ao invés de enclausurada nas estantes pedantes dos intelectuais burgueses...
A energia positiva que emanou do palco o tempo todo rebate em nossa cabeça, fazendo-nos sentir vontade de praticar o bem! E o medo de que cada música seja a última torna difícil piscar os olhos para que não se fragmente aquilo que gostaríamos de perpetuar! É um show que me fez lamentar por acabar! É um show que me fez lamentar por eu não fazer parte da trupe! É um show que me fez lamentar não poder seguir toda a turnê! Se foi aprovado? Com mérito e louvor!

Promoção

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, sábado, 05 de maio de 2007

"Bem, eu quero te dizer que você vem se destacando dentre os estagiários aqui do escritório, especialmente pelo fato de você ter bem pouco tempo aqui dentro... eu tenho observado sempre as suas colocações dentro das análises processuais que você faz... e eu percebi que você não faz um trabalho puramente mecânico, como a maior parte dos estagiários faz... VOCÊ PENSA O PROCESSO. Você tem a percepção que um bom advogado precisa ter para ir longe... e como você tem feito um trabalho de receber ordens, eu agora quero te colocar num outro posto. Você vai entrar numa nova fase da sua dinâmica de aprendizado e eu tenho absoluta certeza de que vai se dar bem, como tem sido desde que entrou no escritório. Você vai ficar responsável por um trabalho um pouco mais complexo, e de mais responsabilidade também... até então vc fazia suas análises e passava para que alguém tomasse uma decisão... a partir de segunda feira, você já vai poder tomar as decisões sozinho..."

Beethoven

"É um sentimento peculiar ver-se elogiado e, ao mesmo tempo, perceber a própria inferioridade, como eu percebo. Sempre encaro tais ocasiões como uma advertência para me esforçar mais na direção do objetivo inacessível que a arte e a natureza nos impuseram."

(Ludwig van Beethoven, em uma carta à Christine Gerhardi, extraído do livro de Lewis Lockwood "Beethoven: a música e a vida)

Gato de Cheshire

“Por favor, poderia me dizer (...) por que é que seu gato sorri desse jeito?”
“Ora, é um gato de Cheshire, (...) e é por isso.”
“Não sabia que todos os gatos de Cheshire sempre sorriam, na verdade, eu não sabia sequer que um gato pode sorrir.”
“Todos eles podem, (...) e a maioria deles o faz.”

(Lewis Carrol - Alice No País das Maravilhas)

Rondó da Liberdade

Rondó da Liberdade

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Carlos Marighella

Ao Rèveillon

Ao Réveillon

Eis chegados o ômega e o alfa!
Uma era que se finda
Comemora-se o Ano Novo.
Roupas novas para corpos decrépitos
Uma mesa farta
Para alimentar uma existência vazia.
Promessas que não serão cumpridas.
Esperanças ridículas
Que não se realizarão...
Feliz Ano Novo
(que já começou antigo)

Valença, 31.12.2003
Gustavo Carneiro de Oliveira

Confiança

Confiança

Saber o que não se pode conhecer
Nunca duvidar do que não se pode provar
Sentir o sabor sem sequer degustar
Aceitar, mesmo sem nunca ver

Talvez seja mais forte que o amor
Aliás, a ele sempre antecede
Sentir sempre qual um vencedor
Por receber um presente que não se pede

É não ter certeza, e sorrir, ainda assim
Não esperar o que pode nunca chegar
Quando se esvai é preciso recomeçar
Mas todo recomeço exige um fim.

Itabuna, numa madrugada absolutamente cinza do outono de 2003.
Gustavo Carneiro de Oliveira, 17/04/2003

Amor

Amor

"Quand la mort est si belle, Il est doux de mourir.
V. Hugo"

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha'alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Álvares de Azevedo

Soneto Para o Estudante

Soneto Para o Estudante

O caminho é, muitas vezes, cansativo
A escalada é íngreme e penosa!
Oh, existência vil e tenebrosa!
O que tenho, que eu tenho e que eu não vivo?

O aprendiz não pode andar, então rasteja
Sofregamente agarra-se – as mãos feridas,
Calejadas, rotas – ao que chama vida.
Estar de pé! É tudo quanto almeja!

Não tem vida própria. Sofre e agoniza.
Como dói, aprendiz, olhar adiante
E ver, tão longe, seu sonho de infante...

Porém, corajoso, persegue o que precisa!
Atrás, o passado perde-se em memória.
Aprendi. No fim da estrada eis a vitória.

Para aqueles que pensaram ser fácil, mas não desistiram ao verem que estavam equivocados.

Gustavo Carneiro de Oliveira
16.11.2005

Patos

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, domingo, 8 de abril de 2007

Quando nasci puseram as mãos sobe minha cabeça e disseram que eu deveria me sentir grato apenas por existir, e disseram que a minha existência era um fardo, e mais do que por existir, eu deveria ser grato por terem permitido que eu existisse. E assim fui crescendo, qual um filhote de cisne dentre tantos patos, sentindo a necessidade de provar que eu era um deles. Com a auto-estima no chão, eu precisava mostrar e sentir que eu não era um lixo! Então, inconsciente e inevitavelmente comecei a jogar sobre os meus próprios ombros cada bloco que soma peso ao mundo. Eu precisava daquilo! Eu precisava... E com o mundo nas costas, ainda me fizeram crer que não era o suficiente. Não foram poucas as vezes em que a culpa somava-se à baixa auto-estima, e a vontade de atirar tudo para o alto batia de frente com a necessidade de segurar cada vez mais apertado ao meu corpo todas as dores do universo.
Assim os anos foram passando e todo instante era dedicado a mostrar a eles que eu era capaz. Mas quando eles saíam e eu me via sozinho, tentava enxergar a minha própria capacidade. E as tentativas eram em vão. E eu sempre me via sozinho! E eu sempre duvidei de mim mesmo. Eles haviam conseguido... Os patos! Malditos patos que colocaram tantos espelhos em cada canto da minha sala, apenas para que eu recordasse a todo instante que era um fiasco! Não dava para fugir... Apenas o mundo nos meus ombros se tornava mais e mais pesado. E eu comecei a gostar disso, afinal, eu precisava pagar o preço por terem me permitido existir! E isso me fez cego...
Foi preciso que vida me colocasse de frente a um cisne para que eu o admirasse em toda a sua majestade! Sentisse ainda mais minha própria insignificância. Eu me via ainda mais rebaixado e amaldiçoei aquele encontro... Amaldiçoei o criador daquela ave esplêndida, que, pelo simples fato de existir, afrontava-me, avisando-me que eu era nada!
Eu estava cego! E quando me disseram que eu poderia ir além de onde eu havia alcançado - não tão longe - eu duvidei. E duvidei quando tentaram me revelar que já havia ido além. Para mim era pouco! O mundo nos meus ombros não era pesado o suficiente! Eu precisava ir mais longe! Como ir além, se eu estava cego? Como enxergar o caminho?
Então disseram que eu não era um pato! Disseram que dentre os cisnes, eu ainda estava além! E eu duvidei!
E até hoje ainda não sei como isso aconteceu. Não sei exatamente em que momento da minha vida, eu me conscientizei de que estava cego. Talvez ainda esteja! E como todos aqueles que foram privados de sentir suas vistas ofuscadas pela luminosidade, eu aprendi a enxergar pelos olhos dos outros! Foi surreal, assustador. Obriguei-me a olhar por outros olhos, para poder perceber aquilo que esconderam de mim a vida inteira: um cisne dentre patos! Um patinho feio e triste, que fora treinado para duvidar e crer sempre. Duvidar de si, e crer no dogma de que a vida é uma bênção! Qualquer tipo de vida. Obrigado, e perdão por terem me deixado existir...
Mas quando todos os olhos viam um cisne onde os meus próprios não viam sequer um pato, acreditei pela primeira vez que eu poderia estar errado... Então fui salvo!
Hoje não enxergo nada além do que enxerguei durante a minha vida inteira. Entretanto, aprendi! Nossos sentidos podem ser cruéis, e nos fazerem passar a vida inteira olhando sombras projetadas nas paredes da Caverna. Aprendi que somos idiotas ao acreditarmos sempre que nossa visão de mundo é a certa! E que, assim como podemos ver o mundo de forma turva, podemos ver a nós mesmos da mesma maneira! Aprendi que não precisamos carregar o Universo nas costas para superarmos nossas próprias fraquezas! E, sobretudo, aprendi que nunca precisamos provar nada a ninguém! Somos quem somos, e o que somos! E muitas vezes precisamos aprender a crer nos olhos alheios para que possamos acreditar na verdade que é a necessidade de deixarmos nossos ombros livres! O mundo já está suspenso por si mesmo!

As Primeiras Impressões

(originalmente publicado em)
Rio de Janeiro, domingo, 18 de março de 2007

Primeiro registro no Rio de Janeiro.
Texto escrito no Word, em 18 de março de 2007. 00:53.

É noite de sábado. E a seleção interminável de funk nos arredores da casa me faz sentir, não que estou no Rio de Janeiro, mas no Inferno. O que, sem dúvida é um comentário extremamente cruel, de minha parte, porquanto a última qualificação que posso dar aos últimos dias que se seguiram é infernal! Antes, estou vivendo após muito tempo (já tinha esquecido, inclusive), dias de uma paz interminável!
Primeiro, o susto! O pavor ante a revelação da realidade. O medo de viver pela metade mais uma vez... Confesso: não foi fácil! O desespero de achar que eu estava dando vida a fantasmas, a constatação de que tudo estava perfeito demais para ser real, a insegurança mais uma vez batendo à porta, e o pensamento turbado de que eu não conseguiria mais dar um passo além. Afinal, com quem eu estava falando?! Por quem eu estava tão disposto? Com quem agora eu conversava? E seus olhos lindos? Eu não os veria? E a mente rodopiava, enquanto lágrimas carregadas de morte rolavam pelo meu rosto. Quem estava ali?! Foi um golpe duro. Disso eu não tenho dúvidas. Mas a vida já havia sido tão travessa, que foi fácil driblar mais uma peça pregada! E então seguiu-se uma espécie de torpor, manifestação do superego sobre o id, com a ordem expressa de vencer os preconceitos! Sua voz rouca - e linda! - ainda me acalmava. A voz ainda estava lá! Devo admitir que muitos conceitos e preconceitos ainda perduram, mas esforço-me para derrubá-los a cada dia...
Então, mais um pequeno susto... Não mais em mim! Tudo já era assustadoramente adorável para que eu conseguisse me amedrontar ainda mais! Uma conversa rápida, tranqüila... "Mãe, pai, estou indo para o Rio de Janeiro..."
Uma tarde chuvosa, horas de espera, Sigur Rós e Beethoven sussurrando ao meu ouvido acalme-se, e assim o fiz. Então, algumas horas depois eu pisava no até então distante Rio de Janeiro.
Recepção calorosa, alguma tensão, logo desfeita, e a percepção de que as afinidades não iriam terminar após os olhos nos olhos... Não me peçam nomes, e rasguem todos os rótulos! Decidimos assim. Nosso contrato foi redigido! E que se danem as mentes pequenas e olhos míopes incapazes de lê-lo!
E hoje estou aqui, num sábado à noite, após uma longa caminhada por uma cidade outrora inatingível, na qual inesperadamente fui inserido! E as impressões... Ah, as impressões! Inevitáveis as comparações... Avenidas arborizadas, praias longas, mar azul, e lá em cima um Cristo - dizem que abençoando - mas não creio, talvez desejando um abraço, esperando com seus braços abertos até que nós, pequenos ali em baixo, percebamos a imensidade das coisas... E constatemos nossa diminuta condição!
Em cada canto, o novo e o antigo! O medo sempre à espreita. Nunca sabemos se estamos no caminho de um projétil desorientado que pode interromper em um segundo toda a magnífica percepção da beleza e do caos. Mas é inevitável esquecer o caos, quando a beleza se torna maior! Não se pode descrever se a cidade foi construída entre as pedras, ou se pedras simplesmente brotam do chão, emergindo de repente, e empurrando as casas e ruas para os cantos. A dor das favelas - as famigeradas favelas! - que crescem qual um organismo, um fungo, talvez, e que se alastra sem que ninguém conheça seu começo e seu fim, não retira delas o seu caráter de belo! Uma beleza triste, sorumbática, mas que não deixa de ser beleza! As ruas, tão pequenas vistas do alto, e prédios que mais parecem pecinhas de Lego, remontando talvez a minha infância, quando eu construía e destruía o que eu quisesse... Infância! É nela que penso quando ando pelas ruas deste bairro, a sensação de um lugar conhecido, no meu esquecido Espírito Santo, invade-me a cada esquina dobrada nesta Fábrica de Tijolos! O Sol, austero, castiga a cidade, condenando-nos (sim, sou parte daqui!) com os 40 graus. E eu achava ruim quando suava com os 32 graus habituais! Life is ironic! Como um moleque zombando de tudo, durmo no Oásis! Este cantinho sempre fresco, onde encontrei um refúgio, e onde todas as noites eu (re) descubro o que é a paz!
E assim, vão passando os dias, estranhamente fazendo-me crer que amanhã será ainda melhor que hoje (e tem sido!). Hoje até chove! E agora, aquele abraço que tanto desejei todos os dias, faz-se cada vez mais concreto! Carpe diem. Carpe noctem. Just carpe it.

Pergunte ao Pó

sábado, 3 de março de 2007

"Quanto às suas ansiedades por suas experiências de vida em geral e mulheres em particular, infelizmente é comum os autores terem menos experiências que outros homens e isso se deve ao fato incontestável que se você não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, Sr. Bandini. Ou você está diante da máquina de escrever ou está no mundo lá fora, tendo experiências. Portanto, como você precisa escrever e ter experiências sobre as quais escrever, você tem que aprender a fazer mais com menos. E fazer mais com menos é, em uma palavra, Sr. Bandini, o que significa escrever."

Trecho extraído do filme "Pergunte ao Pó" (Ask the Dust)


A cabeça dói um pouco e em meio ao turbilhão de sentimentos no qual me inseri nos últimos dias, eis que novamente espreita em minha janela o medo. Por mais que tente não olhar para trás, focando-me apenas no dia de amanhã, é cedo para que eu consiga. E me entristeço quando penso no que a vida fez de mim... Procuro manter a criança feliz sempre a brincar, mas não consigo simplesmente olvidar o adulto diligente que dela tomará conta, tentando impedi-la de ir longe demais...
Então torturo-me duplamente, por um lado, ante o medo do passo seguinte, o medo de novamente acreditar e no fim escorregar no cascalho que fará sangrar as feridas ainda não cicatrizadas. Por outro lado, o medo de não acreditar, de não dar um voto de confiança - apenas um - a quem de fato o merece, depois de ter desperdiçado tantos outros votos com tantas outras pessoas incapazes de valorizá-los... A mão que afaga é a mesma que apedreja? Mestre Guto, tão sábio, disse que sim, e eu, tolo (?) acreditei. Nunca tive porque não acreditar antes. E agora todo o meu desejo é alguém que me demonstre serem os "Versos Íntimos" vazios e desprovidos de sentido.
Beethoven, você está confuso! Acaso está incerto acerca do que sente? Isso não. Tenho absoluta certeza que não. O que sinto, o que almejo... nada disso é incerto. Incerto é apenas o dever ou não dever acreditar...
Por que a dúvida é tão cruel? Por que esta vontade súbita de chorar quando o sorriso sequer deu adeus aos meus lábios? São perguntas que vagam sem resposta, e nas quais tento não pensar mais, a fim de que não tirem de mim a minha única certeza: a de que te quero!

Salvador, 03 de março de 2007.
02:15, madrugada.

Rimas

(originalmente publicado em)
Salvador, sexta-feira, 2 de março de 2007

É alta madrugada, e o papel é marcado por alguns rabiscos. Minha mente atordoada não me permite concatenar as idéias de modo a tecer um soneto... As rimas não saem, ante a redundância de um casamento trêmulo de paixão com paixão, amor com amor, e sinto que o momento não é propício para as palavras. Nunca consegui escrever bem, sentindo-me feliz! E dada esta realidade, pouco falta para eu defenestrar esta caneta e este papel, quebrar minhas próprias mãos na certeza de que jamais precisarei empunhar novamente uma pena...
Mas, de súbito, vem à tona a idéia de um dia eu vir a aprender a casar felicidade e escrita. Então penso em todos os bilhetes apaixonados que ainda não lhe dediquei. Penso em cada recado não deixado no espelho, talvez não com um batom, mas porque não com um pincel hidrográfico? Penso no guardanapo da lanchonete, não carimbado com um simples "amo você", dobrado no bolso de sua camisa... Vejo então, que mesmo se me faltarem as palavras para um texto brilhante, sobrar-me-ão sentimentos, que de alguma forma precisarei exprimir. Então conservo inteiros os meus dedos, para no dia em que papel algum encontrar sobre si qualquer palavra, eu possa com eles, tocar sua pele macia, imprimindo - no silêncio da madrugada, talvez entrecortado pelo som abafado da nossa respiração - todas as palavras não escritas, mas registradas nas nossas lembranças daqueles momentos que somente a nós, e a ninguém mais, será permitido ler.

Salvador, 02 de março de 2007, às 3:27, madrugada.

A noite se apressa...

(originalmente publicado em)
Salvador, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Salvador, 28 de fevereiro de 2007.
01:25, madrugada.

A noite se apressa e corre longe, como se ao diminuir minhas horas de sono, impedisse-me de sonhar. Mas ingênua, não percebe quantas horas do dia os sonhos dançam à minha frente, quando meus olhos estão bem abertos. E durante estes sonhos o que é distante se aproxima com um simples "bip" anunciando a mensagem enrolada dentro da garrafa que navegou, em segundos, tantos mares, para trazer-me algum recado simples. Coisa pequena, como um beijo ou uma boa noite. E desta semente tão diminuta brotará a imensa árvore do sorriso...
Saudade presente a cada caractere digitado. E a mesma saudade se revela sob forma de um texto, o qual, devido aos avanços tecnológicos, chega às minhas mãos de forma não tão romântica quanto as longas cartas dos antigos jovens enamorados, inspirados nos anseios de Werther, mas não menos envolvente e arrebatadora, após uma fria transferência de arquivo. Ora, pouco importam as formas, os veículos! Se os mesmos sentimentos dos quais Charlotte foi objeto, inserem-se em mim através de uma tela de vidro! E isso me basta!
Basta para que meus olhos pesados se fechem nesta noite que, de modo furtivo, tenta roubar-me os sonhos, e se abram novamente a qualquer hora do dia seguinte, para testemunharem o fracasso desta bela apressada...
E nos meus ouvidos, a voz doce da Sarah Brightman quase não é captada, pois ecoa ainda na minha cabeça seus dizeres tão singelos: "não sei porque, mas eu te quero."

Saudade

(originalmente publicado em)
Salvador, terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Saudade

Pergunto-me como posso sentir saudade suas.... Saudade do que jamais vivemos juntos, das coisas que jamais experimentamos.
Saudade de nunca ter ido com você ao supermercado, de nunca ter brigado pelo sabor do sorvete, pela marca da pasta de dente, pelo rótulo do vinho. Saudade de nunca ter lido com você ao meu lado na cama, de nunca ter escolhido com você o filme que iríamos ver, ou restaurante no qual jantaríamos e beberíamos depois. Saudade de nunca ter sentado com você no sofá da sala para conversar sobre a viagem de fim de ano, de nunca ter acordado do seu lado num sábado de manhã, levantado para tomar café na cozinha, e voltado para cama. Saudade de não ter a chance de ler o jornal de domingo com você e de depois sair para correr no parque. Saudade de nunca ter decorado com você a nossa casa, de nunca ter brigado com você por ciúmes, de nunca ter feito as pazes apaixonadamente na cama, de nunca ter comemorado nosso aniversário. Saudade de nunca ter voltado para casa e encontrado você me esperando na sala, de nunca ter visto você chorar, de nunca ter tido a oportunidade de entender porque você gosta de incensos. Saudade de não ver você envelhecer, de nunca ter conhecido sua família ou as pessoas que marcaram sua vida. Saudade de nunca ter mexido no seu rosto em público, de nunca ter beijado sua boca em público, de nunca ter tocado seu cabelo em público. Saudade de nunca ter ouvido você dizer que me ama; de não poder ser quem você gostaria que eu fosse.
Mas, principalmente, saudade de nunca ter olhado dentro dos seus olhos naquela noite que você gozou. Porque teria sido nessa hora, no momento em que meu corpo e meus sentidos fariam o abençoado trabalho de conduzir você, doce e apaixonadamente, ao melhor lugar do mundo, que eu poderia ver muito de perto - a ponto de poder tocar se quisesse - sua alma.
E assim, quem sabe, me seria dada a preciosa chance de escrever nossa história - talvez uma das mais belas histórias de amor jamais escritas - e por enquanto...

Edu, RJ 27/02/2007 - manhã

Mudanças

Salvador, 27 de fevereiro de 2007, à 00:28.
Texto escrito em folha de caderno, postado ao amanhecer.

Às vezes o mundo tem um modo estranho de nos revelar que estamos vivos. Primeiro Carnaval na terra do acarajé, e confesso uma certa decepção ao constatar a realidade da festa. Esperei mais! Não que não tivesse sido divertido, pelo contrário, a mistura de ritmos, cores e povos, inerente a esta Bahia maravilhosa, permaneceu a cada dia, fazendo-me reconhecer minha própria identidade. Capixabaiano. Nascimento e convívio. Infância e vida adulta. Amor e amor! Dancei, revi amigos, matei saudades...
Percebi sangue corrente em minhas veias. Inclusive o sangue vertido dos ferimentos no meu rosto, nas minhas mãos... Uma surpresa desagradável, e ao mesmo tempo... Reveladora? Não. Não é bem esse o termo correto... Confirmativa? Isso! Uma surpresa capaz de confirmar que se eu não tivesse mais levantado daquele asfalto, eu teria perdido boas experiências. E por alguns momentos eu realmente desejei não ter levantado...
E então eu teria perdido a oportunidade de sentir o gosto confortante de um abraço (e algumas pessoas tolas acreditam que não são importantes para outras), não poderia ouvi-la falando com voz mansa (as ofensas mútuas já estavam me fazendo esquecer que ela possuía esta capacidade), não saberia mais como é a felicidade de receber uma ligação no meio da madrugada, com o único fito de dar "boa noite", com sua voz rouca - e linda!
Percebo então que o medo volta. E sinto-me satisfeito com este medo... Li em algum lugar que um homem sem medo é um homem sem esperanças... E eu voltei a temer! Fiz bem ao levantar daquele asfalto, ao esfregar os ferimentos com um papel embolado nas mãos sem sentir qualquer dor, ao ver um documento perdido no meu bolso, sem enxergar qualquer titular ao meu lado, sentindo por um longo segundo um calafrio descer pela minha espinha... No final um olho roxo é um preço muito baixo!
E eu pagaria outra vez, se fosse necessário!
E agora aguardo os dias darem adeus para ver o que a vida me reserva. Enquanto isso, vou seguindo - não mais tão normal - pois agora tenho trazido comigo um sorriso... Boa noite.

“Vinde a mim as criancinhas”

“Vinde a mim as criancinhas”

Por linhas tortas
Como ruas de subúrbio
Escreveste a certeza
Com sangue que não se apaga

Descansa ao sétimo
Quilômetro da agonia
Via crucis hedionda
Rastejando-se ao céu
Na bem-aventurança
Da infância

Foi a ti
Ouviu teu chamado
Mas tuas mãos hábeis
Não desataram os nós

Em tua sede de ais
Tantas Marias perdidas
Sem filhos nos braços
Apenas mais um primogênito
Cujo lamento
Não escutas mais

Gustavo Carneiro de Oliveira
08 de fevereiro de 2007

Solidão dói

(originalmente publicado em)
Valença, sábado, 27 de janeiro de 2007

Hoje li um livro, simplesmente perfeito, do Arnaldo Jabor. Uma coletânea de crônicas, chamada "Amor é prosa. Sexo é poesia" com a qual muito me identifiquei. O Arnaldo conseguiu expor muito dos meus pensamentos ali no papel, isso tudo sem que eu sequer tivesse conhecido o Rio dos anos 60, e muito menos convivido com a Silvinha. E também nunca desejei ser ponta-esquerda de nenhum time de futebol durante a minha infância. Na verdade eu sequer gostava de futebol na minha infância! Percebia sua angústia ante o desenrolar do mundo e me encantava com o modo como a doçura e a amargura deram-se as mãos, caminhando juntas, a cada página lida.
Começo então a divagar em meus pensamentos, e sinto uma ponta de melancolia se esgueirando pelo muro, a fim de encontrar o portão aberto, e entrar, sem ser vista... E ela sempre consegue! Começo a pensar em tantos outros livros perfeitos que já li, e que, a cada página lida, assaltava-me o pensamento "tenho que passar este livro para o Cadmo", ou "Nossa! Isso é a cara da Luana!", pessoas com quem sinto vontade de compartilhar as idéias ali contidas, debater as questões suscitadas, e ter feéricos momentos, sempre ao som de Janis Joplin, e cercado de algumas garrafas de vinho. E percebo como faltam pessoas na minha vida! Sinto a vontade de conversar sobre o que está escrito, e bate-me um desejo insuportável de sentar numa mesa de bar com o autor ou autora, e dialogar sobre seus pensamentos. Assim, às vezes surge uma espécie de amor, de paixão, ou admiração por uma pessoa desconhecida, mas por quem, em dado momento, alimento o pensamento de que temos tantas afinidades... E que ele (ou ela) escreve tudo aquilo que eu gostaria de ter escrevido... Penso que seria muito bom podermos bater um papo algum dia...
De súbito, estou de volta à minha realidade, lamentando o aperto de mão, ou o abraço que não darei nos escritores e músicos (sim, eu beijaria o Beethoven! E talvez fumasse maconha com a Janis!) que sem sequer saber que eu existo, ajudaram a construir um pouco de mim!
Fecho o livro - não só o do Arnaldo - e pergunto-me com quem eu poderia conversar agora sobre ele... Com quem discutir o sexo dos anjos, e afirmar que a moral não tem nada de libertária? Com quem falar sobre Verões e Invernos desesperados? Com quem dizer que Deus é um terrorista? Minha irmã mais velha olhar-me-ia com o desdém de quem não tem muita paciência para questões sem qualquer finalidade prática e diria que tudo isso é uma chatice, uma chata e aborrecida forma de perder tempo sem chegar em lugar algum. Minha irmã do meio diria que estou afogando-me no pecado por tentar me liberar do cabresto que impuseram em mim quando mandaram um padre jogar um pouco de água sobre minha cabeça, dizendo algumas bobagens, enquanto um casal, que não eram meus pais, segurava-me no colo. Meu pai... Meu pai talvez, em sua eterna condescendência diria um grave e lento "Certo!" e daria por encerrada a conversa ali, sem contra-argumentar, e sem me mostrar o porquê de ele me achar certo... Frustrante! Este rei insuportável e arrogante que trago em minha barriga não toleraria tamanho desprezo, e me obrigaria a olhar estupefato para ele e me perguntar "Depois de todas as idéias brilhantes que expus, tudo o que me restou foi esse 'certo'?" E minha mãe... Esqueçamos minha mãe! Afinal, sou uma decepção!
Então, sento-me ao chão do quarto da minha avó e fico vendo Vídeo Show e novelas à tarde com ela, vez ou outra fazendo uma pergunta sobre algum dos personagens, a qual sei que ela não responderá por não ter me ouvido bem, dizendo qualquer outra coisa sobre qualquer outra personagem! Mas ela tem boa vontade. Até que me divirto com a TV e minha avó juntas no quarto! Por isso os finais de semana aqui são tão tediosos! Não tem Vídeo Show na Globo para ver!
Solidão dói! Isso não é novo, nem fui eu quem escreveu isso pela primeira vez! Duvido que serei o último a fazer essa observação! Ver os dias morosos levando o meu entusiasmo, sem ter um amigo para me abraçar, sem ter alguém deitado no meu peito enquanto tocam algumas notas em um violino de Bach, sem ter uma amiga para quem eu poderia ler algum soneto da Florbela, sendo mesmo obrigado a programar a contagem automática da máquina fotográfica para bater sozinho minhas próprias fotos, nas quais dou um sorrisinho amarelo tentando acreditar que pode parecer sincero se eu me esforçar bem! Tolice! Nada mais deprimente do que contagem automática de máquina fotográfica!
Resta-me o asilo do meu quarto, com todos os meus CD's a conversarem comigo, entendendo bastante a minha solidão, e com quem às vezes sou tão injusto quando os contemplo e penso "preciso de CD's novos". Assim vou existindo, vendo os dias e noites se arrastarem lentos, e paradoxalmente, levando muito rápido a minha vida embora! A vida tão curta que comecei a viver depois de tanto tempo apenas observando rosas nascerem e morrerem pela janela!

O Lobo da Árvore da Noite

O Lobo da Árvore na Noite

Quando as trevas sinistras na floresta
Têm da Lua o clarão a amenizá-las
Desce da tua árvore, vem, resvala...
Sai à caça pela mata tão funesta.

Com teu forte rosnado tu me calas
E me avisas da morte que me resta...
Transforma meu corpo na tua festa!
Dilacera-me com pompas e com galas!

Prova do meu sabor na tua língua!
Rasga-me a carne, bebe do meu sangue!
Carrega minha vida (agora tua)...

A fome e o desejo, então à míngua...
Da luta, restarão seres exangues,
Exaustos, a uivarem para a Lua.

Ao lobo que vaga, sozinho, cuja presa, mesmo tão distante, já se encontra encurralada.

Valença, 23.01.2007
Gustavo Carneiro de Oliveira

Soneto de Desesperança

(originalmente publicado em)
Valença, domingo, 21 de janeiro de 2007

Soneto de Desesperança

Do mais tenro vigor, a decrepitude,
Em triunfais trombetas se anuncia,
Fazendo descer a noite onde foi dia!
Encerra-te a ti mesmo em ataúde!

Eis que teu sonho partiu tão amiúde...
Perdeu-se no espaço a tua fantasia!
Tua inércia é tua própria anestesia
À desgraça de não ter magnitude.

Olhos mortiços, repletos de amargura
Não mais enxergam esperança futura...
Saudosos do passado... Tudo é ausência!

Teu corpo noctâmbulo ainda perdura
Sem alma a preencher-te! Oh, agrura!
Não mais vives: insistes na existência.

Gustavo Carneiro de Oliveira
Valença, 20.01.2007

Soneto de Tédio e Calor

(originalmente publicado em)
Valença, terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Soneto de Tédio e Calor

Viesse furiosa torrente
Fazer cair minha janela
Diriam meus olhos a ela:
"Carrega meus frutos correntes!"

Mas nunca chega a tempestade!
Em seu lugar a brisa morna,
Cujo sopro à vida não torna
Na inércia desta cidade.

E do céu não derribam as águas
Mas da pele escorre o suor
E dos olhos descem as mágoas.

E o zunido das varejeiras,
Neste tempo de tédio e calor,
Agrava-me a pasmaceira!

Gustavo Carneiro de Oliveira
Valença, 08 de janeiro de 2007.

Contagem Regressiva

(originalmente publicado em)
Valença, terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Contagem Regressiva

Dez... é, sempre de praxe, iniciar-se
Regressiva contagem ao fim do ano...
E ele não é mais que um resto humano...
Com uma lágrima a banhá-lo pela face!

Todos comemoram! Nove, oito, sete...
Dedos cruzados... Promessas e desejos...
"Não percebem que se tratam dos sobejos
de um sonho, que em real não se converte?"

Seis, cinco, quatro... Em sua resignação
Por sequer conseguir estancar o tempo,
Ele apenas vê mais uma aproximação

De mais um futuro assombroso...Três, dois, um...
Ano velho, parte, e carrega em suas mãos
A esperança, que não o trouxe bem algum.

Valença, 1° de janeiro de 2007.

À Metade da Melhor Parte do Universo

À Metade da Melhor Parte do Universo

Entre Invernos e Verões desesperados
Com teu riso e sapiência me acompanhas
Nesta história de amores e de sanhas,
Quantas lágrimas nós temos derramado?

És o Alfa, todavia não o Ômega!
Sem saberes terminar o que inicias,
Ora rude, ora em tal melancolia,
Segues firme, por tua vida sôfrega.

Em colóquios, tantas vezes já sem calma,
Argumentos sólidos e inabaláveis
Calavam-me. (Para ti, lego mi’as palmas!)

Assim, reconhecendo-nos miseráveis
Descobrimos, um no outro, grandes almas,
Sempre juntos em pileques memoráveis!

A Cadmo Nereu, amigo patético, louco e desequilibrado, a quem agradeço por incutir em mim a Utopia.

Gustavo Carneiro de Oliveira.
1° de janeiro de 2007.

Eu

Eu

Sou louco e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.

Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.

Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre

Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.

Fernando Pessoa

Desespero

sábado, 9 de dezembro de 2006
(originalmente publicado em)
Valença, 09 de dezembro de 2006

Valença, 09 de dezembro de 2006, 14:27.
Texto escrito em momento de desespero, numa folha de caderno.

Num microcosmo onde inexiste a espontaneidade, e a única forma de carinho é a troca, o homem se vê obrigado à contraprestação! Que ódio tão grande é este que o consome e insiste em brotar dos olhos em forma de lágrimas? Cadê o pote de ouro ao final do arco-íris? E cadê o arco-íris?
As mãos tremem e mal conseguem segurar a caneta. O corpo inteiro vibra, enquanto os soluços saem abafados. Ele não quer plateia! Ele só quer estar longe! Esquecer e ser esquecido. Mas um abraço já bastaria... Um abraço evitaria que novas paredes fossem destruídas. Em seu lugar, apenas o descaso com o seu universo. "Sem alarmes e sem surpresas." Sua vida nunca teve importância. Apenas sobrevive a obrigação que é o amor de pais e filhos. E quando todas as moedas forem pagas, nada mais existirá exceto pessoas estranhas que o acaso colocou sob o mesmo teto.

Pais X Filhos

(originalmente publicado em)
Valença, 09 de dezembro de 2006

Valença, 06 de dezembro de 2006, 23:28.

O dia pesa. E as notas da Marcha Fúnebre de Chopin são intermináveis. E penso distante, a memória vagueia por alguns anos atrás, quando o calouro do curso de Direito ouvia com uma ponta de inveja, os relatos dos colegas sobre seus feriados. "Foi bom voltar para casa. Estava com tantas saudades de todos. E minha mãe fez todos os dias os meus pratos prediletos..." E quando me perguntavam sobre meu feriado eu respondia, ante olhares de espanto e censura: "Não viajei. Não senti saudades de casa. E não, minha mãe não prepara meus pratos favoritos!" E inevitavelmente, vinha a culpa. Como o filho não sente saudade dos pais? Eu devia ser mesmo um péssimo filho. E então eu penso hoje em meus colegas, que às vezes chegavam na faculdade aliviados, mesmo com toda a pressão psicológica inerente à vida acadêmica. "Meu pai me ligou. Eu chorei com ele ao telefone. Estava com saudades. Ele perguntou o que eu tinha e me confortou. Hoje estou melhor." E eu penso então em todas as vezes que meu telefone não tocou. Penso nas visitas que nunca tive. Penso que foram seis anos vivendo longe da casa dos pais, e nas poucas vezes que meu telefone tocou, a ligação nunca era para a pessoa. Só ligavam para o aluno, para o funcionário, e, pior, para o mensalista. "E aí, como estão as notas? O quê? Tirou 7,0? Só isso? Você não estuda? Ah, saiu do trabalho. Desempregado de novo? Sabe quanto já mandamos para você neste mês? Controle seus gastos. Você dá despesas!" E mais uma vez a culpa... Minha família trabalha para me manter estudando. Eu sou mesmo um péssimo filho... E me pergunto: Quantas vezes procuraram saber sobre minha vida pessoal? Quantas vezes me ligaram ou me escreveram para saber se eu estava doente? Quantas vezes procuraram saber se eu estava feliz? Namorando? Apaixonado? Sozinho? Triste? Sentia-me solitário? Tinha amigos? Havia chorado? Havia rido? Quando me questionaram se eu estava carente? Cansado? Exultante? Deprimido? Enfim... Constato que minha vida em branco não durou apenas seis anos. Mas vinte e seis! Pois hoje tento lembrar algum dia em que alguém de lá tenha colocado a mão sobre meu ombro e questionado "então, como você se sente?", mas minha memória se perde sem respostas...
Onde eles estavam nos seis últimos anos, nas ocasiões em que fiquei doente? Onde estavam quando eu levei foras? Onde estavam quando eu me senti tão feliz que gostaria de dividir isso com o mundo? Onde eles estavam? Trabalhando para me manter... Serei eu um filho tão mau, incapaz de reconhecer este esforço e retribuir apenas com a minha ingratidão? Não vou desprezar este esforço... Mas só isso não basta! Acaso, é esse o amor em família? Uma barganha de valores monetários? Devo amá-la por nunca me ter posto num saco plástico e me atirado num rio? É este o seu esforço? Devo amá-lo por não me surrar de forma astronômica e por nunca ter queimado minhas mãos em água fervente, como alguns fazem? Ou mais, devo me sentir culpado por isso nunca ter acontecido? Afinal, o esperado é que atirem seus filhos num rio, não sem antes terem queimado suas mãos?! Devo então reconhecer como uma manifestação de amor supremo o fato de eu ter comida em casa, e ponto final... Ao inferno este amor! Reconhecer este amor por obrigação é legitimar que sou um filho perfeito por nunca ter usado drogas, por nunca ter furtado bens de dentro de casa e nunca ter me envolvido em problemas com a polícia! Isso basta? É o suficiente para eu cobrar que se orgulhem de mim? Tanto não é, que não sinto uma manifestação de qualquer orgulho da parte de ambos. Antes, tive de me valer de uma força hercúlea para não deixar minha auto-estima me destruir, graças às críticas permanentes! Não esqueço o que escutei quando cheguei em casa contente por ter feito minha inscrição no vestibular para Direito. "E você acha mesmo que você vai passar? Você deveria ter escolhido algo menos concorrido..."
E nesta semana fui questionado sobre a minha visão amarga de mundo. "Você não deve ficar falando estas coisas de que tudo dá errado. Você não deve ficar com esta cara feia. Você não deve ficar tão calado. Você deve sorrir mais. Você deve demonstrar mais felicidade..." Você deve, você não deve... Diabos, é tão fácil assim julgar o que devo e o que não devo fazer? Porque ao invés de quererem me obrigar a fingir uma felicidade que eu nunca senti, não procuram saber as razões para o sorriso ter desaparecido do meu rosto? Porque sempre ditam o que eu devo e o que não devo, mas nunca me perguntam "Porque você não sorri mais? Porque você insiste em dizer que as coisas dão errado?" Meus motivos não importam... Nunca importaram. As promessas quebradas, os planos desfeitos, os amigos que deixei para trás, nada disso é importante... Eu apenas devo estar à disposição.
E então penso nos meus colegas, que sempre tiveram o espaço necessário para o crescimento, pois, além de acreditarem nos próprios filhos, eles reconhecem que o futuro pode ser lento. E penso que não tive meus estudos facilitados, por ter sido visto como um vagabundo, e agora o pouco tempo vago que tenho será gasto num retrocesso, que provavelmente obrigar-me-á a jogar na lixeira o meu passado, e com ele, dar adeus ao meu futuro. Pois a eles, basta o dia de hoje! E eu hoje não estou produzindo coisa alguma!
Sou satisfeito por ter conseguido amigos. Gente que se interessa por mim, e acredita que eu posso ir além. Gente com quem ri. Gente com quem chorei. Gente que me ligou e me perguntou se minha cabeça parou de doer, ou se minha garganta continua inflamada. Gente que conjuga o "nós". Gente que esteve presente. E que tive de deixar para trás... Apenas para voltar à impessoalidade da vida em família, estes seres indiferentes, que julgam com uma facilidade extrema, à proporção que esquecem de ver a minha vida passando como parte da deles...

Goldfish Memory

(originalmente publicado em)
Valença, domingo, 3 de dezembro de 2006

"Amar-te, simplesmente, me basta hoje. Mas não descansarei enquanto mão mais talentosa não tiver moldado meu barro para ser mais digno do teu nome. E se essa mão secreta não atingir a perfeição na roda eterna, deve o meu amor fortalecer-se na chama e dar-me a vida, forjado sobre o aço. Pois quero te amar através das eras que céleres passam, até que se esgotem as areias
de todas as ampulhetas. Oh, prometida, como pude amaldiçoar meu destino e passar de sombra a sombra sem notar os sinais da aurora!"

Texto extraído do filme "Todas as cores do amor" (Godlfish memory)

Utopia

(originalmente publicado em)
Valença, sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Texto escrito em folha de papel, em 1º.12.2006, às 2:41 da madrugada

We'd gather around
all in a room
fasten our belts
engage indialogue
we'd all slow down
rest without guilt
not lie without fear
disagree sans judgement
O dia corre tranqüilo, e cada segundo pareceu narrar uma história... Uma linda história, que começou a quase quatro anos atrás. E que teve um fim. As personagens ganharam vida própria, e autonomia, neste ínterim. Tanto que o enredo seguiu o curso que os protagonistas desejaram, sem intervenção de algum autor alheio. O máximo foi o surgimento de alguns coadjuvantes, ou atores de outras peças, vividos em outros tablados... Mas este palco é nosso! Beethoven, Cadmo E Lestat. E a celebração à Utopia!

We would stay and respond and expand and include
and allow andforgive and enjoy and evolve
and discern and inquire and accept and admit
and divulge and open and reach out and speak up
This is utopia
this is my utopia
This is my ideal
my end in sight
Utopia this is my utopia
This is my nirvana
My ultimate

Obviamente não reviraremos o Cemitério Maldito, e não sonhamos em reviver a mesma história, porquanto não faz sentido o tempo correr sem trazer consigo o futuro para o dia de hoje. E naquela época Beethoven, Cadmo e Lestat nem mesmo existiam. Muitas foram as máscaras. Muitas foram as maçãs devoradas. Muitas foram as expulsões do Paraíso. Hoje nem há o vinho. Hoje sei que a Utopia acabou, e qualquer história que vier será outra. Alguns papéis até se inverteram. O tempo revelou que o romântico poderia se tornar ácido, o promíscuo é no fundo um inocente sonhador, e o apaixonado não distingue mais o amor do ódio... Amadurecemos. Olhamos nossos espelhos. Vimo-nos de frente... Muitas vezes precisamos virar as costas para que isto ocorresse. E já faz quase quatro anos...

"We'd open our arms
we'd all jump in
we'd all coast down
into safety nets
we would share and listen and support and welcome
be propelled by passion not invest in outcomes
we would breathe and be charmed and amused by difference
be gentle and make room for every emotion
we'd provide forums
we'd all speak out
we'd all be heard
we'd all feel seen
we'd rise post-obstacle more defined more grateful
we would healbe humbled and be unstoppable
we'd hold close and let go and know when to do which
we'd release and disarm and stand up and feel safe

Por fim, resta no ar uma certeza. Nossos caminhos já não são os mesmos... Hoje eles se cruzaram. E ainda resta no ar uma dúvida. Até quando? Tenho medo da resposta, e prefiro ir embora da cidade, acreditando que mesmo eu nunca mais escutando Kansas e refletindo sobre a poeira no vento, eu tenha contribuído de alguma forma no decorrer destes quatro anos para o surgimento do Cadmo e do Lestat, pois hoje sei que sem eles não teria havido Beethoven. E brindemos duas vezes: à Utopia - que morreu - e ao Amanhã - que ainda não nasceu.

This is utopia this is my utopia
this is my ideal my end in sight
Utopia this is my utopia
this is my nirvana
my ultimate

Plano B

(originalmente publicado em)
Valença, quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Mais uma vez ela surge de modo inesperado. Inesperado? Uma pessoa pode mesmo se dar ao luxo de ser surpreendida pela infelicidade? É preciso um tanto de ingenuidade para alguém achar que tem o direito de ser feliz... Os dias se arrastam. Cada vez mais lentos, e mais uma vez o Plano B precisa ser executado. Para seus planos darem certo, você precisa saber que ele dará errado, e um novo plano terá de ser elaborado. O problema é que se você já elaborou este novo plano, então ele também dará errado para você. Do contrário, você nunca será pego de surpresa... E onde está a graça da vida se as surpresas não te agarram pelo braço, puxando você para trás e fazendo-o cair? Aliás, onde está a graça da vida? Simplesmente... Não há! A coleção de fracassos aumenta com as horas!
Você espera sair de um lugar que você ama, tentar a vida em outro, acreditando ser possível que este outro lugar será melhor para você. Mas eis que chega a roda viva, e você retrocede, e se vê distribuindo currículos num lugarejo amaldiçoado, onde você nunca conseguiu ser feliz! Ou melhor, estar feliz. O ser pressupõe a eternidade, logo a conciliação entre feliz e ser é impossível. Da mesma forma agora não adianta conjugar o ser no passado. Você não era... O que quer que você tenha sido, você ainda é. Você pode ter estado... E provavelmente acabou! Muito antes do que você supôs! Mas você tinha o seu Plano B? Então está tudo certo. Mas se está tudo certo, então você não foi surpreendido. Ou foi surpreendido, mas estava preparado? Seu Plano B deu certo? Não deu! E se você ainda acredita que está tudo sob controle, não se preocupe. Logo esta certeza acaba!
O calor continua insuportável, e o céu cada vez mais escuro anuncia uma tempestade... Provavelmente não será mais forte que a interior. Esta não tem cargas elétricas, mas em compensação a torrente que escapa pelos olhos é mais forte. E você continua pensando o que vai fazer de sua vidinha medíocre. Insiste em procurar uma saída. E acredita que será apenas uma questão de tempo para você ir embora. O empreguinho de merda que você conseguir na cidade que é sua algoz não será o suficiente para vinculá-lo a ela. Você apenas acredita que vai juntar um pouco para poder ir embora o quanto antes... Você é um idiota! Apenas isso! Com todos as letras que tem direito, UM IDIOTA! Você acha mesmo que pode contra a maldição que recai sobre suas costas? Acha mesmo que algum dia terá a rédea de sua vida? Acaso não já teve mostras o bastante para perceber que se algum dia você estiver satisfeito, isso lhe será arrancado de modo cruel, como quem perde um braço, sem anestesia para confortá-lo? E não se surpreenda! Você já está avisado... E não mantenha um Plano B. Ele também irá falhar!

A Chegada

(originalmente publicado em)
Valença, 12 de novembro de 2006, 00:16.
Texto escrito no Word, enquanto dura a incerteza da transitoriedade.

Queria fazer este registro, mas sem ter muita noção do que escrever primeiro... Se os fatos, ou as impressões subjetivas às quais eles estão sujeitos... Finalmente chegou o dia da mudança. Com chuva forte. Seria a Pedra Negra chorando a mágoa da minha partida? Um tanto pretensioso de minha parte crer em algo desta natureza. No fundo a Pedra Negra nem sabe quem sou. Destes seis anos, não deve ter ficado muito que não lembranças... Meu pai chegou sob a chuva, e uma sensação muito estranha se abateu sobre mim enquanto percorríamos o comércio em busca de uma peça de uma furadeira elétrica. Eu estava ensinando-lhe a localização dos lugares na cidade. Cidade da qual eu partiria cerca de três horas depois. Akyw chegou para dar tchau. Dona Teca saiu da janela, para não o dar. E após algumas paradas na estrada, a noite caiu e eu estava na casa dos meus pais. Sim, casa deles. Não é minha casa!
E no mesmo estado de torpor, como que anestesiado, com o qual eu havia deixado Itabuna, eu chegara em Valença. Lentamente fui descendo as caixas, cada uma com uma história, ou várias, trazendo-as ao (meu?) quarto onde estou hospedado. Cada objeto colocado num lugar me tirava um pouco o efeito da anestesia. Eu não tinha mais como escapar. Itabuna estava para trás...
Então aconteceu. Durante toda a semana, tentei me manter em pé... Mas olhei para este quarto de hóspedes e vi minhas roupas guardadas num guarda-roupa que não é o meu. Mas elas cabiam ali! Relutei muito para abrir o lacre de algumas caixas, mas cada fita adesiva arrancada trazia consigo um pedaço da certeza de que eu vim embora! E à hora de deitar, inevitavelmente, a tristeza que tentei afastar durante toda a semana, mostrou-se mais forte. Ela sentou ao meu lado e embalou meu sono. O sono que eu gostaria que não tivesse mais fim. A vontade de chorar era forte demais. Como ainda é neste exato momento!

"Ao olhar o retrato lembrei
Da minha casa que pra trás deixei
E os amigos que brinquei
Ali estava o muro que pulei
A árvore que tanto escalei
E o meu nome
Que pichei
Está tudo lá
Tudo lá do outro lado da montanha"

Hoje a chuva caiu com relâmpagos e trovões, e nem isso conseguiu me fazer bem. Durante o dia inteiro, o mesmo torpor invadiu o meu corpo, e ao acordar com meus livros, cd's e roupas arrumados neste território tão estranho, senti que os dias seriam longos e tristes. À noite tentei fazer algum exercício, na tentativa de distração, já que é impossível estudar. Não consegui.
Agora, preparo-me para dormir e poderia tentar enganar minha mente, lembrando que no dia 28 estarei de volta, por uma semana. Poderia lembrar que há bem pouco tempo eu passei quase três meses nesta cidadezinha intragável... Mas mesmo aquele tormentoso período, eu tinha uma certeza: minha casa ainda estava lá! Agora? No máximo, mais uma semana, que acabará muito rápido, e da qual voltarei ainda mais saudoso, carregando a fome e a sede de Tântalo.
Ainda não sei quando vou para Salvador, e pelas conversas entrecortadas que tive ontem, tudo parece estar correndo errado. Ou entendi mal, ou fui enganado. Tanto faz... Desde que o resultado seja o mesmo já previsto - o errado - então estará tudo em conformidade com o que deve ser. Criaturas do submundo...

"Olha só o que eu encontrei
A foto da menina que amei
Estava lindo no dia que namorei
Agora tanto tempo passou
Não sei dizer ao certo quem sou
Mas a memória da vida
Não apagou
Está tudo lá
Tudo lá do outro lado da montanha
E o que restou foi a saudade forte que ficou
Nada mudou
Foi o vento que em mim passou
Indo pra lá
Indo pra lá do outro lado da montanha"

(Cogumelo Plutão - Do outro lado da montanha)

O sono chega, o nó na garganta não sai, vou deitar, tentando manter meu rosto seco. Tentando acreditar que isso é temporário. Tentando. Esperando ter ouvido tudo errado ontem... Ciente de que vou sobreviver, mas desejando o contrário.

A Partida II

(originalmente publicado em)
Itabuna, sexta-feira, 10 de novembro de 2006

DEPOIMENTO DO ORKUT, POR MARCEL PIRES
"Vai, se você precisa ir..."
Não me peça para não ficar triste. Não me peça para não ficar com o coração apertado. Não, não é apenas uma partida qualquer, um breve adeus... As pessoas entram em nossas vidas de maneiras mais variadas possíveis... e permanecem fazendo parte de nossas vidas de outras maneiras mais variadas ainda. Nem sempre próximas fisicamente, mesmo morando na mesma cidade. Nem sempre compartilhando os mesmos mundos, as mesmas rotinas. Mas não deixam de fazer parte...
Ainda mais quando essas pessoas são tão parecidas que acabam parecendo diferentes. Ainda mais quando essas pessoas não conseguem realmente expor o que sentem uma pela outra quando há o desejo de expor. Por qual motivo? Timidez? Medo? Não sei, queria ter essa resposta, mas não a tenho.
"Vou ficar aqui, com um bom livro ou com a TV..."
Quanta ironia nos aproximou. Quanta felicidade sinto hoje por isso. E quanta tristeza me consome agora... tristeza tanta que até evitar te encontrar esta semana o fiz. Não foi por mal, entenda. Foi por defesa. Eu me conheço! Da mesma forma que preferia te dizer tudo isso que aqui está escrito pessoalmente. Mas não consigo!
E agora? Um ciclo se encerra para você. E por que não para mim e para àqueles que te cercam aqui? Mas por que não encarar isso como um início de um novo ciclo, e não como um fim? A tristeza fica, mas aos poucos ela dará lugar à esperança. As lágrimas caem, mas aos poucos elas secarão à espera do próximo reencontro, seja onde for.
"E quando você voltar
Tranque o portão
Feche as janelas
Apague a luz
e saiba que te amo...”
Vai filho... siga teus rumos. Busque tua felicidade. Não se corrompa nunca. Não deixe de ser essa pessoa 'insuportável' que és. Não deixe de ouvir nossas músicas compartilhadas. De ver nossos filmes compartilhados. Não deixe de sonhar. De gostar de gato. De correr com o 'discman' saltitante junto à bermuda. De comer soja e salada. De pintar o cabelo. De se embriagar com vinho. De ouvir 'Sigur Rós' quando estiver frio e solitário. De ler 'Wilde' e perceber não quão insignificantes somos, mas como grandiosos podemos ser. Não deixe de tentar ser feliz nunca.

Boa noite.

Chega a hora... O Medo bate à porta, pede licença, e chega! É inevitável. Mas não vem sozinho. Traz consigo a Melancolia, e a Ansiedade. Mas a porta ia ser fechada. Achei que as visitas estavam todas dentro de casa. Já ia preparar o assento e oferecer-lhes um chá...Mas não. Lá no cantinho estava ela, a Esperança. Tímida, recatada... Foi pedindo espaço devagar, sem querer aparecer muito. Com medo de não ser bem-vinda. Mas ela também entrou. Sentou. E por um instante todos os visitantes silenciaram, apenas olhando para mim... E eu estava sem saber a quem servir primeiro...
Nesta desordem, olhei as caixas à minha volta, e pensei na vida que estava guardada dentro delas. Experiências boas, e más. Tantos risos, e tantas lágrimas... Pareceu um filme, curto... Mas longo o bastante para eu pensar "Isso vai me fazer falta". De fato, sentirei falta de muita coisa. São seis anos, e não seis dias.
Mas por outro lado, o novo vem aí para dar a oportunidade de eu reconstruir algumas ruínas. Poder ter a chance de começar do zero. Usar os erros pretéritos e não repeti-los nas chances futuras, entregues de presente para uma nova vida.
E amanhã estarei olhando esta cidade que um dia foi meu lar. A saudade vai bater, e talvez a vontade de chorar seja grande. Mas o mundo tem muito mais a ser visto! E as visitas... Bom, irão comigo onde quer que eu esteja!

A Partida

(originalmente publicado em)
Itabuna, segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Eis que chega a hora temida... Olho à minha esquerda e vejo caixas empilhadas indicando que é hora... Não do adeus, mas do até logo. O que, de qualquer forma, não deixa de ser dolorido. Mas nada se pode fazer agora, exceto aceitar o meio inexorável para um fim desconhecido... Não estou triste. Não estou feliz. Estou, apenas... Mas logo, não estarei mais.
Boa viagem para mim, e para quem fica, desejo sucesso!
Amigos, amo todos vocês!!!!

14:30
05/11/2006:
Guca... O que posso dizer além de abraços não dados? Saudades vão perdurar no meu coração. E a saudade vem juntamente com aquela dor no peito de Ah eu perdi o meu amigo.
O Nav foi embora, você foi embora, e tudo parece que passa. A vida tem destas peças que eu não gosto de tomar, de repente tudo nos é tomado muito depressa.

14:50
05/11/2006:
Pára, diabo! Eu tinha prometido q eu não ia chorar!!!

14:58
05/11/2006:
E porque não chorar? Do que adianta criarmos uma persona, do forte, do frio, quando no fundo nos conhecemos o suficientemente bem, para saber que tanto eu como você... Somos a melhor parte do universo e a melhor parte do universo CHORA SIM!

15:00
05/11/2006:
O que vai ficar na memória? 01/12/2002? 22/02/2005? 27/08/2004/2005/2006 (2006 é a surra)
Utopia this is my utopia, this is my ideal my end is sight.
Cara.. Ainda bem que eu não tô em Itabuna e nem estive neste feriado também. Porque eu sei que eu choraria do inicio ao fim.
Me despedir do Nav foi uma das coisas mais aterrorizantes pelas quais eu passei, imagina só de você.

15:26
05/11/2006:
A memória humana não se mede em megabytes. Não somos uma agenda eletrônica, que grava datas e horários. As impressões subjetivas são as mais importantes, e não apenas uma dentre essas datas será lembrada, mas todas as outras e não só essas, como outras experiências cujas datas se perderam pelo caminho!
A saudade será inevitável, e temos que nos habituar com ela... Por mais doloroso que seja. Ademais, não estou indo para Marte, estarei a algumas horas de Itabuna. E numa cidade onde você sempre está! Poderemos nos rever outras vezes, amigo, e ao invés de revirarmos o Cemitério, podemos descobrir a vida!

15:27
05/11/2006:
Durante as últimas semanas escutei muito Metal Contra As Nuvens, e frisei bastante o trecho que dizia: "Por Deus, nunca me vi tão só (...) estes são dias desleais", mas agora eu vou tentar frisar o outro lado da mesma moeda, e pensar que "Nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar. E até lá, vamos viver. Temos muito ainda por fazer, não olhe pra trás. Apenas começamos. O mundo começa agora, apenas começamos".

Cemitério Maldito

(originalmente publicado em)
Itabuna, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Texto escrito no Word no dia 29 de outubro de 2006, às 02:14.

A madrugada corre quente, tanto quanto foi o dia, e após um pequeno momento de redenção, com muitos relâmpagos, trovões e sonhos confusos, o Cemitério Maldito abre suas portas. De lá saem todos os seres mais estranhos. Mas as grades já estavam abertas, apenas não se percebia que aqueles seres que dali surgiam eram os mortos-vivos. E de todas as partes eles surgem. Um inocente almoço pode se transformar num cenário aterrador, de acordo com os comensais. Uma troca de olhares que não produz quaisquer frutos. E no final fica apenas a sensação de "não era para ser".
A trilha sonora de uma sessão de exercícios num fim de tarde qualquer pode muito bem tocar ao bater a meia noite, e então na sua mente doentia, os zumbis sairão das suas covas, com os rostos encarquilhados e perguntando "por quê?" E ficará o choro vazio de quem perdeu o trem da vida, e acredita tê-lo tomado, quando o que ninguém sabe é que também é um zumbi... Apenas mais um! Dentre todos.
Bate a saudade. É inevitável. E o choro desta vez não se deve ao não saber, mas sim ao saber o que não se quer. E pior, a maldição de Cassandra ri, enquanto Cassandra pede piedade! "Por Deus, nunca me vi tão só!" Tolice. Encare o Cemitério, e veja que você também está sepultado ali! E sua cova não é uma ilha!
Eis que chega o final de semana. A Esperança acaba de virar a esquina. Pegou um atalho para poder escapar mais rápido... "Corra, lá vem a tristeza atirando pra todos os lados." E as decisões são duras, mas são. Decisões. Que divertida soa esta palavra quando o mar que a rodeia é o da inquietude. Os paradoxos sempre fascinam. Especialmente quando há mentiras envolvidas. Então um defunto tristonho levanta seu rosto, e pode-se ver que as pás de terra e cal não lhe desfiguraram tanto assim. Faltou apenas o abraço. O velho abraço que antes da Morte não se cogitava sequer passar despercebido. Era quente e terno. "Utopia, this is my utopia." Mas o que resta são apenas algumas palavras que já se cansaram de percorrer os mesmos caminhos, circulares...
E o que seria uma festa, acaba se tornando um laboratório de Dr. Frankenstein. E mais um cadáver ressurge. O Cemitério Maldito estava mesmo cheio. Desta vez não faltaram abraços. Eram tão acolhedores que, por momentos, não se percebia a superficialidade e fragilidade da casca sob a qual se escondem vermes que roeram toda a carne podre. Algumas promessas vazias, apenas para não se perder o hábito. E nem ecoam as notas tristes de Belle & Sebastian...
E então o dia de hoje se inicia, calmo, quente, mole. Onde foi parar o céu? O que é aquele manto azul que cobre todo o Cemitério? O que é aquele círculo amarelo, que irradia uma energia tão poderosa, capaz de causar câncer? Porque esta mesma energia não destrói a maldição do "não ter sido o que poderia"?
E os sonhos confusos, entrecortados por riscos, anunciam que mais um morto-vivo está chegando. E por instantes, o medo e o desejo juntam suas mãos, sorridentes por fazerem mais uma vítima. E este é o cadáver mais belo. Por algumas horas, poder-se-ia acreditar que era de cera. De carne! E carne quente, viva, pulsante. Mas a vida se esvai tão logo a fonte seca. E nas alamedas do Cemitério vê-se que aquele sorriso tão lindo, não passa de uma foto na lápide.
E a Solidão não pode ser maior. O abraço... Onde está? Sempre ele... Sempre faltando...
É estranho dissociar beijos e abraços. Eles deveriam estar juntos.
A lição é que não se deve mais abrir as sepulturas. Saudade dói, mas e daí? A falta que vai ficar... Um dia aprende-se a lidar com ela. Ou não.
Agradeço aos Mestres Lulu Santos e Heráclito de Éfeso, com quem aprendi que nada jamais voltará a ser como foi um dia... E peço a bênção aos Deuses Renato Russo, Ana Carolina e Alanis Morissette. Saudações a Stephen King, por me dar o espelho.
E não esqueçam jamais a lição. Jamais mesmo! Não abram as portas para estranhos, e nunca revirem as covas dos mortos queridos. Os mortos devem permanecer mortos. O trem da vida pode até frear, pode curvar e até mesmo bater. Mas jamais voltar atrás! Com a licença da banda, "get me away from here, I'm dying".

Banquete do Reencontro

Banquete do Reencontro

Içados copos, a Baco destinados!
Na távola, rodeando, comemora
o encontro, a dádiva... Resgatados
Momentos, lembranças de outrora...

Por cá estar, feliz, agora ri.
Oh! Quão doce é o pretérito saudoso...
Quase um decênio d'antes para aqui
Longos passos do Cronos majestoso

Ontem, jovens perseguiam sonhos
Rapazes e moças de olhos no futuro,
Com as almas ternas e o coração puro,
Traçam rumos, ora belos, ora medonhos

Algumas vezes fez-se a dor presente
E de prantos, fizeram-se olhos baços.
Noutras horas, o júbilo fremente
Traz alívio ao corpo, à alma, do cansaço.

Novos laços, atados a cada dia
Incapazes são, de suplantarem antigos
Como dos dele: Este Grupo de amigos
Que nesta távola, brindam à utopia.

Acredita por momentos no Eterno
O qual, em seu imo, sabe inexistente.
Todavia num desejo inconsciente
Faz promessas para o amanhã fraterno.

Homens e mulheres reunidos
À nostalgia entregues recordam
Quando, de inocência eram munidos
Bons tempos... São hoje, dela órfãos.

Entre risos e suspiros são narradas
Travessuras dos bons tempos de colégio
Saudade daquele tempo egrégio...
Lindas tardes e manhãs rememoradas!

Conquanto, reunido em nostalgia
Lembra o Grupo os nomes não presentes
Uns só vistos quando adolescentes
Cujo destino não se noticia.

Chegará o instante do adeus,
No qual da távola, afastam-se os amigos
Seguindo cada um o caminho seu,
Apenas a saudade irá consigo

E amanhã, talvez nos encontremos
Recordando então o hoje, que demarca
De egressos um encontro - dois extremos:
Pretérito e futuro em mesma barca.

Desfaz-se o Grupo, que agora espera
Novo encontro em menos de dez anos.
Cada qual, de modo leviano
Faz crer no seu amigo esta quimera.

Abracemo-nos, amigos, ternamente!
Pensemos no amanhã que vai chegar...
Partamos, com uma dúvida no ar:
Quando nos veremos novamente?

Gustavo Carneiro de Oliveira
Valença, 12.10.2006

Primavera

(originalmente publicado em)
Itabuna, quarta-feira, 4 de outubro de 2006

O cd do Henry Mancini tocando seus acordes sutis. Sobre o sofá à minha esquerda, alguns exemplares de sinopses jurídicas misturam-se com Camões e Montesquieu, o que me faz parecer um daqueles gênios que têm orgasmos múltiplos quando recitam um soneto do velho português, ou quando fazem discursos inflamados sobre política baseando-se em pensadores Iluministas, que viveram num contexto histórico bastante diferente do atual, e cujas idéias, muitas vezes sequer cabem no nosso contexto. A xícara de chá de hortelã à minha frente deixa a sensação de sofisticação tomar conta do ambiente. Como são as coisas! Ou como elas se parecem! Obviamente nada disso é verdadeiro! Noites quentes nunca têm glamour! Ademais, eu nunca soube de alguém que conseguisse ser requintado trajando apenas uma cueca boxer azul! Gosto de Camões, é verdade! E até conseguiria recitar dois ou três versos propositalmente decorados para ocasiões solenes, que solicitam um mínimo de pedantismo... Mas para ler Montesquieu nem sempre me sobra a disposição. Não é um livro tão difícil (e eu gosto de política), mas por ser extenso demais, a preguiça se instala antes que eu abra a capa. E então lembro da prova da OAB, do TRF, e do fiasco do TJ-BA. Então esqueço Montesquieu, esqueço Camões, e debruço-me sobre as sinopses. Tenho sentido novamente prazer em estudar! E isto tem deixado meus dias, sem dúvida, mais agradáveis. Parece longe aquele período tenebroso onde eu tinha medo de que alguém me apontasse o dedo na rua... "Olha lá! Não é o Beethoven? Ele estuda Direito, não é? Sim ele é estudante de Direito! E está quase concluindo!" Concluí, com muita luta, e uma imensa vontade de cair fora. E hoje, quando me perguntam "Mas o que é o tal fato do príncipe?" eu recordo que li isso no livro de Direito Administrativo e não tenho mais tanto receio de tentar explicar, mesmo que de forma superficial, ainda diferenciando-o do fato da administração, quando meses atrás eu tinha medo até de dizer o que era uma licitação! E em ano de eleição, sinto orgulho quando alguém me diz que não sabe porque cargas d'água existe um Senador, e eu posso explicar qual a função do Senador, e demonstrar que o Senador não é a mesma coisa que o Deputado Federal. Sim, estou novamente apaixonando-me pelo Direito Constitucional! E por um período eu pensei que nunca voltaria a usar as expressões "Direito" e "apaixonar-me" juntas novamente! Mas ainda me falta o emprego! E isso tem me consumido um pouco. A pressão por eu ter 26 anos, carregar o diploma de Bacharel, e ainda não estar ganhando dinheiro com isso, algumas vezes ainda me tira o sono, mas prefiro não pensar nisso agora. Estou com a consciência tranqüila de que tenho feito o meu melhor...
Mudando de assunto, consegui minha testemunha e hoje dei entrada no processo movido contra a Águia Branca, que cada dia voa mais baixo! E isso não é uma loa! Tudo anda normal demais... Depois do meu final de semana divertido, começo a achar que o mundo pode ser um lugar bom. E isso é assustador, pois sempre que começo a pensar alguma coisa, uma outra me ocorre para me fazer mudar de idéia... O chá deu um pouco de sono. E continuo com calor.
Sou obrigado a ligar o ventilador. Já sinto que o repórter do jornal não mentiu ao dizer que uns cientistas aí falaram que a La Niña traria a Primavera mais quente dos últimos 30 anos! Ainda bem que não nasci em 1976! Talvez o mês de outubro traga consigo as boas novas da Primavera. E por alguns meses, possivelmente eu terei sossego para restabelecer as forças perdidas nos últimos Invernos... Até que sobrevenha a próxima tempestade! Carpe noctem!

Soneto de Despedida

Soneto da Despedida

Se te esmaga o crânio a Pedra Negra
e nesta terra o que te prende é amargura.
Lembra aqueles que te querem com doçura.
Mas vai! Parte! Tua volta chega.

Sem temor, segue em frente. Vai aos teus!
Do tabaco, carrega a névoa contigo...
Aqui, esperar-te-ão os teus amigos –
família cuja escolha outorgou Deus.

E quando das tristezas passarem as águas,
a Pedra Negra, do teu chão, será a base!
Fronte erguida, pisarás o teu algoz.

Abraçando-te e sorrindo, todos nós
que ora, de adeus, deixamos frases,
contigo, não recordaremos mágoas.

Ao amigo Marcel, que parte com tristeza, mas a quem a vida assegurará a alegria do retorno.

Gustavo Carneiro de Oliveira
26.09.2006

Jus amoris

(originalmente publicado em)
Itabuna, segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Final de Inverno! A semana começa de forma singular... Tensa, solitária, mas não há tristeza... Sabe-se lá por que... Talvez seja a vacina, o costume com a lama que sempre nos espera. Ou vai ver estou me rendendo à pressão social para ser feliz!
Meus amigos choram saudades, e eu... Bem, eu penso no quão amargo tenho me tornado, com certo alívio por não ser mais um tolo, ingênuo, esperando sempre algo de bom das pessoas. E com medo de ressuscitar a Carolina, perdendo totalmente tolice e a ingenuidade, deixando de esperar sempre algo de bom das pessoas. E viva o paradoxo! Começo a sentir a naturalidade de receber diariamente más notícias, e de perceber que os lugares que amamos nem sempre nos recebem de braços abertos. Estudando Direito Constitucional, aprendi que a "nacionalidade" pode ser definida com base em dois critérios: jus sanguinis e jus soli. O jus soli vincula o indivíduo ao lugar onde nasceu, independentemente da nacionalidade dos seus pais. O jus sanguinis confere a nacionalidade ao indivíduo com base na nacionalidade dos seus pais, independentemente do local onde tenha nascido... Refletindo sobre isso, perguntei-me de onde viria a obrigatoriedade de amar um lugar, apenas por haver um lugar... Penso no orgulho q não sinto pelo meu país, e penso em como algumas pessoas são condenadas pelas demais, apenas por não se sentirem vinculadas ao chão de onde vieram... Penso naqueles que saem de suas cidades natais e não se identificam com o lugar onde chegam, e também nos que passam a vida inteira num ponto do planeta tristes, por pensarem que sempre se pode descobrir um lugar melhor. Então vejo que estou de volta! E me pergunto: "por que fiquei satisfeito?" Então concluo que mais forte que jus sanguinis ou o jus soli, é o jus amor, que eu acabei de criar, e que na minha tese, vincula-nos a um local com base nas relações que ali fazemos. Lamentavelmente o Ordenamento Jurídico Brasileiro não reconhece o jus amor como válido para conferir nacionalidade a ninguém...
Então penso que cheguei à cidade há alguns dias atrás, recebi telefonemas, fui cotado, minha presença foi solicitada... Foi bom sentir de novo que sou querido.
Os dias se seguem, a rotina volta... O Dia da Libertação acabou com uma tentativa de agressão. Foi assustador, mas no final deu tudo certo. Auto-afirmei minha coragem, e bem que estava precisando... Os resultados das provações nem sempre são como desejamos. 72 pontos! Isso é medíocre! Talvez mesmo abaixo disso! Frustração e medo dão as mãos e saem juntas passeando, rindo e falando alto, para marcarem sua presença!
E no fim, uma amiga de longe se despede com um abraço, depois de um final de semana sem sono, o que traz o conforto e a paz, ausentes até então.
E lá fora o céu continua nublado, e eu continuo pensando, sem conseguir chegar a lugar algum... Triste? Não. Decepcionado. Não mais. Ansioso? Meu estado permanente. Medo? Muito! O dia de hoje me assombrou tanto ontem. E amanhã? O hoje terá ficado pra trás... Boa noite, e carpe noctem!