Recrutadores
e proprietários de escritórios, desçam do Olimpo. Vocês precisam dos candidatos
tanto quanto os candidatos precisam da vaga. E nem sempre o seu estabelecimento
é o melhor lugar do mundo para trabalhar.
Dias atrás,
fechei uma porta. Provavelmente, fecharei outras tantas ao redigir este
texto-desabafo. Mas, é preciso mostrar que diversos recrutadores estão fazendo
algo de muito errado, para além da falta de retorno pós-entrevistas. Neste
aspecto, aliás, já coleciono uma quantidade enorme de "entraremos em
contato" sem que jamais venham a entrar. Incluindo grandes prestadores de
serviço de recrutamento especializado em contratação de advogados.
A oferta
era para advogado associado, uma maneira sutil para dizer que seus direitos
trabalhistas serão usurpados, inexistindo o vínculo empregatício mesmo quando o
patrão determinar exatamente como você deve trabalhar e exigir estrito
cumprimento de horários para chegada, mas sem hora para saída, muitas vezes
obrigando-o a se exceder sem que você receba hora extra para isto. Não haveria
muita liberdade criativa, já que o escritório trabalhava com teses prontas, por
determinação do próprio cliente. O salário, R$ 2.700,00, um pagamento
simbólico, bastante inferior ao piso da categoria, determinado pela OAB, mas
compatível com um mercado desvalorizado como o do Rio de Janeiro, não fazendo
muita diferença se você tem mais de dez anos de experiência, se é pós-graduado,
se tem mestrado, doutorado, bastando que você seja uma mão-de-obra barata. Sem
benefícios. Nem mesmo vale-transporte. Deste valor, eu teria que pagar meu
aluguel, meu transporte, minha comida, minhas despesas com saúde e ainda dar um
jeito de comprar ternos, gravatas e sapatos, para poder manter a indumentária
adequada à suposta dignidade da profissão, conceito que vem se perdendo com a
exploração que a advocacia vem sofrendo neste mercado maltratado.
A seleção
consistia numa prova com vinte questões discursivas. Isso mesmo, VINTE QUESTÕES
DISCURSIVAS! Além da análise de um caso concreto, para elaboração de um recurso
inominado. No total, cerca de sete horas de prova e algo entre 16 ou 17 laudas
escritas à mão. Quase uma sabatina do Senado Federal com o nome escolhido para
Ministro do STF. Nem a prova da OAB foi tão demorada e tão cansativa!
Cerca de
uma semana depois, o telefonema:
- Alô, falo
com Gustavo?
- Eu mesmo.
- Aqui é
Fulano. Falo do escritório tal. Estou com seu currículo em mãos e tenho
interesse em conversar contigo. Tem disponibilidade para participar da seleção?
- Oi, Fulano. Então...
eu já estou participando de um processo seletivo com vocês. Fiz uma prova
gigante semana passada. Estou sendo chamado para continuação deste processo, correto?
Vocês não perderam minha prova, perderam? Não depois do trabalho que ela me deu
e do tempo que levei.
- Não, não. Fica
tranquilo. Na verdade, é a continuação do processo. Sua prova está aqui comigo.
Desta vez, é apenas para conversar com a sua coordenadora, que irá te passar os
detalhes da vaga. Traga sua documentação, RG e CPF.
Agradeci o
contato e encerramos a chamada. Eu estava feliz, ao que tudo indicava, a vaga
era minha! Não me pediriam a documentação à toa. Não se referiria à pessoa que
me receberia como “a sua coordenadora” se não fosse para começar a trabalhar. A
vaga estava longe de ser a melhor vaga do mundo, mas era uma forma de
recolocação no mercado.
Na data e hora
agendados, cheguei ao escritório. Esperei mais de 40 minutos até ser atendido
pelo rapaz que havia me telefonado, que segurava um calhamaço de papel nas mãos.
“Minha coordenadora” não apareceu. Ele me conduziu a uma sala, pediu que me sentasse
à mesa e depositou a papelada à minha frente.
- Então, Gustavo,
aquela prova que você fez foi para o Setor de Prazos. A vaga que apareceu agora
é para o Setor de Defesas, então não aproveitaremos a sua prova. Essa aqui é outra
prova que você precisa fazer.
Fiquei atônito
por um momento. A cabeça estava doendo pela ansiedade. Não havia me preparado
para prova nenhuma, tinha compromisso para o final daquela tarde, e havia sido
expressamente informado de que não teria de fazer outra prova. Olhei o relógio,
que marcava 16h. Mentalmente calculei que se eu fosse levar mais sete horas,
sairia dali às 23h. Fiquei irritado. Muito irritado! Mesmo assim, fui cordial. Levantei-me,
agradeci pelo contato, ainda sorrindo, disse que não faria aquela prova. Sem alterar
minha voz, discursei em tom polido. Firme, mas polido:
- Fulano,
agradeço pelo seu interesse no meu currículo. Mas, não farei a prova. Estou com
a cabeça estourando de dor. E ainda tenho um compromisso daqui a pouco. Vim para
uma conversa agendada para às 15h, com minha suposta coordenadora, que sequer
me recebeu. Esperei cerca de 40 minutos para você me dizer agora que farei mais
uma prova. Sendo que de outra vez, levei um dia inteiro aqui, saí com a mão
doendo depois de redigir mais de quinze laudas. Até mesmo porque, pelo que vocês
me disseram, as petições que vocês fazem são modelos prontos, com teses
determinadas pelo cliente e fundamentações engessadas, não fazendo muita
diferença o meu conhecimento jurídico. Se com um recurso elaborado e mais vinte
questões discursivas respondidas em sete horas, vocês não conseguiram avaliar
meu conhecimento jurídico e minha habilidade para redigir, mesmo eu tendo doze
anos de carreira, uma pós-graduação completa e duas em curso, não será com
outra prova que irei me habilitar à vaga.
Fui questionado
se eu era pavio curto. Definitivamente, se meu pavio fosse curto, com a raiva
que senti diante daquele desrespeito, eu teria sido bem menos delicado e
educado. Precisava da vaga? Sim, precisava. Mas, tenho noção do meu próprio valor.
O suficiente para saber que recrutadores não são deuses e precisam ser limitados
quando ultrapassam o limite da exigência para um cargo.
O fato de haver
uma fila de pessoas desempregadas disputando uma vaga não confere salvo-conduto
para que recrutadores e donos de escritórios se sintam no direito de impor condições
arbitrárias e desrespeitosas às pessoas que querem concorrer a ela. Afinal, se
exigem que o advogado se porte em conformidade com a dignidade da profissão, na
forma prevista pelo Estatuto da Advocacia, devem ter me mente que o tratamento
a ser dado a este profissional também esteja de acordo com a mesma noção de
dignidade.