domingo, 28 de agosto de 2011

Sem Mim

Tenho grande dificuldade de compreender o alcance de apresentações de dança, mormente em se tratando de ballet contemporâneo, cuja falta da leveza característica do ballet clássico muitas vezes me frustra. Não sou conhecedor de dança, então não sei se minhas frustrações com ballet contemporâneo decorrem do fato de que a arte supostamente não precisa transmitir alguma mensagem ou se da minha expectativa de que toda apresentação precisa me dizer alguma coisa, a qual eu nunca consigo captar.

Depois de assistir aos espetáculos “Breu” e “21”, do Grupo Corpo, e “4 por 4” e “Cruel” da Cia Déborah Colker, comecei a perceber que sou motivado mais pelo desafio do equilíbrio e da força exigidos dos bailarinos do que pela percepção de que a apresentação, enquanto manifestação artística, deve estimular percepção, emoções e ideias.

Em “Cruel”, o pensamento recorrente que me assaltava durante a apresentação era o receio de que os bailarinos colidissem suas cabeças à grande mesa que era a base do cenário. Em “4 por 4”, a tensão na “coreografia dos vasos” pela sensação de que algum pé desatento derrubaria pelo menos uma meia dúzia deles, e assim por diante. Mas, nunca consegui responder ao questionamento basilar do futuro expectador: “sobre o que se trata?”

Assim, ontem fui ao Theatro Municipal mais uma vez dar a cara a tapa na tentativa de captar um mínimo de emoção que nunca consegui encontrar no ballet contemporâneo. Antes da atração inédita “Sem Mim”, o Grupo Corpo revisitou seu espetáculo “O Corpo”, com música de Arnaldo Antunes e coreografia de Rodrigo Pederneiras. Trata-se de algo bonito aos olhos, mas que, não sendo a devastadora música de Arnaldo Antunes, não me sugeriu qualquer relação direta do tema “corpo” com as coreografias ali apresentadas. O espetáculo se encerrou e em mim permaneceu a impressão de que a grande obra ali era a música, servindo a dança apenas como um pano de fundo enquanto a obra seria executada, impressão esta, aliás, que se manteve em “Sem Mim”.

O roteiro musical de “Sem Mim” é composto de uma série de cantigas medievais, datadas do século XIII, escritas pelo jogral galego Martín Codax, pertencentes ao conjunto de “cantigas do amigo”, caracterizado pelos diálogos das mulheres com as amigas, enquanto aguardavam o retorno dos seus amados que partiam em navios rumo à exploração marítima.

Concedendo a César o lhe pertence, é preciso fazer uma grande ovação ao cenário e à luz de Paulo Pederneiras, que fizeram prevalecer um visual onírico, como se durante todo o tempo o mar ali representado não fosse o mar real, mas um mar dentro dos sonhos do qual, a qualquer momento regressariam os marinheiros.

Da mesma forma, fazendo justiça, em dois momentos distintos, consegui “sentir”, assim mesmo, como verbo intransitivo. Consegui ser tocado de alguma forma que me despertou emoção no pas de deux emoldurado pela membrana que, embora durante quase todo o espetáculo aludisse à superfície do mar, no momento transmitiu mais a sensação da neblina que circunda os sonhos ou as lembranças, nos quais, de alguma forma o amor fez-se tangível, seja para o navegador na solidão das águas, seja para a esposa ansiosa na solidão da terra (será daí o título “Sem Mim”?). Outro momento de beleza singular foi o solo em proscênio, marcado por glissés e port de bras, espelhado ao fundo de maneira diáfana, evocando o reflexo de si mesmo sobre as ondas.

No entanto, ao longo das coreografias o que se viu foi uma cansativa repetição ondulatória marcada por rodopios que, não obstante tivessem sua beleza, não fizeram a justa correspondência à temática do espetáculo.

A verdade é que a música de Carlos Nuñez e José Miguel Wisnik, sobre as composições de Martín Codax foram a alma da apresentação, o que, considerando-se se tratar de uma espetáculo de dança, afigura-se um demérito o plano secundário dentro qual se limitaram as coreografias, o que pode frustrar o expectador que espera encontrar na dança algum significado maior do que a mera ondulação do mar.