terça-feira, 14 de junho de 2016

Administração do companheiro ou desapego

Em um debate sobre relações abertas e poliamor, deparei-me com um comentário em tom jocoso, que me pôs a pensar. Uma das pessoas presentes disse que pessoas envolvidas em relações coletivas devem ter um poder de administração que jamais terá; disse que administrar um parceiro já é difícil, mais difícil ainda será administrar dois.

Depois de abordar o assunto em duas discussões distintas num mesmo dia, com um intervalo de menos de cinco horas entre uma conversa e outra, pus-me a pensar a respeito e cheguei a algumas conclusões.

De fato, administrar um parceiro ou uma parceira é difícil. Porque "administrar" acaba se tornando sinônimo de "tomar conta de" ou "controlar". A ideia por trás de “administrar” está atrelada à noção de "tomar conta do que é meu", o que, por sua vez, está correlacionado à percepção do parceiro ou parceira como propriedade sua, como aquilo sobre o qual se deve ficar de olho para que outra pessoa não venha “tomar posse”.

Neste sentido, é possível dizer que “administração” de dois ou mais companheiros, companheiras, namorados, namoradas, ou o nome que se quiser dar, é bem mais fácil. Justamente porque a ideia de administração perde o significado de controle sobre alguém. Antes, adquire contornos de descentralização. As responsabilidades para com os respectivos parceiros passam a ser dividas com os demais.

Quando se desapega desta ideia de ter uma pessoa como sua propriedade, o ciúme passa a ser irrelevante, já que a noção de exclusividade se dilui. O ciúme é fruto da percepção do outro como algo que pertence alguém. Mas, além disto, vem também do pensamento arraigado em nossas cabeças – dentro dos padrões impostos pela sociedade – de que o outro deve ser exclusividade de um ou de uma somente. E isso traz em si um medo poderoso, reproduzido automaticamente por quem aceita, sem questionar, os padrões de relacionamentos tais como são empurrados goela abaixo.

O silogismo é inevitável se adotamos como premissa que seu parceiro ou parceira “deve pertencer” a apenas você e a mais ninguém. Ora, se ele, ou ela, se sentir atraído (a), interessado (a), afetivamente envolvido (a) por outra pessoa; e ainda, considerando-se que ele, ou ela, deve ser de um só – no caso, você – necessariamente, a situação implicará em uma escolha. Seu parceiro terá de escolher entre você e a outra pessoa. Este outro assume uma posição de ameaça. Uma sombra que representará a probabilidade de ruptura do laço que une vocês dois. Deverá necessariamente haver uma escolha e uma renúncia, já que a conciliação, nesta hipótese, não é uma alternativa. O outro passa a ser um substituto em potencial de você.

Se você aceita que seu parceiro é livre para ter múltiplas escolhas, que sua atração sexual e afetiva por outra pessoa não implica necessariamente na perda do interesse por você, não haverá, consequentemente, necessidade de fazer uma escolha. Você não verá o outro como um inimigo que poderá usurpar seu lugar. Porque o lugar que você ocupa é seu. E haverá outros lugares para que outras pessoas também ocupem. E todos poderão coexistir. O outro passa a ser irrelevante na relação que você mantém com a pessoa com quem você está. O outro não precisará mais ser um substituto de você, mas será um complemento de você. Será um acréscimo, não uma substituição.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

A Revolta de Atlas ou Quem é John Galt?

Sou simpatizante do pensamento esquerdista, de dar igualdade de oportunidades a todos e dividir dentre todos os resultados.

Mas, para não me perder na visão de um só lado, venho buscando, como em tudo que faço, conhecer o lado oposto. Assim, vou contrapondo paradoxos e formando minha opinião através de um processo dialético. E juro que tento ser o mais imparcial possível em minha análise.

Um amigo de direita me indicou a leitura do romance A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, escrito em 1957, que, segundo ele, mostraria a mim uma outra visão do Capitalismo e mudaria completamente minha percepção sobre os ideais socialistas.

Ainda não terminei a leitura da imensa obra de cerca de 2.000 páginas, mas, tendo ultrapassado a metade do livro, o que já não é pouca coisa numa leitura de tanto conteúdo, creio que posso me posicionar acerca da ideia ali trazida.

O obra mostra o declínio de um país solitário em que o Capitalismo agoniza em meio a um mundo dominado pelo Socialismo. Os heróis do enredo são os empresários de princípios éticos rígidos, que tentam a todo custo demonstrar que a produção de bens e serviços compartilhada entre pessoas não qualificadas gera escassez, acarretando, consequentemente, no colapso de toda a economia. Sem a produção das grandes empresas, a população sofre com desemprego, com a fome, com falta de bens essenciais. É, de fato, um cenário aterrador.

Enquanto lutam para ter o direito sobre suas empresas, o casal protagonista combate um Governo formado por homens hipócritas que tentam, de todas as formas, usurpar bens e serviços, supostamente em nome do bem público. Ao longo do romance, o leitor não consegue não torcer para o êxito de Dagny Taggart e Hank Rearden, que mostram com o trabalho, que o destino do país não está em um regime socialista imposto por uma oligarquia oportunista, que visa a se apossar do resultado da produção em detrimento do mercado e da população e com o sacrifício dos grandes empresários. Antes, mostram que a atividade econômica, se explorada por profissionais competentes, gera empregos e lança serviços e produtos no mercado, trazendo conforto a toda a população.

E aí, infelizmente, percebo que o livro sensacional de Ayn Rand ainda está longe de me convencer a mudar de ideia. Porque sua falha argumentativa é evidente ao tomar por premissa que os socialistas são, necessariamente, homens fracos e incapazes que, por nunca terem obtido sucesso e dinheiro em suas atividades comerciais, passam a perseguir aqueles que o obtêm. Da mesma forma, o livro mostra industriais e empresários honrados e de índole irrepreensível, que não exploram o homem, mas que pagam salários justos e acima de qualquer mercado, dando a cada empregado, condições ideais de exercer sua profissão.

Óbvio que o livro não se resume apenas a isto e traz diversos outros debates filosóficos paralelos, como o paralelismo entre individualismo e altruísmo, questionamentos acerca do amor próprio e dos sacrifícios pessoais, hedonismo, epicurismo, etc. É uma das bases da filosofia objetivista, com a qual até nutro alguma identificação.

A leitura é recomendadíssima! Claro que, abstendo-me da realidade e aceitando como contexto o cenário ali pintado, minha torcida será para que os heróis da estória derrubem aquele governo socialista e devolvam o equilíbrio ao mercado, voltando a produzir, voltando a gerar empregos e punindo aquelas pessoas que nunca produziram nada, mostrando que o futuro do país e do mundo está no Capitalismo.

Fora do contexto do romance, no entanto, ainda espero ser convencido de que a exploração do homem pelo homem e a centralização dos meios de produção em monopólios ou oligopólios seja mais útil à sociedade que a igualdade de oportunidades e equilíbrio das desigualdades sociais através de subsídios estatais.

O que vejo, no entanto, é que qualquer sistema econômico pode ser justo ou injusto enquanto a mudança de caráter não ocorrer dentro dos indivíduos que o compõem. E neste caso, não direcionaria minha predileção para o Socialismo ou para o Capitalismo. Mas, para a real valorização do ser humano, o que não sei se algum dia chegará a existir.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

O frio que faz aqui dentro

Faz frio lá fora. Não há música. Ao menos, não fora da minha cabeça. Cá dentro, uma melodia patética e pungente ressoa, mas eu não conseguiria cantarolar. Violino. Um solo. Talvez piano. Não importa. Qualquer instrumento de timbre melancólico.

Como tem acontecido com frequência preocupante, meu sono me deixou esquecido na cama. Faz frio aqui dentro. Não, não estou falando sobre meu quarto. Mais cá dentro. Bem mais. Mais frio também. Uma alma que não existe. Uma preguiça medonha de sorrir, de falar, de rir, de chorar, de existir. Sem música, claro.

No silêncio da madrugada, ganha maiores dimensões a tortura de não se ouvir os passos sorrateiros do sono, abrindo a porta lentamente e saindo para ganhar o mundo. Longe, lá bem longe. No frio que faz lá fora.

Meus pés gelados. Meus olhos não fecham. Aqui dentro, não diviso o espaço em que me insiro. Tudo é breu. Agora falo do meu quarto. Frio. Escuro. Silencioso. Como aqui dentro. Não, não meu quarto, meu imo.

O violino não vibra mais. Vai ver era piano. Agora tanto faz. Não há mais música. Se é que houve outrora. Na minha cabeça, talvez? Não há mais nada. Só silêncio. E o frio. Que termômetro algum jamais conseguirá registrar.