segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Politicamente correto ou infeliz?

Atualização do  post, em 21 de julho de 2017:

Antes de começar e a rever meus valores, desconstruindo uma mente relativamente fechada e disposto a me reciclar, comecei a observar o discurso politicamente correto e deparei-me, muitas vezes com um sentimento de exasperação que me fazia questionar, quase irritado, se seria mesmo necessário ficar o tempo todo medindo palavras e gestos, fiscalizando todo e qualquer discurso antes de proferi-lo, para não ferir olhos e ouvidos mais sensíveis.

Via como um problema do outro, e não meu, a forma como o outro se sentia ofendido com aquilo que eu dizia, e algumas vezes (muitas, na verdade), pasmem, endossei o discurso de que o mundo estava ficando chato com tanto mimimi.

Felizmente, como disse um dos meus poetas favoritos, "eu prefiro ser aquela metamorfose ambulante" e me pus a questionar meus próprios valores. Fui me educando a ver o mundo pelo olhar do outro e alimentando a empatia como um dos bens mais valiosos que alguém pode possuir.
Repensando as premissas sobre as quais se sustentavam meu raciocínio, pude desfazer muitas ideias equivocadas que eu trazia como válidas. E a partir daí, desconstruindo-me para me reformular, aos poucos fui adotando novas posturas. Inicialmente, sim, pensadas, fiscalizadas, policiadas. Mas, aos poucos, os pensamentos foram chegando e se instalando de forma natural, não planejada, não deliberada.

Já escrevi muita asneira em rede social! Já critiquei coisas, pessoas, circunstâncias, fatos e atos que hoje defendo. Já disse em blog que o mundo está chato e que vivemos uma "doença" de politicamente correto. Já reclamei do "mimimi" feminista, racista, gayzista. Já defendi ideias que hoje abomino.

Não ocultei postagens antigas, estão lá para quem tiver paciência e resolver buscá-las. Mas, percebi que hoje não sou mais o mesmo que as escreveu tempos atrás. Por isto mesmo, deixo-as aqui. Não apaguei este texto horrível. Para que eu possa vê-lo e lembrar de quem fui e a quem não pretendo mais voltar a ser.

***

João era tão pobre que era nordestino.
Maria era tão antipática que era paulista.
Justino era tão burro que era português.
Joana era tão safada que era carioca.
José era tão insignificante que era capixaba.
Mauro era tão corno que era goiano.
Antônia era tão preguiçosa que era baiana.
Marcos era tão gay que era gaúcho.
Francisco era tão caipira que era mineiro.
Toda mulher precisa de terapia. Ter a pia cheia de louça pra lavar.

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Você se irritou com alguma das frases acima? Uma pena! Então, você já se infectou com o “vírus do politicamente correto”, uma doença gravíssima, que afeta uma geração hipócrita, que perdeu o senso de humor e se revolta de forma absoluta quando alguém faz alguma piadinha étnica, machista, racista, etc.

O vírus do politicamente correto faz você perder o seu julgamento moral, de tal forma que você se consterna da maneira mais profunda quando vê uma mãe dando um tapinha corretivo no próprio filho, mas não se assusta quando põem fogo em mendigos nas ruas, agridem empregadas domésticas em pontos de ônibus, assassinam pequenos animais a pauladas...

Dias atrás eu estava vendo TV Pirata no Canal Viva. A esquete a que eu assistia mostrava um filho horrorizado que, em uns poucos instantes, descobriu diversos segredos sobre a mãe e o restante da família. Desesperado, ele perguntou à sua mãe o que mais faltava descobrir. Ela então levantou sua camisa e puxou de suas costas um zíper, como se estivesse abrindo sua pele, revelando sob a suposta pele clara uma camada negra e disse: "Você é de cor!" Após rir um bocado com aquele quadro nostálgico, pensei, não sem um pouco de tristeza, que uma anedota como aquela jamais seria permitida num veículo de comunicação de massa atualmente. Não, eu não sou racista! Não me solidarizo às ideologias de Hitler ou da Ku Klux Klan e fiquei profundamente abismado semanas atrás, com a circulação da notícia de que um garotinho etíope, de apenas seis anos, havia sido expulso de um restaurante em São Paulo, por ser negro e, por esta razão, confundido com um morador de rua! Mas, naquele momento, eu – com meus cabelos crespos de quem tem sangue negro nas veias – soube distinguir o humor ficcional e a realidade! E ri da piada, sem nenhum constrangimento por achar que eu estivesse agindo de forma discriminatória.

Bons tempos aqueles em que o senso de humor prescindia justificativas perante grupos inflamados, cheios de ódio, ávidos pela condenação ao massacre público. Quando Odete Roitman e mesmo a TV Pirata apareciam na televisão, mas você não era expulso da sala por pais cautelosos, preocupados com a sua formação e com a possibilidade de, num futuro não muito distante, tornar-se um maníaco violento e beligerante. Até mesmo porque, muito antes disso acontecer, você levaria uma boa surra de sua mãe e aprenderia a se comportar e a ser capaz de diferenciar a ficção da vida real. Você tirava boas notas e não obrigava os professores a passarem-no de ano mesmo se não tivesse aprendido o "bê-a-bá".

Eu mesmo já levei umas boas palmadas e correadas de minha mãe, mas hoje só tenho a lhe agradecer por, modéstia à parte, ter me transformado num homem correto e de caráter firme. Agora, isso é violência infantil! E quando as crianças na escola se xingam mutuamente, como todos da minha geração e das que me antecederam fizeram também (e nos casos muito, muito mais graves, ficávamos “de mal” por uma semana: era a punição máxima para esses delitos!), hoje em dia isso é bullying! O resultado desta exacerbação maniqueísta, em que o certo e o errado se contrapõem o tempo todo, sem que haja uma contextualização específica dentro da qual se pode definir um e outro, é a criação pessoas com a mentalidade deficiente, incapazes de raciocinarem de modo crítico, somente pensando de forma mecânica, automática, absolutizando toda e qualquer circunstância! Será este o admirável mundo novo que Aldous Huxley previu?

Dias atrás, lendo uma coluna do Artur Xexéo na qual ele fazia uma alusão ao “samba do crioulo doido”, de Sérgio Porto, fiquei estarrecido com a repercussão que a utilização da frase causou, pelo simples fato de terem sido mencionadas as palavras “crioulo” e “doido”. Nem sou assim grande admirador do Artur Xexéo, mas não pude deixar de compartilhar sua estupefação ante a celeuma provocada pela conotação pejorativa que “crioulo” e “doido” possuem! Foi tão execrado que, para satisfazer os politicamente corretos, o samba do crioulo doido foi transformado no “Samba do Afrodescendente com Sérias Deficiências Culturais e de Aprendizado Devido à sua Condição Social Decorrente da Marginalização que o Povo de sua Raça Sofreu Desde o Advento da Escravidão no Brasil”. Será que o ilustríssimo Castro Alves pensou que algum dia sua “legião de homens negros como a noite, horrendos a dançar” teria que se perder para sempre, porque dizer que o negro é horrendo consiste em racismo de mais alto grau?

Tenho algumas amigas que tiveram bebês recentemente e eu mesmo ganhei um sobrinho, há pouco mais de três anos. Apesar do meu distanciamento e da minha total falta de jeito com crianças, sou obrigado a concordar que essa gurizada é bastante linda, fofa e outros adjetivos típicos, utilizados quando o sujeito que os recebe tem pouco menos de cinco anos de idade... Mas, confesso, tenho andado com medo de elogiar a novíssima geração! Em meus piores pesadelos até me imagino sendo arrastado, algemado apenas por ter dito a alguma das minhas amigas-novas-mães que o seu filho era uma coisa gostosa! Pedofilia é crime e, claro, "coisa gostosa" revela seu apetite sexual animalesco e quase incontido!

Honestamente, ando de saco bastante cheio deste discurso vazio de quem se prega dono da verdade e se preocupa demasiadamente em substituir a palavra “favela” por “comunidade”, mas não move uma palha para modificar a realidade sofrida do desafortunado que ali vive. Que realidade é esta na qual as palavras ganham vida própria e são dotadas de um peso que as torna mais ou menos valiosas que uma sinônima? Ou pior, porque palavras devem ser substituídas por outras que sequer guardam consigo qualquer tipo de sinonímia, se a ideia que se quer expressar com uma não pode ser traduzida pela outra? Então o certo e o errado têm por limite apenas a externação deste ou daquele pensamento? Não, para mim não dá! Gosto da riqueza vocabular e da utilização de termo chulo para descrever a ideia chula. Gosto de piadas depreciativas, que são engraçadas justamente por serem depreciativas. Gosto de quem compreende a permissividade às piadas depreciativas exatamente porque tem visão ampla, e sabe que cada coisa tem seu lugar. De gente que é feliz sem culpa, porque distingue a anedota e a tragédia, fazendo uso constante da primeira no esforço de se evitar a segunda. É por tudo isso que rio da minha própria insignificância, por ter nascido naquele lugar perdido e desconhecido, o Espírito Santo; da minha pobreza de nordestino e da minha preguiça de baiano, já que vivi dezessete, dos meus 31 anos, na Bahia; da minha safadeza, por ter adotado o Rio de Janeiro como meu lugar do coração. E claro, da minha viadagem, porque, apesar de não ser do Rio Grande do Sul, alimento o sonho de um dia conhecer as Serras Gaúchas!