quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O Discurso do Empoderamento Como Mecanismo de Controle

Outro dia, vi uma postagem acerca da comum associação da desistência com o fracasso, que a maioria das pessoas faz com base no senso comum. “Se você desistiu, você fracassou”“desistir é para os fracos” e outras bobagens do tipo.  A postagem, bastante sensata, trazia a ideia de que desistir é necessário em muitos casos para preservação da sanidade mental, já que muitas vezes a gente desiste daquilo que nos faz mal. Só pude concordar.

Esse discurso de demonização do enfraquecimento está diretamente relacionado à estruturação do poder. Os que dominam impõem sacrifícios aos dominados. Estes, por sua vez, se sucumbirem, obstarão os interesses daqueles. Aquele que diz não ao que lhe causa sofrimento passa a ser visto como o desistente, como aquele que não aguentou, o fraco. A dominação lhe causa sofrimento. Logo, o desistente, ao abrir mão daquilo que lhe causa sofrimento em razão das imposições perpetradas pelos dominantes, paralisam as atividades que os sustentam.

Por isso esse papo de "não desista, isso é para os fracos". Leia-se: "você não é fraco, continue se matando de trabalhar para alimentar meus privilégios". Tá ali, de mão dada com essa noção de romantizar o sofrimento. Vemos aos milhões no LinkedIn esse tipo de bobagem disfarçada de incentivo, em mensagens do tipo "o sucesso chega pra quem não dorme, não come, se esforça, a quem PARA DE RECLAMAR E PARA DE SE VITIMIZAR E VAI À LUTA". Muito conveniente.

No âmbito corporativo, o pensamento hegemônico, pelo menos na cidade do Rio de Janeiro, ainda é aquele que cria animosidade entre empregados, conferindo a uns as prerrogativas de capitão do mato, isto é, mantendo sobre estes a mesma opressão, mas fazendo-o acreditar que é melhor que o outro por lhe atribuir mais responsabilidades, incluindo o exercício do poder de vigilância. O pior é que esse discurso do falso empoderamento tem um poder gigantesco! “VOCÊ PODE! VOCÊ É CAPAZ! CONTINUE SE FERRANDO SEM PIEDADE E ENCHENDO MEU BOLSO DE DINHEIRO ENQUANTO EU TE FAÇO CRER QUE VOCÊ É IMPORTANTE!”

Trabalhei em um escritório que era craque nisso, criando essas disputas e afastando as pessoas umas das outras. Nada melhor para o opressor que criar separação entre os oprimidos. Empregados unidos representam uma ameaça. "Olhem o exemplo do Fulano. Mora no Inferno de Dentro, leva dezessete horas de ônibus para chegar aqui e outras dezessete para voltar pra casa. Por causa disso, vou delegar a ele um número maior de atividades porque SABEMOS QUE ELE É CAPAZ! Com isto, ele irá fiscalizar as atividades do restante da equipe.” Enquanto profere essas palavras, o pensamento percorre a cabeça do empregador: “Porque assim eu não preciso pagar um salário maior a um supervisor”.

Não compre essa ideia. Você é apenas mais um explorado no meio de tantos outros. Seu inimigo não é seu colega de trabalho que recebe o mesmo salário que você e a quem você foi designado para vigiar. Seu inimigo é quem lucra com base no seu esforço e não pensará duas vezes antes de cortar você do quadro de funcionários da empresa se lhe afigurar conveniente.