sábado, 30 de abril de 2022

Saia justa alimenta o capital?

Teve gente falando em "gafe". Jornais reportaram a notícia sempre recheadas de termos adversativos, como "apesar", "embora", referindo-se ao fato como algo negativo, uma "saia justa", um "constrangimento", um "climão".

No Baile Vogue 2022, realizado nesta sexta, dia 29, no Copacabana Palace, duas participantes, a ex-BBB Natália Deodato e a cantora Pepita foram vestindo roupa idêntica, um vestido de uma grife mineira. Bem humoradas, as duas contornaram a situação com piadas. Mas, diante do fato de duas pessoas usarem um vestido igual ter virado notícia de um acontecimento quase trágico, ponho-me a pensar sobre valores. E nem me refiro ao preço da peça, que considero escandaloso, de R$ 1.800,00. Falo sobre a importância concedida à ideia de exclusividade em nossa sociedade, tornando-se um valor a ser almejado.

Qual o constrangimento de ver alguém com traje igual ao seu num evento, senão o de que sua roupa deveria ser somente sua? Qual é valor afrontado quando alguém copia seu look, senão a sua noção de que aquele visual deveria ser exclusivo seu?

Vaidade anda de mãos dadas com a exclusividade. Vivemos a noção de exclusividade em uma infinidade de lugares. Almejamos não sermos apenas amizades, mas queremos ser "o melhor amigo". Queremos ser "a filha favorita", "o parceiro sexual e afetivo". Se até nossos amores precisam ser exclusivos, por que nossas roupas não seriam?

Essa valoração da ideia de exclusividade me soa corolário das subjetividades moldadas pelo capitalismo, especialmente pelo neoliberalismo. O capital confere poder a quem tem uma posição de superioridade sobre os demais, e por isso eu poderia supor que vislumbramos ser especiais porque somos condicionados a entender que a especialidade, a exclusividade, a posição de destaque, nos confere poder.

A mim não faz sentido a noção de especialidade ou exclusividade como um valor em si mesmo. Adepto do pensamento de que todos deveríamos ser tratados com Igualdade de direitos e deveres, em uma sociedade que teria abolido o poder (e talvez por isso mesmo uma utopia), eu não buscaria, no mundo que almejo, ser objeto de adoração de ninguém. Ser posto num lugar de exclusividade e especialidade não me agradaria.

A vaidade que alimenta a famigerada indústria da moda cria a ideia de que é uma gafe, uma saia justa, uma vergonha, um climão, duas pessoas com um mesmo vestido se encontrarem num evento. Essa vaidade se contrapõe ao suposto desejo que essas mesmas pessoas manifestam, e qua quase sempre vem sob a forma de um dado: "somos todos iguais". Somos mesmo? Ou apenas deveríamos ser, mas não estamos nem perto disso?

Não tenho pretensão de afirmar nada, mas apenas de lançar o questionamento. Não é hora de problematizarmos o desejo pela exclusividade? Talvez seja hora de questionarmos se a busca pela exclusividade não reflete a ideia fomentada pelo neoliberalismo, de que somos todos concorrentes uns dos outros, postos como indivíduos, sem vínculos sociais uns com os outros, e que, em razão disso, não nos juntamos para modificar os rumos da nossa sociedade.