quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A militância de cada dia nos dai hoje

 — Guto, vc já tem candidato a Vereador? — perguntou a chefe ao seu empregado.

Já sabendo porque a pergunta havia sido feita e se fazendo de sonso,  respondeu:

— Candidato ainda não, mas normalmente voto no partido. Devo votar no PSOL. — e fazendo a Sonsiane, completou — Mas, por que a pergunta?

— Nada não. É que, se não tivesse, eu ia te falar de um amigo nosso daqui da empresa, que está se candidatando... Em cima da mesa tem o cartão dele, se quiser dar uma olhada...

— Vou ver... Qual o partido dele? — já pegando o cartão — PATRIOTAS?! Ihhh, rola não! DE JEITO NENHUM!!! "Pela pátria e pelos valores conservadores cristãos", chefe?! Tô fora.

— Eu confesso que não conheço partidos assim a fundo, e acabo votando pela afinidade com o candidato...

— Você e o Brasil praticamente todo. Já fui assim também. Isso é alienação política. A gente vota por afinidades? Ok, mas que tipo de afinidades? É primo, é tio, é amigo... Mas, e as afinidades políticas? Patriotas é um partido da base de apoio de Bolsonaro. É um partido da política neoliberal, privatista e entreguista. O nome do candidato é "Professor", ainda por cima?! Olha como as pessoas são incoerentes...

— Ele é professor universitário...

— De universidade pública ou privada? — perguntou, tomando o máximo de cuidado com seu tom para não parecer agressivo — chefe, você sabe o que é o neoliberalismo econômico? É o tratamento que faz da educação uma mercadoria e defende fechamento de universidade pública e privatização, para que estude apenas quem possa pagar. Não dá pra dar meu voto a isso. O Patriotas tem uma de suas bandeiras principais o armamento do cidadão, como justificativa de defender a segurança. Uma obrigação que é do Estado, da qual o Estado se omite e delega ao cidadão que se proteja sozinho. Quem pode se armar? Quem tem dinheiro. E que não tem, faz o que? Vive na miséria e resvala para o crime. Para que? Para o Estado se omitir na educação e na saúde, cada vez menos presentes na esfera pública e cada vez mais privatizada, e permitir que aquele "cidadão de bem" armado exerça sua autotutela e atire num cara que é vítima da ausência do Estado. Não posso colaborar com essa política. O neoliberalismo promove desmonte de hospital público alegando sucateamento da saúde, e depois faz lobby para planos de saúde privados. Quem pode pagar por saúde paga. Quem não pode? Morre, esquecido pelo poder público... Por isso que eu voto na esquerda...

— PT?!

— Não. Foi-se o tempo que o PT representava a esquerda raiz. PT se vendeu com o Lula, virou Centrão. Tem a Benedita aí, que talvez leve meu voto, mas de forma geral, sou PSOLista. Não voto no PCB porque não tem candidato. Mas, definitivamente o Patriotas não é uma opção.

Silêncio.

— Acho que o café está pronto — disse o empregado, saindo da sala, deixando no ar aquele silêncio que coexiste com reflexões.