sexta-feira, 19 de maio de 2023

Quem não vai, quem não vem

"Poderia alguém aqui pagar-me um passe?"
— Bradara a maltrapilha na catraca —
"Posto que padece minha irmã
De mal que assola um corpo desnutrido.
Carecemos de chegar ao nosocômio,
Parcos são nossos recursos, todavia."

— Prossegue em tristonha ladainha —
"Não nos dá passagem livre o condutor,
Não tendes vós destas mendigas piedade?"


Se algum dia tu escutares tais lamúrias,
Não hesites, bota a mão na algibeira.
Roda a roleta e assegura a tais pedintes
Que possam ir, como voltar possam também.

"Mas, não há neste trajeto um sanatório!"
— Dizes tu apercebendo-te do engodo.

Não te exaltes, camarada, olha em volta.
Quis o destino que estas duas pobres almas
Encarnassem cá também pobres de corpo.
Negara-lhes a sociedade vida digna.
Pensa agora, se até Deus lhes vira as costas,
Que podem ambas esperar do bicho homem?
Não é justo que lhes peça honestidade
Quando ambas só mazelas receberam
Em sua completa existência miserável.
Ademais, ir e vir são dois direitos
Que a ninguém deveria ser negado.

Gustavo Carneiro de Oliveira.
Rio, 20 de maio de 2023.