quinta-feira, 4 de junho de 2020

Por que não somos 70% se queremos combater o fascismo?

A tentativa de formação de uma frente única contra o fascismo bolsonarista é composta por segmentos da esquerda aliados a setores do centro e da direita, que têm uma proposta conciliatória que transcendem as ideologias partidárias.

Em cenários de insatisfação popular, capazes de mobilizar grandes massas, a proposta de conciliação de classes acontece quando, na tentativa de amenizar os ânimos inflamados, as classes dominantes – sem abrirem mão do posto que ocupam na hierarquia social – oferecem melhorias e propõem arrefecimento dos movimentos revolucionários. É o que testemunhamos, por exemplo, quando classes trabalhadoras decidem parar suas atividades enquanto não tiverem suas demandas atendidas, e os patrões oferecem pequenos reajustes de salário e prometem melhores condições de trabalho. Com isto, enfraquecem os movimentos revolucionários e minimizam as possibilidades de novas greves.

Quando parte da massa revolucionária se sente atendida com as migalhas ofertadas pelas elites dominantes, os movimentos revolucionários perdem a coesão e, consequentemente, enfraquecem por sua própria fragmentação. Organizar novamente estes grupos fragmentados se torna uma tarefa difícil.

O enfraquecimento dos levantes populares cria um cenário simulado de paz e harmonia. Afinal, grupos que estavam habituados a não terem nada, passam a se contentar por adquirir um pouco mais.

No entanto, a conciliação de classes, por ter impedido a ruptura do sistema de exploração, mantém as relações anteriormente constituídas com a mesma estrutura, apenas levemente melhoradas. Com isto, por terem enfraquecido os movimentos revolucionários e criado as condições que dificultam sua reorganização, as classes dominantes criam o cenário para o endurecimento do sistema de exploração.

Com a retorno de políticas de austeridade, retirada de direitos e exclusão das políticas sociais, vão-se criando novamente cenários de insatisfação popular por parte de quem sofre as consequências destes desmandos propiciados pelas elites. Com as grandes mobilizações enfraquecidas por uma suposta conciliação de classes, cujos interesses se opõem e, portanto, não são conciliáveis, cria-se o cenário perfeito para a instauração do fascismo.

Isto porque aquele "cala-boca" dado pelas elites às massas populares insatisfeitas, até então organizadas e dispostas a causarem uma ruptura no sistema através de uma revolução, depois de algum tempo se mostra insuficiente. Com os movimentos revolucionários enfraquecidos e a volta do sentimento de insatisfação individual, as pessoas isoladas ou os pequenos grupos passam a ter menos força de combate. Enquanto isto, por outro lado, o poder politico das elites dominantes representadas pelo Estado, ganham força, criando um regime autoritário que somente cresce por causa do desmantelamento daqueles movimentos revolucionários.

Assim, temos um Estado armado, voltado aos interesses das elites, ignorando os anseios populares das classes menos favorecidas, disposto a usar a força para coibir movimentações esparsas e enfraquecidas pela conciliação de classes.

A formação de uma frente única composta por segmentos da direita, vinculada aos interesses do empresariado, donos de capital financeiro, patrões e a burguesia, composta principalmente por pessoas brancas e heterossexuais, e da esquerda, voltada aos interesses dos trabalhadores assalariados, à criação e manutenção de diretos sociais, bem como pautada pelo respeito e igualdade das minorias étnicas, propõe exatamente uma tentativa de conciliação de classes.

Quando patrões e empregados se unem para a defesa de um interesse supostamente comum, na verdade o que está acontecendo é a união numérica de pessoas para que sejam mantidas as condições de uma "normalidade" que sempre se pairaram na exploração dos segundos pelos primeiros. Porque não existe interesse comum quando há patrões e empregados disputando espaço na sociedade.

Criar uma frente única contra o fascismo é devolver à sociedade um cenário simulado de paz e tranquilidade para que as coisas voltem a ser como eram antes do cenário caótico que se formou exatamente pelo mesmo motivo que agora se pretende utilizar para combatê-lo: a conciliação de classes de interesses antagônicos e irreconciliáveis.

Se, para você, que agora está lendo este texto, o cenário anterior ao autoritarismo praticado pelo Governo Bolsonaro era de paz e tranquilidade, então talvez seja hora de rever seus privilégios e lembrar que entre os anos de 1997 e 2017 assassinatos de pessoas negras aumentaram 429% enquanto, no mesmo período, o aumento de assassinato de pessoas brancas foi de 102%. Paz e tranquilidade para quem?

Não deve haver pacto com a direita golpista que criou o cenário que agora nos rodeia. É preciso haver união entre as esquerdas para derrubar não somente o fascismo bolsonarista, mas também todo o sistema capitalista que o criou.