sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A polêmica das biografias não autorizadas

Confesso que minha opinião não está completamente formada sobre o assunto, mas, a despeito de toda antipatia que nutro pela figura da Paula Lavigne, tenho uma tendência a achar a proposta do Procure Saber, de lutar contra a ADIN que pugna pela inconstitucionalidade do artigo 20 do Código Civil, uma grande baboseira.

Mas, repito, nem eu estou plenamente convencido disto e acho que uma postagem no blog, um debate no Facebook, ou um mero tweet com seus 144 caracteres, são espaços limitados demais para expor todos os fatores, nuances e filigranas envolvidos...

Quando lidamos com direitos constitucionais é preciso haver ponderação sempre, especialmente pelo fato de que muitos deles são conflitantes entre si. É o que acontece com a liberdade de expressão e a reparação do ofendido. Ou o direito do autor e o direito de imagem, etc.

Vivemos num país supostamente democrático e, na tentativa de extirpar de uma vez os abusos da famigerada Ditadura, a Constituição previu muita, muita, mas muita liberdade mesmo. E isto foi sensacional! Dizer o que se pensa, como, quando e onde se quer dizer é uma utopia sem precedentes.

O problema disto é que quem fala o que quer pode ser penalizado como não quer. E aí é que começa a brincadeira!

Por um lado, o Direito nos possibilita a reparação do ofendido. Então, tudo bem, podemos falar qualquer coisa por aí que, se o sujeito de quem se falou não gostar, a gente pode reparar a posteriori, e está tudo resolvido. A questão é que um dano moral pode nunca mais ser desfeito. Uma reparação pode funcionar sempre como um "cala a boca", mas não passa de uma forma de minimizar o caso. "Toma aqui, você nunca mais terá sua honra de volta e seu nome será manchado para sempre, então, aceite aqui estes milhares de reais e fique quietinho".

Por outro lado, porém, dentro das liberdades que a Constituição nos trouxe, é clara demais que a censura prévia estará proibida. Tá lá no artigo 5º IX, e no art. 220, § 2º, procure saber (ah, eu não resisti ao trocadilho infame!). E aí, qualquer tentativa de coibir uma publicação do que quer que seja sob o pretexto de que aquilo não atende o interesse público e de aquilo viola a privacidade e de que aquilo viola a honra, etc, etc, etc, é censura sim!

Mas, o conteúdo ofensivo viola a imagem do indivíduo e o direito de imagem do indivíduo também é assegurado constitucionalmente. Xeque. E agora? Bem, o Direito Administrativo, o Direito Civil, o Direito Penal, há muito tempo já preveem que os interesses sociais estarão sempre acima dos interesses privados. Isso nada mais é que o reflexo da nossa Constituição. Xeque-mate.

Se nosso direito prevê a liberdade de expressão, a vedação à censura e a possibilidade de reparação posterior, minha opinião é a de que a movimentação do Procure Saber para coibir as biografias não autorizadas é uma grande bobagem que, sob a máscara de proteção da honra do biografado, corrobora com a formação de uma sociedade com cada vez menos senso crítico.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Bom dia. Uma moeda valiosa.

Bom dia não é dinheiro. Dê sem avareza.

As recepcionistas do prédio onde trabalho são rigorosamente instruídas para nunca, jamais, sob qualquer hipótese, nem mesmo sob tortura, responderem "bom dia" quando cumprimentadas. Acho que é motivo para dispensa por justa causa se o fizerem.

Que a Economia preconiza cortes de gastos desnecessários no ambiente de trabalho, não é novidade. Funcionários que desperdiçam insumos podem ser advertidos, suspensos e até despedidos. A novidade é pensar que "bom dia" também entra nesta categoria. Posso até vislumbrar o patrão passando sabão nas pobres subalternas: "Vocês estão pensando o quê? Que meu dinheiro é capim?! Onde já se viu, distribuir bom dia assim, para qualquer um que entrar no prédio?!"

Algumas vezes, de acordo com o nível de estupidez  do interlocutor, até ficamos receosos de soltarmos um sorridente "bom dia" e recebermos em troca um daqueles chavões de grosseria, como "se for bom, amanhã eu te digo" ou "não há de nada de bom neste dia". Honestamente, eu preferiria receber qualquer uma destas respostas. Seria uma prova de que as atendentes estão vivas. Por vezes, penso que estou diante de esculturas de cera do Madame Tussauds, até que me dou conta de que as estátuas costumam ser mais expressivas.

Sabe aquele insuportável sistema, tipo Captcha, que - a pretexto de impedir spam e evitar automatização nas buscas virtuais - só serve para confundir nossos olhos com hieróglifos ilegíveis e atrapalhar nossa vida corrida de eterna procura por Conhecimento e Sabedoria (também conhecido como Google)? Pois é, frequentemente penso que deveria ser desenvolvida uma ferramenta similar aqui no prédio, algo que comprovasse que as recepcionistas não são robôs. Quase sempre penso em dar um soco no balcão da recepção e gritar "Bom dia! Se você é humana, repita comigo: J - h - 2 - B - x - Z - 3 - 5."

Já pensei que o Setor de RH do condomínio talvez tivesse participado de programa inclusivo para contratação de estrangeiros fugitivos de algum regime ditatorial, que não falam língua portuguesa, ou quem sabe, no fomento à contratação de portadores de necessidades especiais: garotas mudas e sem movimento facial. Descartei a ideia no dia em que adentrei o saguão do edifício em velocidade hábil o suficiente para ver todas interagindo entre si, sorridentes e felizes, enquanto comentavam - em um sonoro português - algum fato que desaprovavam na conduta de uma terceira que não se encontrava ali para se defender das acusações desabonadoras. Naquele momento, respirei aliviado por constatar que não estava diante de zumbis devoradoras de cérebro, estátuas de cera ou surdas-mudas cubanas, dei um sorriso e disse "bom dia". Fez-se um silêncio imediato, o ar se tornou abafado - reza a lenda que alguns pombos caíram mortos no pátio externo do prédio -, olhares confusos foram trocados entre elas que, sem saberem como reagir, limitaram-se a permanecer caladas. Não eram zumbis, não eram mudas, não eram estrangeiras. Eram apenas mal educadas.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Mate um professor de fome.

Molequinho esperto aquele tal de Dudu! Quando mais novo, era viciado num joguinho, desses de tabuleiro, em que o jogador atira um dado e avança casinhas, seguindo seus comandos de acordo com a sorte. A estratégia do jogo era simples: havia uns vilões que deveriam ser combatidos e uns heróis que os derrotavam. Cada jogador era um mocinho, que, no manual do joguinho, tinha o nome de “político do PMDB”. Os vilões eram os terríveis “professores”, aqueles monstros do mal que viviam como escória e traziam uma maldição chamada “baixo salário”. Eram manipulados de acordo com o lance dado pelo jogador.

“Mate um professor de fome” era o sucesso da garotada! Todos com seu dadinho pronto, lançado ao ar rumo à casa final do tabuleiro: a Prefeitura do Rio. Não fora o Dudu quem inventara o jogo, claro. Tratava-se de uma brincadeira tradicionalíssima, arraigada no folclore brasileiro desde priscas eras... Mas, o Dudu, ah, o Dudu era imbatível! Ganhava todas!

Lançava o dado e ia contando. Um... dois... três... “Você chegou ao dia 15 do mês e não tem dinheiro para pagar seu aluguel. Volte uma casa”. Outro lance. Um... dois... três... quatro... cinco... “Você aprovou aquele aluno que vivia cabulando aula e que, no dia da prova, xingou a sua mãe. Parabéns! Avance sete casas”. Assim, prosseguia o joguinho, lance após lance, dado após dado, com avanços e retrocessos, comando atrás de comando. “Você fez greve, mas não recebeu o aumento que merecia. Volte duas casas”; “Você ganha o mesmo que um policial, mas ele tem direito de te jogar bomba de gás lacrimogênio e spray de pimenta. Fiquei duas rodadas sem jogar.”. E assim ia até chegar à penúltima casa, que dizia: “Você trabalhou a vida inteira educando um bando de bicho selvagem que nunca fez nada por você. Agora se aposentou e continua ganhando uma miséria. Não resistiu ao tempo e morreu, sua jogada se encerra aqui. O político que te guiou até aqui é o vencedor! Parabéns! Avance uma casa e seja o Prefeito do Rio!”

Fim do jogo.

O tempo passou, os jogos de tabuleiros saíram de moda, mas Dudu continuava com seu espírito lúdico! Outrora campeão em “Mate um professor de fome”, agora era mestre em um joguinho eletrônico que anda fazendo tanto sucesso quanto aquele: “Mate um carioca de vergonha”.