domingo, 21 de dezembro de 2014

Cadê o conforto nessa zona?

Então, eu devo sair da zona de conforto? Que zona de conforto?! Ao longo da fase universitária, não foram poucas as vezes em que vi o armário da cozinha ficar vazio junto com minhas panelas. Até cozinhar miojo na vela já tive que cozinhar para não ficar com fome. Pegar ônibus lotado para ir e voltar para a faculdade. Arriscava-me em caronas quando o passe do busão acabava antes do dinheiro chegar, se não quisesse perder as aulas. Tive de fazer das tripas coração para conseguir pagar um aluguel num muquifo qualquer, onde sempre faltava água nas torneiras e sobrava nas goteiras do telhado, o que me obrigava a mudar de casa praticamente uma vez por mês.
 
A verdade é que quero encontrar essa tal zona de conforto de que todo mundo fala. Uma vez formado, tive de enfrentar um mercado de trabalho desumano, engolindo sapos de chefes incompetentes e estúpidas, ganhando salários ínfimos, que nem de longe compensam o esforço de aguentar uns anos de universidade. Direito trabalhista? Uma utopia! E ai de você se uma outra empresa souber que você brigou por seus direitos na justiça. Sua chance de fazer parte do quadro de funcionário de lá cai a zero.
 
Até hoje tenho pesadelos por não realizar o sonho da casa da própria. Carro então, nem pensar! A luta continua em ônibus, trens e metrôs lotados. E aquela tão sonhada viagem internacional? Pensando em praticar crimes políticos para ser exilado e ter a chance de conhecer algum país lá fora. Ah, que droga! Esqueci que aqui temos democracia... Aliás, para viajar, só mesmo fechando os olhos e puxando um baseado. Não, eu não puxo! Peguei você! Não gosto do cheiro. E cá pra nós, você acha mesmo que sobra alguma moeda no fim do mês para alimentar o tráfico?!
 
Conta de luz recebeu aumento. Água está acabando no mundo. O aquecimento global só piora! Aqui no Rio o aquecimento chegou há anos! Longe de ser confortável, aliás. IPTU, IR, IPVA, combustível... Epa! Olhando por este lado, ainda bem que não tenho carro.
 
Não bastasse tudo isto, o sertanejo universitário dominou o mercado musical! Não, não quero sair de zona de conforto alguma! Sair da zona de conforto o cacete! Quero é encontrar a minha! Porque até hoje achei o conforto nessa zona!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Surica - Linda Cachorrinha para Adoção!

 
 
Surica tem idade estimada entre três e quatro meses, aparentemente terá pequeno ou médio porte. É dócil, agitada, gosta de brincar muito com outros cães ou com pessoas. Precisa de um lar em que tenha pessoas com energia para gastar com ela.

***
 
Depois de um dia animadíssimo em Madureira, com direito a roda de samba na Feira das Yabás e passeio pelo Parque Madureira, descemos do ônibus aqui na Piedade e encontramos essa simpática filhotinha brincando com uma pedestre. Pulava, abanava o rabinho, caía, pulava de novo, batia a cara no chão e se sacudia toda, completamente desajeitada. Não resisti e me abaixei para fazer um carinho nela, que veio toda serelepe me seguindo, pulando, mordendo minha mão, querendo brincar. Quando olhei em volta, em busca da mulher com quem ela brincava antes, não a vi mais.

A cachorrinha estava sozinha na rua, numa tarde de chuva iminente. Foi quando avistamos duas outras senhoras na porta de uma casa.


- Esta cachorrinha é de vocês?
- Não.
- Não é de algum vizinho?
- Não. É da rua. Apareceu por aqui hoje cedo, está andando para lá e para cá, parece perdida.

Tarde demais! Filhotinha, linda, alegre, seguindo-me pela minha rua, quase na porta de casa...

- Tem certeza que não é de nenhum vizinho aqui do lado ou de alguém que vocês conheçam?
- Não. Não é de ninguém daqui. Acho que alguém a abandonou por aqui, sei lá... Ela está por aqui, pulando em cima de todo mundo que passa.

Ok. O que me restava fazer? Ignorar e passar o resto do dia deprimido, pensando em mais um animalzinho abandonado. Ou arriscar e trazê-la para dentro de casa, pelo menos para um banho e uma refeição? Fiquei com a segunda alternativa.



No embalo da tarde em Madureira, depois de ver integrantes da Velha Guarda da Portela, com a Tia Surica tirando fotos e distribuindo simpatia para todo mundo que chegava, nem tive dúvidas. Agora, a Surica está aqui aguardando um lar!

Linda, carinhosa, brincalhona, muito agitada. Quem quer levar esta linda mocinha para casa? Se não puder adotar, ajude, compartilhando este álbum! Vamos conseguir um lar para a Surica! Obrigado!

Interessados, entrem em contato:

carneirodeoliveira@hotmail.com
(21) 98803-2185
(21) 98256-0741



 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Terapia

Sim, eu tenho minhas manias, minhas loucuras, minhas neuroses... Tenho mania de organização, não exatamente de limpeza, o que não significa que eu não seja asseado. Gosto das coisas limpas também. Porém, até tolero, desde que por pouco tempo, uma estante empoeirada com maior facilidade com que suporto uma estante com livros fora do lugar onde os coloco.

Talvez eu até precise de tratamento, de terapia para superar minha mania de catalogar, ordenar por cor, por data, por ordem alfabética... Porque realmente, apenas para dar um exemplo, um livro deixado fora do lugar onde o coloquei me atinge os nervos com a mesma violência com que dois aviões se chocam no ar.

Até penso em fazer terapia, pois não sou do tipo de pessoa que nega as próprias sandices. Acho que já passei da fase da negação. Hoje, reconheço o tamanho da minha anormalidade.

Mas, sempre que penso em encontrar um analista, pergunto-me se seria mesmo coerente enfrentar durante meses, anos, talvez décadas, um desgastante processo de autoconhecimento, que poderá, inclusive, me revelar coisas das quais eu nem gostaria de tomar ciência; penso em todo o dinheiro e todo o tempo que não tenho e que eu precisaria despender para ter horas intermináveis de sessões de terapia, para conseguir lidar com a frustração de ter um livro fora do lugar na prateleira.

Penso nessas coisas todas e me questiono se tudo isto será mesmo necessário, quando é muito mais fácil, rápido, prático e eficiente devolver a porra do livro ao mesmo lugar de onde foi tirado.

Quem não comeu não come mais. Mas, quem deu é vagabunda.

Tenho visto circular no Facebook uma notícia sobre uma noiva que recebeu o pedido de divórcio no mesmo dia em que havia casado. O motivo teria sido uma camisa usada pela recém-esposa numa despedida de solteira, com a frase "Quem comeu comeu, quem não comeu não come mais". O noivo teria ficado irritado com a gracinha e decidiu se separar.

Se a notícia é verdadeira ou falsa, não consegui averiguar. Acho que é mentira, mas neste caso, não faz diferença. Não é este o cerne da questão que trago ao debate. O que me deixou mesmo impressionado foi a quantidade de comentários oriundos do Tribunal Facebookiano da Moral e dos Bons Costumes, criticando a atitude da noiva. "Bem feito! Mulher vagabunda se trata assim!", "Que mulher idiota, perdeu o noivo, agora vai ter que arranjar quem coma de novo", "Otária, se fudeu" (sic). E o mais surpreendente: muitos comentários deste nível provenientes de outras mulheres.

Por mais habituado que esteja com o pior do ser humano, ainda continuo me estarrecendo com o nível de imbecilidade existente nas redes sociais e fora delas. Então uma mulher que se dispõe, em tom jocoso, a assumir uma suposta vida sexual ativa preexistente ao noivado ("quem comeu comeu") - frise-se, à qual pretende dar fim após o compromisso ("quem não comeu, não come mais") - pode ser taxada de vagabunda por isto?

Já acho pouco compreensível que um noivo sem senso de humor tenha se sentido humilhado, afrontado, desonrado pela vida pregressa da esposa e tenha decidido pôr fim ao enlace. Qualquer homem com um resquício de normalidade se sentiria, no mínimo, honrado pelo fato de uma pessoa, por sua causa, estar disposta a abrir mão de uma vida pelo menos mais agitada em nome de um relacionamento monogâmico. Não entrarei no mérito da suposta diversidade de experiências sexuais que a mulher estaria deixando para trás e na quantidade de diversão que ela estaria largando por causa desse homem.

Mas, pior que isto, causa-me mesmo espanto - e um tanto assim de ira! - que homens e mulheres alheios à relação do efêmero casal não pensem duas vezes antes de apontarem o Dedo da Justiça Inexorável na cara de uma mulher que apenas teria admitido que viveu o que muitos outros viveram e vivem em suas vidas de solteiros (um minuto de silêncio para quem não aproveita bem sua solteirice). Mulher vagabunda? Vagabunda?! Por ter feito uso do seu corpo para seu próprio prazer? Por ter admitido que o fez e que estaria pronta para deixar de lado esta vida em prol de seu casamento?

Que vivemos numa sociedade machista, não é novidade. Não que seja aceitável, mas ao menos é lógico e coerente que, nos moldes de uma sociedade machista como a nossa, homens se manifestem em defesa da "honra do ofendido", em detrimento da autonomia da mulher "ofensora", cujo delito teria sido apenas a busca pelo prazer sexual. Mas, ver que outras mulheres compartilham o mesmo pensamento, taxando-a de "puta", "piranha" e outros nomes derivados de sua conduta sexual é, mais que irritante, triste. Triste por nos fazer constatar o quão mal condicionadas foram estas mulheres que, sequer reconhecendo expressamente uma inexistente supremacia masculina, decidem pela inferioridade da condição feminina. Em vez de aplaudirem a atitude desta noiva, julgam-na como merecedora do suposto castigo que o noivo lhe infligiu ao pedir o divórcio no mesmo dia do casamento.

Fica apenas uma pergunta: se os papeis se invertessem e, em vez da esposa fosse o marido utilizando uma camisa com a frase "quem me deu deu, quem não me deu, não me dá mais", qual seria a repercussão desta história?

Que esta recém-divorciada seja muito feliz em sua vida sem a presença deste homem antiquado. Que o divórcio seja a abertura de um portal para uma vida mais libertadora. E para as outras, essas que a julgaram uma vagabunda: que suas vidinhas continuem medíocres como são, sem suas experimentações em busca do prazer que seus corpos podem lhes dar.

segunda-feira, 3 de março de 2014

A Fábula do Zé Ninguém



Era uma vez o Zé. O Zé trabalha numa firma, a Empresa Com Amplo Desequilíbrio. O Zé ganha quinhentos dinheiros. O Zé trabalha com João. João ganha mil dinheiros. João faz o mesmo trabalho que o Zé. O Zé está na Empresa Com Amplo Desequilíbrio há mais tempo que João. João já foi contratado para ganhar mais que o Zé.

João mora perto da Empresa Com Amplo Desequilíbrio. O Zé mora longe. O Zé não pode pagar um imóvel perto da Empresa Com Amplo Desequilíbrio. O Zé é obrigado a passar horas no transporte público, enfrentando aperto, calor e engarrafamento. O Zé é obrigado a acordar mais cedo que João para chegar à Empresa com Amplo Desequilíbrio. O Zé chega à casa mais tarde que João.


O Zé decidiu morar perto da Empresa Com Amplo Desequilíbrio. O Zé precisou comprometer metade do seu salário para pagar um imóvel perto da Empresa Com Amplo Desequilíbrio. O Zé decidiu passar o mês com menos dinheiro para isto. O Zé sabe que, esforçando-se e apertando seu orçamento, pode pagar o imóvel perto da Empresa Com Amplo Desequilíbrio.


O Zé pediu à Empresa Com Amplo Desequilíbrio para igualar seu salário ao de João. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio diz que o Zé se faz de vítima. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio diz que está passando por dificuldades financeiras e não pode equiparar o salário de Zé ao de João. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio pede que o Zé compreenda. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio já tem despesas demais terceirizando serviços ao custo de milhões de dinheiros. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio paga pelos mesmos serviços que Zé e João fazem a custos bem menores. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio reduz as despesas economizando no palito de fósforo e no pagamento do Zé. O Zé precisa compreender as necessidades da Empresa Com Amplo Desequilíbrio.


O Zé não contava que a imobiliária exigiria um ganho mínimo de mil dinheiros para lhe alugar o imóvel onde o Zé gostaria de morar. O Zé sabe que pode pagar o imóvel, mas a imobiliária não aceita. O Zé continua morando longe, acordando cedo, saindo cedo de casa, chegando tarde à casa e dormindo tarde, para chegar no horário à Empresa Com Amplo Desequilíbrio. O Zé continua sendo tratado de forma desigual. O Zé continua achando que não se faz de vítima. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio continua pagando milhões de dinheiros por serviços que o Zé poderia fazer junto com João. O Zé continua achando que pedir o cumprimento da lei não é pedir demais. A Empresa Com Amplo Desequilíbrio tem certeza de que pagar menos a um empregado que a outro - ambos exercendo a mesma atividade - não gera uma desigualdade de condições que deva ser levada a sério.