domingo, 14 de abril de 2019

Recrutadores e proprietários de escritórios, desçam do Olimpo!


Recrutadores e proprietários de escritórios, desçam do Olimpo. Vocês precisam dos candidatos tanto quanto os candidatos precisam da vaga. E nem sempre o seu estabelecimento é o melhor lugar do mundo para trabalhar.

Dias atrás, fechei uma porta. Provavelmente, fecharei outras tantas ao redigir este texto-desabafo. Mas, é preciso mostrar que diversos recrutadores estão fazendo algo de muito errado, para além da falta de retorno pós-entrevistas. Neste aspecto, aliás, já coleciono uma quantidade enorme de "entraremos em contato" sem que jamais venham a entrar. Incluindo grandes prestadores de serviço de recrutamento especializado em contratação de advogados.

A oferta era para advogado associado, uma maneira sutil para dizer que seus direitos trabalhistas serão usurpados, inexistindo o vínculo empregatício mesmo quando o patrão determinar exatamente como você deve trabalhar e exigir estrito cumprimento de horários para chegada, mas sem hora para saída, muitas vezes obrigando-o a se exceder sem que você receba hora extra para isto. Não haveria muita liberdade criativa, já que o escritório trabalhava com teses prontas, por determinação do próprio cliente. O salário, R$ 2.700,00, um pagamento simbólico, bastante inferior ao piso da categoria, determinado pela OAB, mas compatível com um mercado desvalorizado como o do Rio de Janeiro, não fazendo muita diferença se você tem mais de dez anos de experiência, se é pós-graduado, se tem mestrado, doutorado, bastando que você seja uma mão-de-obra barata. Sem benefícios. Nem mesmo vale-transporte. Deste valor, eu teria que pagar meu aluguel, meu transporte, minha comida, minhas despesas com saúde e ainda dar um jeito de comprar ternos, gravatas e sapatos, para poder manter a indumentária adequada à suposta dignidade da profissão, conceito que vem se perdendo com a exploração que a advocacia vem sofrendo neste mercado maltratado.

A seleção consistia numa prova com vinte questões discursivas. Isso mesmo, VINTE QUESTÕES DISCURSIVAS! Além da análise de um caso concreto, para elaboração de um recurso inominado. No total, cerca de sete horas de prova e algo entre 16 ou 17 laudas escritas à mão. Quase uma sabatina do Senado Federal com o nome escolhido para Ministro do STF. Nem a prova da OAB foi tão demorada e tão cansativa!

Cerca de uma semana depois, o telefonema:

- Alô, falo com Gustavo?
- Eu mesmo.
- Aqui é Fulano. Falo do escritório tal. Estou com seu currículo em mãos e tenho interesse em conversar contigo. Tem disponibilidade para participar da seleção?
- Oi, Fulano. Então... eu já estou participando de um processo seletivo com vocês. Fiz uma prova gigante semana passada. Estou sendo chamado para continuação deste processo, correto? Vocês não perderam minha prova, perderam? Não depois do trabalho que ela me deu e do tempo que levei.
- Não, não. Fica tranquilo. Na verdade, é a continuação do processo. Sua prova está aqui comigo. Desta vez, é apenas para conversar com a sua coordenadora, que irá te passar os detalhes da vaga. Traga sua documentação, RG e CPF.

Agradeci o contato e encerramos a chamada. Eu estava feliz, ao que tudo indicava, a vaga era minha! Não me pediriam a documentação à toa. Não se referiria à pessoa que me receberia como “a sua coordenadora” se não fosse para começar a trabalhar. A vaga estava longe de ser a melhor vaga do mundo, mas era uma forma de recolocação no mercado.

Na data e hora agendados, cheguei ao escritório. Esperei mais de 40 minutos até ser atendido pelo rapaz que havia me telefonado, que segurava um calhamaço de papel nas mãos. “Minha coordenadora” não apareceu. Ele me conduziu a uma sala, pediu que me sentasse à mesa e depositou a papelada à minha frente.

- Então, Gustavo, aquela prova que você fez foi para o Setor de Prazos. A vaga que apareceu agora é para o Setor de Defesas, então não aproveitaremos a sua prova. Essa aqui é outra prova que você precisa fazer.

Fiquei atônito por um momento. A cabeça estava doendo pela ansiedade. Não havia me preparado para prova nenhuma, tinha compromisso para o final daquela tarde, e havia sido expressamente informado de que não teria de fazer outra prova. Olhei o relógio, que marcava 16h. Mentalmente calculei que se eu fosse levar mais sete horas, sairia dali às 23h. Fiquei irritado. Muito irritado! Mesmo assim, fui cordial. Levantei-me, agradeci pelo contato, ainda sorrindo, disse que não faria aquela prova. Sem alterar minha voz, discursei em tom polido. Firme, mas polido:

- Fulano, agradeço pelo seu interesse no meu currículo. Mas, não farei a prova. Estou com a cabeça estourando de dor. E ainda tenho um compromisso daqui a pouco. Vim para uma conversa agendada para às 15h, com minha suposta coordenadora, que sequer me recebeu. Esperei cerca de 40 minutos para você me dizer agora que farei mais uma prova. Sendo que de outra vez, levei um dia inteiro aqui, saí com a mão doendo depois de redigir mais de quinze laudas. Até mesmo porque, pelo que vocês me disseram, as petições que vocês fazem são modelos prontos, com teses determinadas pelo cliente e fundamentações engessadas, não fazendo muita diferença o meu conhecimento jurídico. Se com um recurso elaborado e mais vinte questões discursivas respondidas em sete horas, vocês não conseguiram avaliar meu conhecimento jurídico e minha habilidade para redigir, mesmo eu tendo doze anos de carreira, uma pós-graduação completa e duas em curso, não será com outra prova que irei me habilitar à vaga.

Fui questionado se eu era pavio curto. Definitivamente, se meu pavio fosse curto, com a raiva que senti diante daquele desrespeito, eu teria sido bem menos delicado e educado. Precisava da vaga? Sim, precisava. Mas, tenho noção do meu próprio valor. O suficiente para saber que recrutadores não são deuses e precisam ser limitados quando ultrapassam o limite da exigência para um cargo.

O fato de haver uma fila de pessoas desempregadas disputando uma vaga não confere salvo-conduto para que recrutadores e donos de escritórios se sintam no direito de impor condições arbitrárias e desrespeitosas às pessoas que querem concorrer a ela. Afinal, se exigem que o advogado se porte em conformidade com a dignidade da profissão, na forma prevista pelo Estatuto da Advocacia, devem ter me mente que o tratamento a ser dado a este profissional também esteja de acordo com a mesma noção de dignidade.

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