terça-feira, 2 de abril de 2019

Defendendo bandido?

Quando era novinho, sonhava em entrar no curso de direito e ser penalista. Queria um trabalho de grande nobreza, como seria fazer parte da acusação de bandidos e colocar todos na cadeia. Não entendia como alguém "defendia bandidos" e tinha uma visão realmente limitada quanto a isto. Eu seria da acusação. Sempre! Queria acabar com as injustiças no mundo e, olha como é fácil, bastaria limitar a atuação dos criminosos, encarcerando-os, e estaria cumprindo meu papel de transformar a sociedade, tornando-a justa, fazendo do mundo um lugar melhor para se viver.

Quis o destino que eu tivesse um péssimo professor de direito penal e passasse a odiar a matéria. Durante o curso universitário, quase reprovei em Penal III, e passei no limite em Penal IV. Tinha certeza de que havia me equivocado na minha escolha e sabia que jamais atuaria com direito penal na minha vida. Lidar com direito penal real, fora da glamourosa imagem que os filmes hollywoodianos e as novelas das 21h me mostravam era uma tarefa inglória.

Quis também o destino que eu me interessasse pelas áreas correlatas ao direito, como filosofia, psicologia e sociologia. Passados muitos anos daquela minha noção equivocada de que iria fazer justiça colocando bandido na cadeia e estudando algumas matérias sem o compromisso de "passar na prova", mas apenas por curiosidade e interesse, eis que eu me descobri novamente apaixonado pelo direito penal. Mas, com uma visão bem menos limitada que a dos meus 12 anos, passei a rever minha própria noção do conceito de "delinquente".

Pensar em justiça meramente como a aplicação da lei e a exclusão pelo encarceramento do indivíduo delinquente porque praticou atos que violam o equilíbrio social é ignorar que a norma visa à manutenção da sociedade que lhe precede e não o contrário. A lei, em seu aspecto mais formal, aqui conceituada como o produto oriundo da atividade do poder legislativo, não determina a organização social. Antes, é a organização social que impõe a criação de leis que traduzam os anseios de uma sociedade.

Falar, então, em justiça me parece um descalabro quando a limito à mera aplicação da lei, sem pensar na realidade social que a precede. Assim, antes de pensar em encarceramento de bandidos como ato de justiça e manutenção da sociedade em seu perfeito equilíbrio, primeiro eu devo me questionar sobre o que repousa essa ideia de "perfeito equilíbrio".

Equilíbrio para quem? Para quem tem acesso à educação e à saúde, tem estudo, emprego e renda é fácil perceber o mundo ao seu redor como um lugar equilibrado, a ser mantido. E para quem não tem as mesmas condições? Essas pessoas encontram equilíbrio na organização social e sua estratificação?

Quando comecei a compreender melhor que a sociedade se estendia para além do meu mundinho de classe média e que, enquanto eu podia usufruir de boas condições de vida, havia muito mais gente que não tinha as mesmas oportunidades, comecei a rever a minha própria ideia de que fazer justiça seja "colocar bandido na cadeia". Comecei a entender que "defender bandido" é muito mais justificável do que parece quando me dei conta de que existe um desequilíbrio social que precede a normatização pela atuação legislativa. Desta forma, manter a suposta organização social através da aplicação das normas postas pelo Estado é manter uma sociedade estratificada e desequilibrada, atendendo a interesses de uma oligarquia, enquanto maior parte de quem compõe esta mesma sociedade padece.

Hoje, vendo-me novamente encantado com o direito penal "de verdade", aquele que eu conheci depois de estudá-lo e que nada tinha a ver com minha visão romântica alimentada no cinema e na TV, posso dizer que a visão que eu tinha antes do ingresso na universidade está realmente transformada.

Se antes eu acreditava que fazer justiça era colocar na cadeia quem delinquiu, hoje eu buscaria justificar seu ato e não mediria esforços para defender aquilo que nossa sociedade injusta decidiu conceituar como bandido. O excluído social que rouba está praticando redistribuição de renda.

Com isto, deixo aos estudantes e profissionais do direito uma dica importante: em vez de se ocuparem em decorar lei, estudem filosofia, estudem sociologia, estudem antropologia, estudem psicologia. E aprendam que o direito deverá ser um instrumento para um fim maior, regulação da sociedade. E não queremos uma sociedade desequilibrada e injusta como a que já temos, queremos?

A lei estará à sua disposição para consulta quando você precisar trabalhar sobre ela. A destinação do seu trabalho não. Se você pretende trabalhar para transformar o mundo ao seu redor, é necessário que você o conheça e entenda como ele se construiu. Do contrário você será apenas mais uma engrenagem girando para manter o "equilíbrio" de uma sociedade que precisa fazer malabarismos para se sustentar.

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