quinta-feira, 22 de abril de 2010

O gato

(originalmente publicado em)
Itabuna, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

Escrito na madrugada de 19.02.2004

Boa noite.

As cordas do Albinoni se encerram e dão lugar à viola entristecida de algum sofredor que não se identificou, mas deixou ao mundo a maravilha "Jeux Interdita - Romance", uma música perfeita, melancólica, e que condiz bem com o que estou sentindo... Hoje estou, de fato, triste. Saí de casa às 20:00, para ir ver meu amor, estava até alegre, mas ver um filhote de gato ser atropelado e ficar agonizando, debatendo-se e sangrando foi uma cena chocante demais para mim... Naquele momento, senti toda a injustiça do, e senti a ausência de alguém que pudesse intervir para evitar isso. Um deus, talvez? Deveria haver um, de plantão. Fiquei estarrecido ao ver o gato dar três passos e cair, umas quatro ou cinco vezes, até encostar-se a um canto da parede e ficar lá, sangrando, até, sabe-se lá que horas, antes de morrer. Fiquei imaginando a dor que ele estaria sentindo, e senti-me impotente, por não poder dar fim àquilo. Tentei não pensar muito nisso, e segui meu caminho.
Tentei me distrair, mas volta e meia acabava pensando no gato. Num dado momento começamos um papo nada a ver, falamos de mim, e fiquei triste. Senti-me, de repente, tão vazio, tão pequeno... Nada de novo debaixo do sol, isso acontece com freqüência, mas sempre que acontece parece ser a primeira vez, e sempre fico amargo... Pensei em mim, pensei na minha vida maravilhosa, na minha faculdade, no meu trabalho, no meu namoro, e constatei que não há nada de errado comigo. Mas senti-me triste! Quis chorar. Tive medo de voltar para casa e ficar só. Não pude evitar! Agora estou só! Apenas o violino de Bach testemunha minha solidão. Sinto saudades, sinto pena de mim, sinto pena do filhote de gato...
Estou revoltado! Quem quiser me achar ridículo, por se tratar apenas de um filhote de gato, esteja à vontade. Afinal, era, realmente apenas um filhote de gato. Mais nada! Uma criatura sem nenhuma importância, numa ruela esquecida na saída de Itabuna. O que me faz imaginar o que estará ocorrendo neste momento em outras ruas desta cidade adormecida... Quantos filhotes de gato estão agonizando? E na Bahia inteira, quantos gatos, cães, cavalos sofrem? Ainda sou ridículo por pensar nestes bichos estúpidos? Serei mais egoísta. Quantas pessoas estarão na mesma situação em todo o mundo? Onde está a justiça divina para dar fim ao sofrimento de toda essa gente? Se não, de todo mundo, pelo menos das várias pessoas que vi dormindo na rua, enquanto voltava para casa... escrevi um poema há um tempo atrás, quando estava extremamente revoltado, quando queria ser tragado pelo chão. Não fui, e aproveitei que estava vivo e escrevi. É o preferido da Luana. Chama-se "Blasfêmias". Estou hoje como estava no momento em que o escrevi. Só preciso entender o porquê! Termino ao som do Beethoven, em seu "Für Elise", preparo-me para dormir, e, talvez sonhar com um mundo melhor. Quem sabe se eu não acordo mais feliz? A noite estrelada velará meu sono. Até mais.

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