sexta-feira, 23 de abril de 2010

Pais X Filhos

(originalmente publicado em)
Valença, 09 de dezembro de 2006

Valença, 06 de dezembro de 2006, 23:28.

O dia pesa. E as notas da Marcha Fúnebre de Chopin são intermináveis. E penso distante, a memória vagueia por alguns anos atrás, quando o calouro do curso de Direito ouvia com uma ponta de inveja, os relatos dos colegas sobre seus feriados. "Foi bom voltar para casa. Estava com tantas saudades de todos. E minha mãe fez todos os dias os meus pratos prediletos..." E quando me perguntavam sobre meu feriado eu respondia, ante olhares de espanto e censura: "Não viajei. Não senti saudades de casa. E não, minha mãe não prepara meus pratos favoritos!" E inevitavelmente, vinha a culpa. Como o filho não sente saudade dos pais? Eu devia ser mesmo um péssimo filho. E então eu penso hoje em meus colegas, que às vezes chegavam na faculdade aliviados, mesmo com toda a pressão psicológica inerente à vida acadêmica. "Meu pai me ligou. Eu chorei com ele ao telefone. Estava com saudades. Ele perguntou o que eu tinha e me confortou. Hoje estou melhor." E eu penso então em todas as vezes que meu telefone não tocou. Penso nas visitas que nunca tive. Penso que foram seis anos vivendo longe da casa dos pais, e nas poucas vezes que meu telefone tocou, a ligação nunca era para a pessoa. Só ligavam para o aluno, para o funcionário, e, pior, para o mensalista. "E aí, como estão as notas? O quê? Tirou 7,0? Só isso? Você não estuda? Ah, saiu do trabalho. Desempregado de novo? Sabe quanto já mandamos para você neste mês? Controle seus gastos. Você dá despesas!" E mais uma vez a culpa... Minha família trabalha para me manter estudando. Eu sou mesmo um péssimo filho... E me pergunto: Quantas vezes procuraram saber sobre minha vida pessoal? Quantas vezes me ligaram ou me escreveram para saber se eu estava doente? Quantas vezes procuraram saber se eu estava feliz? Namorando? Apaixonado? Sozinho? Triste? Sentia-me solitário? Tinha amigos? Havia chorado? Havia rido? Quando me questionaram se eu estava carente? Cansado? Exultante? Deprimido? Enfim... Constato que minha vida em branco não durou apenas seis anos. Mas vinte e seis! Pois hoje tento lembrar algum dia em que alguém de lá tenha colocado a mão sobre meu ombro e questionado "então, como você se sente?", mas minha memória se perde sem respostas...
Onde eles estavam nos seis últimos anos, nas ocasiões em que fiquei doente? Onde estavam quando eu levei foras? Onde estavam quando eu me senti tão feliz que gostaria de dividir isso com o mundo? Onde eles estavam? Trabalhando para me manter... Serei eu um filho tão mau, incapaz de reconhecer este esforço e retribuir apenas com a minha ingratidão? Não vou desprezar este esforço... Mas só isso não basta! Acaso, é esse o amor em família? Uma barganha de valores monetários? Devo amá-la por nunca me ter posto num saco plástico e me atirado num rio? É este o seu esforço? Devo amá-lo por não me surrar de forma astronômica e por nunca ter queimado minhas mãos em água fervente, como alguns fazem? Ou mais, devo me sentir culpado por isso nunca ter acontecido? Afinal, o esperado é que atirem seus filhos num rio, não sem antes terem queimado suas mãos?! Devo então reconhecer como uma manifestação de amor supremo o fato de eu ter comida em casa, e ponto final... Ao inferno este amor! Reconhecer este amor por obrigação é legitimar que sou um filho perfeito por nunca ter usado drogas, por nunca ter furtado bens de dentro de casa e nunca ter me envolvido em problemas com a polícia! Isso basta? É o suficiente para eu cobrar que se orgulhem de mim? Tanto não é, que não sinto uma manifestação de qualquer orgulho da parte de ambos. Antes, tive de me valer de uma força hercúlea para não deixar minha auto-estima me destruir, graças às críticas permanentes! Não esqueço o que escutei quando cheguei em casa contente por ter feito minha inscrição no vestibular para Direito. "E você acha mesmo que você vai passar? Você deveria ter escolhido algo menos concorrido..."
E nesta semana fui questionado sobre a minha visão amarga de mundo. "Você não deve ficar falando estas coisas de que tudo dá errado. Você não deve ficar com esta cara feia. Você não deve ficar tão calado. Você deve sorrir mais. Você deve demonstrar mais felicidade..." Você deve, você não deve... Diabos, é tão fácil assim julgar o que devo e o que não devo fazer? Porque ao invés de quererem me obrigar a fingir uma felicidade que eu nunca senti, não procuram saber as razões para o sorriso ter desaparecido do meu rosto? Porque sempre ditam o que eu devo e o que não devo, mas nunca me perguntam "Porque você não sorri mais? Porque você insiste em dizer que as coisas dão errado?" Meus motivos não importam... Nunca importaram. As promessas quebradas, os planos desfeitos, os amigos que deixei para trás, nada disso é importante... Eu apenas devo estar à disposição.
E então penso nos meus colegas, que sempre tiveram o espaço necessário para o crescimento, pois, além de acreditarem nos próprios filhos, eles reconhecem que o futuro pode ser lento. E penso que não tive meus estudos facilitados, por ter sido visto como um vagabundo, e agora o pouco tempo vago que tenho será gasto num retrocesso, que provavelmente obrigar-me-á a jogar na lixeira o meu passado, e com ele, dar adeus ao meu futuro. Pois a eles, basta o dia de hoje! E eu hoje não estou produzindo coisa alguma!
Sou satisfeito por ter conseguido amigos. Gente que se interessa por mim, e acredita que eu posso ir além. Gente com quem ri. Gente com quem chorei. Gente que me ligou e me perguntou se minha cabeça parou de doer, ou se minha garganta continua inflamada. Gente que conjuga o "nós". Gente que esteve presente. E que tive de deixar para trás... Apenas para voltar à impessoalidade da vida em família, estes seres indiferentes, que julgam com uma facilidade extrema, à proporção que esquecem de ver a minha vida passando como parte da deles...

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