sexta-feira, 23 de abril de 2010

Cemitério Maldito

(originalmente publicado em)
Itabuna, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Texto escrito no Word no dia 29 de outubro de 2006, às 02:14.

A madrugada corre quente, tanto quanto foi o dia, e após um pequeno momento de redenção, com muitos relâmpagos, trovões e sonhos confusos, o Cemitério Maldito abre suas portas. De lá saem todos os seres mais estranhos. Mas as grades já estavam abertas, apenas não se percebia que aqueles seres que dali surgiam eram os mortos-vivos. E de todas as partes eles surgem. Um inocente almoço pode se transformar num cenário aterrador, de acordo com os comensais. Uma troca de olhares que não produz quaisquer frutos. E no final fica apenas a sensação de "não era para ser".
A trilha sonora de uma sessão de exercícios num fim de tarde qualquer pode muito bem tocar ao bater a meia noite, e então na sua mente doentia, os zumbis sairão das suas covas, com os rostos encarquilhados e perguntando "por quê?" E ficará o choro vazio de quem perdeu o trem da vida, e acredita tê-lo tomado, quando o que ninguém sabe é que também é um zumbi... Apenas mais um! Dentre todos.
Bate a saudade. É inevitável. E o choro desta vez não se deve ao não saber, mas sim ao saber o que não se quer. E pior, a maldição de Cassandra ri, enquanto Cassandra pede piedade! "Por Deus, nunca me vi tão só!" Tolice. Encare o Cemitério, e veja que você também está sepultado ali! E sua cova não é uma ilha!
Eis que chega o final de semana. A Esperança acaba de virar a esquina. Pegou um atalho para poder escapar mais rápido... "Corra, lá vem a tristeza atirando pra todos os lados." E as decisões são duras, mas são. Decisões. Que divertida soa esta palavra quando o mar que a rodeia é o da inquietude. Os paradoxos sempre fascinam. Especialmente quando há mentiras envolvidas. Então um defunto tristonho levanta seu rosto, e pode-se ver que as pás de terra e cal não lhe desfiguraram tanto assim. Faltou apenas o abraço. O velho abraço que antes da Morte não se cogitava sequer passar despercebido. Era quente e terno. "Utopia, this is my utopia." Mas o que resta são apenas algumas palavras que já se cansaram de percorrer os mesmos caminhos, circulares...
E o que seria uma festa, acaba se tornando um laboratório de Dr. Frankenstein. E mais um cadáver ressurge. O Cemitério Maldito estava mesmo cheio. Desta vez não faltaram abraços. Eram tão acolhedores que, por momentos, não se percebia a superficialidade e fragilidade da casca sob a qual se escondem vermes que roeram toda a carne podre. Algumas promessas vazias, apenas para não se perder o hábito. E nem ecoam as notas tristes de Belle & Sebastian...
E então o dia de hoje se inicia, calmo, quente, mole. Onde foi parar o céu? O que é aquele manto azul que cobre todo o Cemitério? O que é aquele círculo amarelo, que irradia uma energia tão poderosa, capaz de causar câncer? Porque esta mesma energia não destrói a maldição do "não ter sido o que poderia"?
E os sonhos confusos, entrecortados por riscos, anunciam que mais um morto-vivo está chegando. E por instantes, o medo e o desejo juntam suas mãos, sorridentes por fazerem mais uma vítima. E este é o cadáver mais belo. Por algumas horas, poder-se-ia acreditar que era de cera. De carne! E carne quente, viva, pulsante. Mas a vida se esvai tão logo a fonte seca. E nas alamedas do Cemitério vê-se que aquele sorriso tão lindo, não passa de uma foto na lápide.
E a Solidão não pode ser maior. O abraço... Onde está? Sempre ele... Sempre faltando...
É estranho dissociar beijos e abraços. Eles deveriam estar juntos.
A lição é que não se deve mais abrir as sepulturas. Saudade dói, mas e daí? A falta que vai ficar... Um dia aprende-se a lidar com ela. Ou não.
Agradeço aos Mestres Lulu Santos e Heráclito de Éfeso, com quem aprendi que nada jamais voltará a ser como foi um dia... E peço a bênção aos Deuses Renato Russo, Ana Carolina e Alanis Morissette. Saudações a Stephen King, por me dar o espelho.
E não esqueçam jamais a lição. Jamais mesmo! Não abram as portas para estranhos, e nunca revirem as covas dos mortos queridos. Os mortos devem permanecer mortos. O trem da vida pode até frear, pode curvar e até mesmo bater. Mas jamais voltar atrás! Com a licença da banda, "get me away from here, I'm dying".

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