sexta-feira, 23 de abril de 2010

Bombardeio

Valença, 06 de agosto de 2006, 9:42.
Texto escrito em folha de caderno

Hoje o dia começou mal. Redundância! É domingo. O que há de novo num domingo começar mal? Domingos são sempre monótonos, especialmente quando nos perguntamos qual espécie morta e seca está se tornando a nossa própria vida.
Acordei bem cedo e fui a uma aula de noções de direito para a qual havia sido convidado pelo Isaac. Qualquer tentativa de tirar este quadro de tédio da minha parede é válida. Esperei por uma hora. Cansei de esperar, e depois de observar os hipócritas católicos, voltando às suas casas após cumprirem seu rito dominical, também fiz o mesmo. Mecanicamente, pé ante pé, segui meu caminho de volta a esta que já não é minha casa.
Há 61 anos atrás explodia em Hiroxima a primeira bomba atômica. E o que eu tenho a ver com isso? Posso dizer que o 06 de agosto dos japoneses foi bem mais movimentado que o meu! Que comentário infeliz!
O que aconteceria se uma bomba explodisse neste momento sobre a minha casa? Como seria a sensação da pressão atmosférica elevadíssima, tal qual a temperatura elevando-se a milhares de graus centígrados? O deslocamento do ar dilacerando meu corpo... Talvez eu até tivesse uma ínfima fração de segundos para ver meus braços voando em direção à parede, também esvoaçante, tingindo tudo de vermelho... Ou não. Podia ser que estivesse tão quente que o sangue evaporar-se-ia antes de tocar qualquer coisa.
Eu teria virado apenas um pedaço de carne assada. Ou melhor, vários pedaços de carne assada! Sem tempero! Sem nem um pouco de sal. A única diferença é que eu não estou nem em pedaços, nem assado. Mas sou apenas um pedaço de carne sem sal.
Talvez meus olhos fossem os primeiros a explodirem no impacto da bomba, e eu não veria mais nada! Apenas sentiria o espaço vazio, onde antes havia coração, pulmões, estômago... Eu sequer saberia, pelo som, onde teriam parado minhas pernas, pois o estampido teria me ensurdecido. Apenas a dor me guiaria. E neste segundo, eu teria tempo de pensar que meu domingo estava sendo movimentado? Ou eu não pensaria mais nada, pois meu cérebro teria sido o primeiro a ser esmigalhado entre os blocos de concreto... Então eu não sentiria mais dor, não sentiria o cheiro da minha pele enrugando com as queimaduras, não perceberia a agonia das roupas derretendo sobre minhas carnes. Não veria mais as telhas caídas em cacos, fatiando minhas vísceras, atiradas para longe... Sequer teria a consciência de que uma bomba foi a responsável por este espetáculo. Nem lembraria que hoje é domingo. Alguém, dê-me uma bomba agora!

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