sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Chegada

(originalmente publicado em)
Valença, 12 de novembro de 2006, 00:16.
Texto escrito no Word, enquanto dura a incerteza da transitoriedade.

Queria fazer este registro, mas sem ter muita noção do que escrever primeiro... Se os fatos, ou as impressões subjetivas às quais eles estão sujeitos... Finalmente chegou o dia da mudança. Com chuva forte. Seria a Pedra Negra chorando a mágoa da minha partida? Um tanto pretensioso de minha parte crer em algo desta natureza. No fundo a Pedra Negra nem sabe quem sou. Destes seis anos, não deve ter ficado muito que não lembranças... Meu pai chegou sob a chuva, e uma sensação muito estranha se abateu sobre mim enquanto percorríamos o comércio em busca de uma peça de uma furadeira elétrica. Eu estava ensinando-lhe a localização dos lugares na cidade. Cidade da qual eu partiria cerca de três horas depois. Akyw chegou para dar tchau. Dona Teca saiu da janela, para não o dar. E após algumas paradas na estrada, a noite caiu e eu estava na casa dos meus pais. Sim, casa deles. Não é minha casa!
E no mesmo estado de torpor, como que anestesiado, com o qual eu havia deixado Itabuna, eu chegara em Valença. Lentamente fui descendo as caixas, cada uma com uma história, ou várias, trazendo-as ao (meu?) quarto onde estou hospedado. Cada objeto colocado num lugar me tirava um pouco o efeito da anestesia. Eu não tinha mais como escapar. Itabuna estava para trás...
Então aconteceu. Durante toda a semana, tentei me manter em pé... Mas olhei para este quarto de hóspedes e vi minhas roupas guardadas num guarda-roupa que não é o meu. Mas elas cabiam ali! Relutei muito para abrir o lacre de algumas caixas, mas cada fita adesiva arrancada trazia consigo um pedaço da certeza de que eu vim embora! E à hora de deitar, inevitavelmente, a tristeza que tentei afastar durante toda a semana, mostrou-se mais forte. Ela sentou ao meu lado e embalou meu sono. O sono que eu gostaria que não tivesse mais fim. A vontade de chorar era forte demais. Como ainda é neste exato momento!

"Ao olhar o retrato lembrei
Da minha casa que pra trás deixei
E os amigos que brinquei
Ali estava o muro que pulei
A árvore que tanto escalei
E o meu nome
Que pichei
Está tudo lá
Tudo lá do outro lado da montanha"

Hoje a chuva caiu com relâmpagos e trovões, e nem isso conseguiu me fazer bem. Durante o dia inteiro, o mesmo torpor invadiu o meu corpo, e ao acordar com meus livros, cd's e roupas arrumados neste território tão estranho, senti que os dias seriam longos e tristes. À noite tentei fazer algum exercício, na tentativa de distração, já que é impossível estudar. Não consegui.
Agora, preparo-me para dormir e poderia tentar enganar minha mente, lembrando que no dia 28 estarei de volta, por uma semana. Poderia lembrar que há bem pouco tempo eu passei quase três meses nesta cidadezinha intragável... Mas mesmo aquele tormentoso período, eu tinha uma certeza: minha casa ainda estava lá! Agora? No máximo, mais uma semana, que acabará muito rápido, e da qual voltarei ainda mais saudoso, carregando a fome e a sede de Tântalo.
Ainda não sei quando vou para Salvador, e pelas conversas entrecortadas que tive ontem, tudo parece estar correndo errado. Ou entendi mal, ou fui enganado. Tanto faz... Desde que o resultado seja o mesmo já previsto - o errado - então estará tudo em conformidade com o que deve ser. Criaturas do submundo...

"Olha só o que eu encontrei
A foto da menina que amei
Estava lindo no dia que namorei
Agora tanto tempo passou
Não sei dizer ao certo quem sou
Mas a memória da vida
Não apagou
Está tudo lá
Tudo lá do outro lado da montanha
E o que restou foi a saudade forte que ficou
Nada mudou
Foi o vento que em mim passou
Indo pra lá
Indo pra lá do outro lado da montanha"

(Cogumelo Plutão - Do outro lado da montanha)

O sono chega, o nó na garganta não sai, vou deitar, tentando manter meu rosto seco. Tentando acreditar que isso é temporário. Tentando. Esperando ter ouvido tudo errado ontem... Ciente de que vou sobreviver, mas desejando o contrário.

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