quinta-feira, 22 de abril de 2010

Discurso de Aniversário

(originalmente publicado em)
Itabuna, segunda-feira, 23 de maio de 2005

Texto escrito sobre uma folha de caderno, ao som de Cat Stevens, na madrugada de 23 de maio de 2005.

São 3:12. Há três horas e doze minutos eu completei 25 anos. Há três horas e doze minutos eu descobri como é saber que já se passaram 1/4 de um século desde o meu primeiro "buá"... Saí há pouco do banho e, enquanto penteava meus cabelos eu pude observar ali, do outro lado do vidro, um homem de 25 anos. Vi um homem alto, magro, com um pouco (hoje, apenas um pouco!) de gordura acumulada num abdômen, ainda não satisfatório como gostaria que fosse. Seus braços finos revelavam músculos não tão trabalhados, pouco desenvolvidos. Seus cabelos estavam artificialmente lisos e mais loiros que seu natural. Algumas tatuagens estampavam em seu corpo algumas preferências artísticas e ideológicas. Não era um homem feio. Algumas marcas de acne revelavam que teve uma adolescência cruel do ponto de vista estético. Ao redor dos olhos e da boca algumas linhas, ainda muito finas para serem chamadas rugas, mas não tão tênues para passarem despercebidas. Olheiras. Pouco profundas, mas existentes. Na orelha um furo, no qual vez ou outra repousa um brinco. No queixo alguns fios insistindo em nascer, mas nunca em quantidade suficiente para serem chamados de barba. Este homem nunca soube o que é ter barba. Talvez este homem de 25 anos nunca pareceu ser sério como um adulto por nunca ter tido em seu rosto pelos em profusão, mais conhecidos como barba. Nem bigode. Um nariz comprido, não arrebitado, não aquilino, não chato, não largo, também não pequeno, quase reto. Era apenas um homem de 25 anos. Sem excessos. Sem faltas. Sem nada que chamasse atenção... Não. Um engano. Enquanto eu me penteava e observava este homem de 25 anos, ali, movimentando-se atrás daquele vidro, eu percebi que algo nele chamava a atenção. Seus olhos não simplesmente castanhos e não puramente verdes tinham vida própria. Seu olhar era terno e falava por si só. Revelava algo bom. Revelava sentimentos. Bons. E sua boca, grande, até mesmo, talvez, um pouco desproporcional àquele rosto fino e pálido, trazia um sorriso. Seus lábios grossos, entreabertos revelavam dentes muito longe da perfeição, mas ainda assim bonitos. Este sorriso chamava atenção! Era um sorriso de alegria. Alegria por nada de excepcional. Ou talvez, por algo extraordinário. Isso só quem poderá saber é o próprio homem de 25 anos, que me olhava com a mesma admiração com a qual eu o mirava. Sim, eu o admirei! Eu senti orgulho daquele homem!
Eu sorri junto com este homem, por saber que na sua cabeça pairavam a mesmas reflexões que pairavam na minha... Eu lembro de alguns momentos, algumas situações, algumas pessoas... Lembro que há 10 anos eu me olhava no espelho e sentia uma prepotência juvenil de quem nunca soube o que é o Amor e ainda achava que tinha vivido tudo! E, diferentemente de hoje, a minha vontade era de chorar... Mas eu não me permitia! Chorar era para os fracos. Tolice. Eu podia ser tolo, mas fraco, jamais! Lembro-me que há cinco anos eu era um rapaz com expectativas acadêmicas, acabando de entrar na faculdade. Recém chegado numa cidade, tendo que começar do zero. Pessoas novas, gente desconhecida. Medo. Esperança. Eu completava 20 anos e algumas pessoas, colegas de faculdade, invadiam meu apartamento para me dar um beijo ou um abraço. Eu não sabia, mas com algumas daquelas pessoas eu desenvolveria um laço forte, não eterno, porque nada é para sempre, mas forte, de amizade, que perduraria por, no mínimo, cinco anos seguintes. Outras sumiriam da minha vida como se por ela nunca tivessem passado. Também não sei se para sempre, mas eu perderia contato com elas por, pelo menos, cinco anos...
Lembro-me que alguns meses depois eu estava sozinho, numa casa situada numa rua deserta, onde eu assumi para mim mesmo o quanto era ruim estar só. Eu me perguntava onde estavam meus pais e meus amigos. E já reaprendera a chorar. Eu já me permitia ser fraco. Lembro-me que há três anos atrás, um dia antes, neste mesmo horário, eu me deitava nos braços de uma pessoa, a quem eu chamaria "meu primeiro amor". Eu acabava de descobrir o Amor! E há três anos atrás eu me tornei homem! Porque consegui me olhar de frente. Porque consegui aceitar o caminho que me havia sido designado para percorrer. Algumas horas depois eu estava rumando para a capital, tentando descobrir um lugar ao Sol, ansioso e assustado como uma criança que também já fui, por imaginar o que me reservava a minha vida profissional. E há exatos três anos eu estava me sentindo frustrado por estar comicamente sentado num botequim, soprando uma vela de São Cosme e São Damião, estrategicamente posicionada num pratinho de inox contendo alguns salgadinhos de milho, sendo parabenizado por dois - apenas dois - amigos, que não me permitiriam passar em branco os 22 anos que eu estava completando. Eu lembro que a única pessoa ao lado de quem eu gostaria de estar deu-me as felicitações por telefone, dizendo que estava com saudades e que eu retornasse logo para esta cidade para receber o abraço que eu tanto desejava. Eu só não sabia que, pouco mais de três meses depois esta mesma pessoa que me ligava faria com que eu sentisse a maior dor jamais sentida, pelo menos até aquele momento. E aí sim, eu esqueceria por completo a vergonha que eu tinha do espelho quando eu queria chorar. E eu não lembro de ter chorado tanto!
Eu lembro também que alguns meses depois outras pessoas estavam ali presentes e eu sentia vontade de sorrir de novo. Lembro-me que eu não tinha descoberto o emprego ideal e, contrariando todas as expectativas criadas sobre mim, eu simplesmente saí! Eu buscava o melhor para mim. E graças à minha busca eu pude amar de novo, eu pude sorrir de novo, eu pude romper relacionamentos de novo, eu pude chorar de novo, eu pude fazer amigos de novo, eu pude estar só de novo, eu pude ter perspectivas acadêmicas e profissionais de novo... Eu já não era mais o adolescente estúpido que sentia vergonha de si mesmo por nunca ter aproveitado o longo tempo de sua curta vida e ainda tinha o desplante de - sem ter se apaixonado, sem saber perdoar, sem ter vivido a emoção de ser aprovado no vestibular, sem sentir a cabeça doer depois de uma noite de bebedeira com amigos, sem se emocionar com um poema mandado sob forma de mensagem no celular, sem ouvir "Figlio Perduto" na varanda de um apartamento sob uma tempestade ao lado de uma pessoa querida - achar que já havia vivido de tudo!
Eu já era um homem, mais distante do adolescente e mais perto, muito mais perto daquele menininho tímido, que há vinte anos atrás olhava com os mesmos olhos castanho-esverdeados, cheios de curiosidade e admiração, para a cabeça de um palhaço que enfeitava seu bolo de aniversário de cinco anos. Aquele mesmo menininho que tinha medo de tudo. E sabia que, embora tivesse vivido os seus cinco anos de idade, teria uma vida posterior, cheia de novas descobertas, cheia de novos aprendizados...
Hoje eu sou um homem. Com 1/4 de um século eu posso ver o mundo com os mesmos olhos do menino. E sei que não vivi tudo! Sei que tenho um caminho desconhecido pela frente. Sei que sentirei medo, sei que terei decepções, sei que terei esperanças, sei que terei alegrias, sei que terei novas descobertas... E desejo que, com estas novas descobertas, eu possa continuar construindo esta pessoa a quem eu olhava ali do outro lado do vidro enquanto eu me penteava, e para quem eu sorria, orgulhoso por perceber que a vida é muito mais do que uma coleção de fracassos. Desejo continuar orgulhoso do homem responsável e sério (mesmo sem ter barba!) em que me transformei. Desejo continuar orgulhoso de mim mesmo por conseguir chorar, como chorava o menininho de cinco anos, quando estou triste, sem me julgar um fraco, mas também por conseguir sorrir, como sorriu o homem de 25 anos, e como sorrio agora que me preparo para dormir, e recomeçar a percorrer o caminho de incertezas, medos e alegrias, que será o meu dia seguinte. Carpe diem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário