sexta-feira, 23 de abril de 2010

Fantasmas

(originalmente publicado em)
Itabuna, terça-feira, 30 de maio de 2006

É noite alta. Faz um pouco de frio, e meu braço esquerdo lateja com uma dor insistente do que suponho se tratar de uma tendinite. Algumas idéias vagueiam meio desorientadas por uma cabeça em desalinho não só no penteado. O Desconhecido bate à porta e mais uma vez me avisa "abra, Beethoven! Estou aqui. E você já sabe o que te trago", mas eu não sei... O Desconhecido tem este nome por ser novo. E por ser novo, assusta.
Tive dias ruins! Há pelo menos algumas semanas! E quando completei mais um ano de vida, a única sensação que tive era a de que estava um passo mais perto da decrepitude. A Incerteza insiste em se fazer presente, e isso reflete de modo negativo em tudo! Cuidei da minha aparência, mas isso não tem me feito melhor. A mesa está posta de modo estranho, e por mais que se deseje dois pratos, a refeição parece não querer ser saboreada por ambos! E sou obrigado a cear sozinho outra vez. De que adianta tornar-me sedutor? Para que lutar por adquirir charme? Cuidar da mente e do corpo? Para que, se no final o que resta é a derrota? Nem mesmo quando as maiores forças empurram as partículas umas às outras... Todos os dias problemas surgem, para nos mostrar que somos nada! E percebemos que eles nunca serão o bastante! Não adianta a ilusão de achar que os problemas cessarão! É um fato! E eu nunca acreditei de verdade nisso. Antes, achei que apenas eu conseguiria lidar com eles de forma sensata, e não me deixar abater tanto!
Mas a vida sempre arruma um meio... E as questões que nos afligem são vivas! E crescem, e se multiplicam! E então batem à nossa porta, como o Desconhecido, e nos avisam "estamos aqui, e não vamos deixá-lo em paz!". Não nos enganemos! Viver é um problema! Nunca foi e nunca será fácil! Mas o que começo a perceber é que não se trata apenas de uma certa dificuldade ou complicação! É quase impossível apagar a idéia de que há alguma coisa nos perseguindo! Difícil não corroborar com a mania de perseguição de uma personalidade esquizofrênica...
Sim, para que não reste dúvida, eu estou triste! E muito! Com tudo! Estou irritado, aborrecido, frustrado... Muito frustrado! E cada vez mais, sinto-me diminuído e impotente! E a pergunta que o Cadmo me apresentou permanece sem resposta: Para que serve o Amor?
Palavras são armas poderosas, e quando elas perdem a batalha, o que há de se fazer? O que resta quando atos não comprovam o dito e o que se sente? Porque sou tão fraco? Qual a próxima prova da gincana de humor negro na qual me inseri? Fracassei! Justo quando eu sentia orgulho de mim mesmo pela minha capacidade de vencer barreiras intransponíveis. Fracassei! Quando me disseram que nunca tiveram tanta intimidade e confiança com alguém como a que eu inspirava. Fracassei! Quando criei fantasmas inexistentes e involuntariamente perdi uma das minhas maiores qualidades, minha amoralidade! Eu não quero perder isso! Não é justo! Não agora, que o muro está erguido à minha frente, e tudo o que eu consigo fazer é sacudir a cabeça e pensar "é alto demais". Duas almas perdem! Duas almas se perdem! E de quem é a culpa? O mais decepcionante é não haver um bode expiatório! Quando tudo vai mal, o peso diminui se pelo menos conseguimos jogar a culpa sobre alguém! É o consolo do perdedor. O dedo apontado e a acusação tiram da consciência o peso por algo que transcende a nossa capacidade de agir... Mas não há quem apontar. Simplesmente é assim! Simplesmente fracassei. E ponto final.
E agora o Desconhecido sorri na minha frente, quando percebe que uma história construída há seis anos deixará os personagens para trás. Mudará de enredo e de cenário. E nas cenas novas, muitas personagens não caberão mais! Serão descartadas. Porque nós somos descartáveis. Porque nossa vida é nada!
Eu queria ter fé. Eu precisaria ter fé. Seria mais fácil para continuar a caminhada. Mas o que resta para seguir meus passos é apenas medo. De tudo. De mim. Do novo. Dos cenários. Das personagens. De quem vem. De quem fica. Mas principalmente, de quem se foi.

(Texto escrito no Word, em 29.05.2006, às 23:02)

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