domingo, 6 de janeiro de 2019

Postura profissional?

(Originalmente publicado no meu Facebook, em 22.08.2018)

Cursei Direito em uma universidade pública. Localizada em cidade à beira do mar, com aulas muitas vezes oferecidas em horário de verão, à tarde, depois de meses de greve. Nessas ocasiões, muitas vezes, fugi do calor e fui assistir às aulas trajando bermuda, camiseta, sandália. Estava longe de me formar, longe de ingressar no mercado de trabalho e mais preocupado em alimentar meus sonhos de acadêmico a pensar em "traje adequado" ou "postura".

Muitas vezes, fui alertado sobre a minha suposta falta de "postura profissional", em razão de entrar nas aulas de bermuda, camiseta e chinelos. Meu professor de Direito Tributário, um dos piores que já tive na vida inteira, foi um deles: não dava aula, era um péssimo profissional e se sentia no direito de me alfinetar a cada vez que me olhava, com meu ar de quem estava pronto para ir à praia, e não para a aula.

Quando apresentei meu TCC, fui de terno e gravata. Foi a primeira vez em que usei terno durante a vida acadêmica. No corredor, tive o desprazer de esbarrar com aquele professor. Olhou-me de cima até embaixo, com ar de desdém comentou: "nem o reconheci agora que parece um bom profissional". Não deixei por menos e retruquei, com um sorriso cínico de quem estava, na verdade, controlando uma vontade de socá-lo: "pois é, professor, como pode pode ver, não foi a falta de um terno que me impediu de chegar até aqui". Saí, irritado, com a percepção de que para parecer um bom profissional era mais importante estar alinhado nas vestes que mostrar competência.

Passei no TCC com 9,5.

Na vida profissional, já soube de caso em que serventuário de cartório telefonou para uma chefe minha, apenas para lhe alertar de que um advogado do seu escritório estava diligenciando em fórum com trajes inapropriados à dignidade de sua profissão. Eu havia ido de calça, sapatênis e camisa de gola polo tirar fotocópia de um processo.

Na ocasião, comentei que se o péssimo profissional do fórum estivesse menos preocupado em fazer fofoca e mais ocupado em fazer seu trabalho, talvez os processos não fossem tão morosos naquela Vara de Família.

Noutra ocasião, uma chefe me disse que eu escrevia mal, que minhas petições não eram técnicas e que eu "viajava demais, filosofando tanto na escrita, de forma desnecessária", já que, de acordo com suas palavras, duvidava que o juiz fosse entender. Delicadamente, respondi que o fato de ela não acompanhar o raciocínio do meu texto não lhe dava o direito de presumir que todos os juízes fossem pouco inteligentes como ela.

Não foram poucas as vezes em que fui "alertado" sobre usar brinco, sobre não viver de terno e gravata para cima e para baixo, sobre sentar em rodinhas de estagiários em vez de rodinhas de chefes, por não suportar ser chamado de "doutor" e por me recusar a chamar colegas pelo mesmo título, por expor aspectos da minha vida em redes sociais, sobre não ter "postura de advogado".

Ao longo da minha vida profissional, consegui alguns feitos que poucos profissionais conseguem num Judiciário tão engessado como o do Rio de Janeiro. Sempre briguei contra este conservadorismo que impera no mundo jurídico e que fomenta esta visão de que você só será bom se seu sapato for o mais brilhante e seu terno for o mais caro.

E sempre fui a favor de que o bom profissional é aquele que investe em conhecimento aplicável e não em roupa. E por conhecimento aplicável não me refiro a decorar artigos de lei, prática desnecessária, já que a lei está ali sempre à disposição de uma consulta, mas a entender a relação entre o Direito e outros campos do conhecimento, como Filosofia, Sociologia, História. É dominando o discurso lógico que se constroem bons argumentos, ferramenta necessária ao trabalho de um bom advogado. É saber usar as palavras e mostrar a desconstrução de um raciocínio, etapa por etapa, para demonstrar sua formação, evidenciando os possíveis erros e acertos em suas premissas. Assim, faz-se o convencimento.

Então, quando você tiver alguns Recursos Especiais admitidos de primeira pela Terceira Vice-Presidência, remetidos ao STJ sem necessidade de interposição de Agravo; quando você conseguir, na lábia, despachar tutela de urgência e antecipar em uma tarde uma tramitação que levaria cerca de um ano, garantindo o direito do seu cliente; quando você conseguir impugnar laudo de IML sem ser médico, mas valendo-se do conhecimento que adquiriu em suas aulas de Medicina Legal; quando você conseguir reverter condenações homéricas para improcedência em seus recursos de Apelação; quando você conseguir fazer muitas testemunhas mentirosas se contradizerem durante audiências, apenas com perguntas; quando você tiver trechos das suas petições transcritos nas decisões proferidas pelos desembargadores que acolheram seus argumentos ali apresentados; quando você conseguir analisar riscos, antecipar derrotas e evitá-las oferecendo e firmando acordos muito mais vantajosos ao seu cliente, aí sim você vem falar comigo sobre postura profissional.

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