(Originalmente publicado no meu Facebook, em 09.10.2018. Ainda não havia o resultado das eleições presidenciais. Infelizmente, só confirmaram minhas previsões)
Vou falar novamente
numa outra língua que você talvez entenda.
Você é mulher. Se
tiver de passar por uma rua deserta sozinha, do que você mais tem medo? E
sempre tiver de entrar em um carro de um homem estranho? Como um motorista de
táxi de uma empresa que você não conhece? E se estiver sozinha em casa e for
obrigada a receber um prestador de serviço, tipo um instalador de internet ou
um encanador? O que mais te assusta nessas circunstâncias? Violência sexual?
Medo de ser estuprada?
Eu sou homem. Eu
poderia dizer que isso é mimimi. Eu não tenho a menor ideia do que é este medo.
Não vislumbro a menor possibilidade de ser sexualmente violentado por um
taxista, um pedreiro, um transeunte qualquer de uma rua vazia. A figura de
outro homem, pelo simples fato de ser homem, perto de mim não se afigura uma
ameaça. Não tenho nenhum receio pela minha integridade física. Tenho 1,85 de
altura e poderia dizer que me sinto até bastante seguro quanto à minha
integridade física. O máximo que eventualmente poderia me causar algum temor
seria o receio de algo a ser feito contra meu patrimônio: assalto, perder meu
celular ou minha carteira. Isso faz de mim parte legítima para desdizer o medo
que você, mulher, tem, de ser vítima de violência sexual? Não, não faz. Faz de
mim alguém que ignora completamente o seu sentimento. E no máximo, faz de mim
alguém que tenta ter empatia com o que você diz passar. Eu poderia muito bem
dizer que é um medo infundado, porque não faz parte da minha realidade. Em vez
disso, prefiro pensar que o fato de eu ignorar um sentimento não significa que
ele não exista e não tenha algum fundamento.
Pois é isso que o
seu candidato fascista e aqueles que o seguem não fazem. Por desconhecerem o
temor alheio na própria pele, passam a minimizá-lo.
Você nunca terá
ideia do que é ter medo de andar de mãos dadas na rua com a pessoa que ama como
as pessoas LGBT sentem. Da mesma forma que nós, homens, não saberemos o que é
ter medo de outra presença masculina como uma ameaça à nossa integridade física
e sexual apenas por estarmos no mesmo ambiente junto com ele.
Você não sabe o que
é ser cercada na rua com palavras ofensivas por andar de mãos dadas com seu
namorado, e posso apostar que nunca tentaram bater em você por isso.
***
Em meados de 2005 ou
2006, eu e um amigo fomos cercados por um grupo de rapazes. Eu e um amigo. Não
éramos namorados. Não andávamos de mãos dadas. Não trocávamos carinhos em
público. Apenas andávamos juntos. E nossa existência incomodava tanto um grupo
de pessoas, a ponto de nos cercarem, ofenderem e tentarem nos bater. Assim,
gratuitamente. "Vocês são gays, logo têm que apanhar". E nos
cercaram. E socaram o rosto do meu amigo. E tentaram socar o meu. Nossa sorte
era que nesta época eu corria cerca de 20 km diariamente e praticava
musculação, andando no auge da minha resistência física. Consegui esmurrar um
deles, joguei seu rosto contra uma árvore e o empurrei sobre os demais, para
conseguir tirar meu amigo do meio daquela roda de violência e sairmos ambos
correndo para longe. Eu saí ileso. Meu amigo ainda teve uns hematomas.
"Ileso", quer dizer... assim, entre aspas. Fisicamente saí ileso.
Internamente, eu estava devastado, constatando que minha existência era algo
que podia ser relativizado, minimizado e extinto.
***
Jair Bolsonaro, a
pessoa, o Seu Jair para algum dos seus vizinhos, não é uma ameaça. É um senhor
idoso. Um velho, decrépito, burro e fraco. Mesmo hoje, não mais correndo 20km
por dia, nem praticando musculação como há doze ou treze anos, eu me garantiria
se algum disse esse velho se atrevesse a me bater como declarou em entrevista
que o faria se visse dois rapazes se beijando. Quem me dera, inclusive, se ele
tentasse! A satisfação de lhe arrancar um dente com um soco não teria preço!
Não, esse corpo velho não é uma ameaça. Suas ideias são.
Jair Bolsonaro forma
opiniões. Tem uma legião de seguidores, tão limitados quanto o alcance dos seus
cérebros, simplista, que se vale de uma dúzia de frases de efeito, e espalha
sementes. Planta o ódio na cabeça dos seus seguidores e deixa que o restante
dos seus trabalhos seja feito pela massa anencéfala.
Quando você ouve uma
horda de seguidores dessa pessoa gritando a plenos pulmões, em tom de
comemoração, quase como torcida organizada "o Bolsonaro vai matar
viado", você pode perceber a influência que este velho decrépito tem. Você
não se importa, você não é viado. Você não sabe o que é o medo de ser pego
olhando para um rapaz que ache bonito, não sabe o que é beijar de olho aberto
na rua, para poder ver se virá um ataque de algum lugar e poder se precaver. E
aí você diz que não é homofóbica, que tem amigos gays, que ama seu amigo gay,
mas que eleger um homem que confere validade a este discurso violento "é
apenas é uma opinião, mas ainda sou sua amiga".
Dias atrás assisti,
chocado, a uma "amiga" de um "amigo" viado, dizer a mim os
maiores desaforos, numa postagem deste "amigo". O motivo? Desmenti
com fotos e argumentos umas notícias falsas que ela compartilhava. O meu "amigo",
mesmo sendo gay, mesmo estando inserido na categoria que aquela mulher decidiu
ofender, mesmo sabendo que é a sua existência que também corre risco com o
candidato que aquela mulher decidiu escolher, limitou-se a curtir uma a uma
cada uma das respostas malcriadas que ela me deu. Sabe como é, né? É vizinha. É
tia. É prima. Conheço desde pequeno. Ela me ama, sim. Está elegendo um cara
cujos defensores alardeiam em vídeo que irá matar o grupo dentro do qual eu
estou inserido, foi extremamente grosseira com um amigo meu, sem nenhuma razão
de ser, mas, poxa, tadinha, vou clicar aqui no botãozinho "curtir" da
sua resposta, por que, você sabe, não vou me indispor. Tudo bem, a escolha é
sua. Quando levar a primeira paulada na rua, espero que se lembre de sua
omissão.
Eu vou me indispor,
sim. Tempos atrás perdi um parente. Morreu. Parente mesmo, não família. Havia
declarado voto ao candidato que se acha no direito de me bater se me vir
beijando meu namorado na rua. Só pude me sentir grato por ter morrido antes das
eleições. Um voto a menos para um fascista. Cortei conversa com outros tantos
parentes que, infelizmente, foram às urnas conferir poder a esse candidato
desprezível. Felizmente posso me orgulhar dos meus pais e irmãs, que ainda
defendem a democracia.
Não, você não sabe o
que é ter que soltar as mãos do seu marido na rua apenas porque vem vindo
alguém.
***
Dias atrás, peguei o
metrô. Eu estava sozinho, mas o vagão estava cheio. Um grupo de quatro homens
estava perto e eu podia ouvi-los falar sobre o quanto havia sido divertido
terem zoado um "casalzinho de viados" e sobre a frustração de um
deles sobre outro casal porque "porra, os cara era lutador! Dois homi tudo
forte, cara, eu vou zoar?" (sic)
Muito
frequentemente, pego o metrô com meu namorado. Neste dia, infelizmente, eu
estava sozinho. Queria poder entrar no vagão abraçado, ou de mãos dadas, ou
trocando qualquer tipo de carinho, porque eu estava disposto a desbancar um
grupo de marmanjo problemático que se sentisse no direito de se intrometer na
minha vida afetiva. Segui a viagem sozinho, pensando que deveriam ser proibidas
manifestações de estupidez.
Seu candidato é essa
ideia entranhada na cabeça vazia de quem o segue. Ele não me bateria no metrô,
tampouco me cercaria numa rua com um amigo. Mas, daria a força que essa gente
precisa para destilar seu ódio. Se esses homens praticam essa violência, que há
muito deixou de ser simbólica, mesmo quando têm contra si todo um sistema legal
que coíbe a discriminação, o que farão quando se sentirem representados,
refletidos e chancelados pelo Chefe de Estado, pelo representante máximo de uma
nação?
Então, não, eu não
sei o que é ter medo de ser estuprado numa rua deserta. Mas sei que meu afeto
incomoda um mundo ao meu redor, que você com seu voto está disposta a colocar
em prática. Não peça minha empatia se você não se dispõe a dar a sua. A propósito,
o candidato que tem seu voto também defende que mulher é cadela que deve ser
alimentada em tigela. Você acha mesmo que estará segura numa rua deserta em um
governo que ele vier instaurar?
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