domingo, 6 de janeiro de 2019

O mal do século


(Originalmente postado no meu Facebook, em 22.11.2017)

Faço parte de uns grupos no Facebook, com diferentes temáticas, como poliamor, combate à homofobia, empoderamento de minorias, combate ao machismo, etc. Vez ou outra, nestes grupos, surgem brincadeirinhas fora da discussão, no intuito de fomentar a interatividade entre os membros, tipo "comenta sua idade, e quem curtir tem interesse em você", "fale sobre seu signo, quem tiver interesse comenta no seu comentário", "beija o de cima ou arrisca no próximo?" E outras coisinhas bobas do tipo. Muitas das quais, visando à formação de casais ou de amigos dentro dos grupos.

Não critico as brincadeiras. Até gosto, acho divertido promover a harmonia dos membros, inclusive dando uma ajudinha para o cupido de plantão.  No entanto, tenho percebido que este tipo de postagem incentivando a interatividade entre a galera não tem sido muito frutífera. Porque tem faltado exatamente uma interação efetiva.

É divertidinho comentar que está solteiro e aguardar pessoas dizendo "então me pega", ou postar um retrato e falar sobre os próprios atributos pessoais, como em aplicativos de pegação, aguardando que candidatos à vaga num coração vazio apareçam. Mas, a impressão que tenho tido é a de que somos todos uma geração permanentemente carente, um monte de pessoas solitárias, que se queixam por estarem sós, mas que não se propõem a olhar para o lado.

O que sempre vejo é que a maioria das pessoas posta seu próprio comentário, vendendo seu peixe no mercado, mas não se dá o trabalho de olhar, curtir, comentar o post do outro. Como se todos se queixassem por estarem sozinhos, mas ninguém tomasse uma iniciativa efetiva para interagir com o outro. É meio assustador ver tanta gente se queixando por ser sozinha, por querer um namorado ou namorada, uma embaixo da outra, mas ninguém comentando no post um do outro, como se nem ao menos tivesse lido o que já havia sido postado antes do seu próprio comentário.

É como se o mundo girasse em torno apenas do nosso próprio umbigo, fazendo apenas com que aguardemos a curtida do outro, o comentário do outro, o elogio do outro, mas nós mesmos não nos esforçamos para curtir o outro, comentar o outro. Apenas aguardamos. Aguardamos a curtida, aguardamos o elogio, aguardamos o comentário. E assim, cresce o número de pessoas solitárias, enquanto mensagens, fotos e autopropagandas se perdem em meio à sobrecarga de comentários seguintes.

A música Esperando Por Mim, da Legião Urbana tem uma frase muito condizente com esta realidade: "Digam o que disserem, o mal do século é a solidão. Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição."

É estranho que, com tanta gente sozinha, querendo um "mozão", todas reunidas num mesmo ambiente, nenhum par se forme. Cadê aquela iniciativa do "se organizar direitinho, todo mundo transa"? Vale também para o amor: "se organizar direitinho, todo mundo ama". Urge que se busquem uns aos outros, em vez apenas de  esperar que o outro o faça.

Circula pela Internet um texto, desses chatos, de reflexão e autoajuda, que descreve o Inferno como uma grande mesa com um banquete, à qual, segurando talheres de cabos imensos, sentam-se os comensais, todos famintos, pois não conseguem virar os talheres em direção à própria boca, tendo em vista o comprimento de cada talher. E descreve o Paraíso como a mesma mesa, com o mesmo banquete e os mesmos talheres, mas os comensais, em vez de pensarem somente em si e passarem fome, alimentam uns aos outros.

Vejo que a analogia também funciona para a situação dos grupos. A solidão às vezes me parece como o Inferno do conto, no qual cada um olha tanto para o próprio umbigo, que se perde em si mesmo, sem conseguir ver o outro ao seu lado.

Se olhassem todos ao redor, cada qual estaria menos sozinho. Vivemos a cultura da solidão, revelada na recusa a dar atenção com quem puxa papo conosco na fila do mercado, ou na cara feia que fazemos quando alguém ocupa o assento ao nosso lado no ônibus. E seguimos permanentemente reclamando dos dias vazios, da ausência de amigos, de amores, de emoções.

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