segunda-feira, 30 de março de 2020

Essa noite tive um pesadelo

Tive um pesadelo essa noite! Sonhei que o mundo virava de pernas para o ar e todas as nossas referências se perdiam. No meu pesadelo, o ser humano vencia a batalha contra a pandemia do Covid-19, mas todos os pilares de uma sociedade normal como conhecemos haviam ruído.

As pessoas aproveitaram o período de quarentena e acabavam revendo seus valores. Todas as pessoas se davam conta de que o coronavírus não era pior que a dengue, que a malária, que o feminicídio, que a desigualdade social, que a concentração de renda, que a exclusão dos mais pobres, que a tuberculose, que a corrupção, que o totalitarismo estatal, que a homofobia, que a transfobia... Apercebiam-se de que a sociedade já era injusta o suficiente e que essa era a normalidade com a qual sempre conviveram e pouco fizeram para mudar.

Vencida a batalha contra a pandemia, as pessoas no meu pesadelo resolviam adotar posturas diferentes do que sempre haviam adotado! Imagina que loucura! Imagina que assustador! O empresário ambicioso se deu conta de que sua exploração da classe trabalhadora de nada lhe servira durante a quarentena, enquanto a economia quebrava. O acumulador se dava conta de que todos os bens acumulados não tinham qualquer utilidade para combater um vírus mortal que se alastrava. Pessoas percebiam que excluir outras tantas em razão da cor da sua pele não fazia qualquer diferença, já que o vírus se espalhava independentemente da quantidade de melanina do seu portador.

O mundo virava de cabeça para baixo e era aterrorizante a forma como as pessoas haviam se conscientizado de que uma produção baseada na satisfação equânime das necessidades do grupo era mais importante que a produção baseada na acumulação por uns poucos, enquanto outros tantos pereciam pela escassez.

Até que eu acordei. Ufa! Era só um pesadelo. Olhei ao redor e vi que tudo permanecia igual. O mundo que eu havia conhecido ainda estava lá, ainda recolhido com medo do vírus, mas, ao menos estava do jeito como o conhecera desde sempre.

Liguei a TV para ver o noticiário e, que alívio, percebi que ainda estamos no mesmo mundo em que o nosso país é um dos recordistas em população carcerária, com cerca de 800 mil presos, dos quais dois terços são pessoas negras e de baixa escolaridade, encarceradas em razão da guerra ao tráfico; percebi que ainda estamos no mesmo mundo com o qual nos acostumamos desde sempre, em que mais de 820 milhões de pessoas passam fome e da qual uma morre a cada quatro segundos; o mundo em que, diariamente 4.500 pessoas morrem de tuberculose, a despeito de sua cura ter sido descoberta há mais de cem anos, mas não ser acessível a todos por causa dos monopólios e patentes que enriquecem a indústria farmacêutica.

Que susto esse pesadelo! Que susto! Ainda bem que acordei, resgatei minhas referências e me agarrei a elas como o parâmetro da normalidade que eu sempre conheci. Ufa! Que susto...

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