segunda-feira, 20 de abril de 2020

"Como explicar o Lula presidiário?"

Passada uma década da saída do Presidente Lula do cargo de Chefe do Executivo, ainda me deparo frequentemente, sempre que teço qualquer crítica ao atual governo, do sanguinário Jair Bolsonaro, sou confrontado com questionamentos do tipo "E o Lula?", "O Lula foi preso, Babaca!" ou "Como explicar o Lula presidiário?".

Para além de toda a pobreza retórica presente no discurso que insiste em não rebater críticas, limitando-se a trazer novos (ou nem tão novos assim) questionamentos, como os mencionados acima, uma coisa que eu REALMENTE gostaria de entender é quando pessoas usam um fato construído por qualquer pessoa, passível, portanto, de erro, como fato inquestionável e absoluto. E olha que eu tô só falando de "erro", nem tô entrando na questão do lawfare e da perseguição nítida, disfarçada de institucionalidade.

"O Lula foi condenado e preso" é um discurso em voz passiva. Mas também pode ser dito na forma de voz ativa do seguinte modo: "O Judiciário condenou e determinou a prisão do Lula". Aqui o verbo foi conjugado por outro sujeito e, sem entrar na questão do Lula ser ou não culpado dos crimes pelos quais foi condenado, quando dissemos que alguém (judiciário) praticou um verbo (condenou) em um objeto (o Lula), estamos dizendo que alguém fez algo.

Não existem dados prontos quando estamos falando de construção de sociedade. Tudo é criação. Tudo é ação. E como ação humana, tudo tem um propósito ou uma motivação. "O Judiciário prendeu o Lula" não diz nada sobre a conduta do Lula. Antes, diz do próprio Judiciário.

Reforço que não estou sequer adentrando – ainda – na inocência ou na culpa do acusado. Apenas, tratando o discurso de forma abstrata. Podemos até substituir o Lula por outro réu. Imagine eu dizendo "O Judiciário perseguiu Bolsonaro". Isso fala mais sobre o judiciário ou sobre Bolsonaro? A mim, fala mais sobre o Judiciário. "O Lula foi preso" ou "o Judiciário mandou prender o Lula" significa que pessoas com alguma intenção praticaram um ato. Presumir que a prisão do presidente seja justa pressupõe que o ato praticado pelo judiciário seja revestido de alguma validade. Jesus Cristo foi preso. Quem o prendeu, fez por quê? Eduardo Cunha foi preso. Por que o foi? Lula foi preso. Por quê? Dá para pressupor necessariamente que todas as prisões foram justas e corretas? Basta lembrarmos que menos de dois séculos atrás o Judiciário garantia aos senhores de engenho a propriedade de pessoas negras escravizadas, o que talvez demonstre que o Judiciário garantir ou não qualquer coisa não induz à pressuposição da validade, da legitimidade, da moralidade desta coisa;

Dizer que o Lula foi preso como algo posto, válido, natural, inquestionável, significa dizer que o Judiciário não erra, que o Judiciário não persegue, que o Judiciário não age dolosamente para condenar alguém que prejudique algum dos seus interesses. Francamente, soa até ingênuo supor que as decisões do Judiciário sejam todas imutáveis e inquestionáveis, como se não fossem passíveis de serem revistas.

Qualquer explicação para o Lula ter sido preso pode não ser nada esclarecedora. Ele pode ter sido preso por crimes que cometeu. Pode ter sido preso por perseguição política. Pode ter sido preso por erro judicial. Tentemos agora explicar, não "o Lula ter sido preso", mas, "o Judiciário ter condenado Lula à prisão".

E aqui a gente começa a debater sobre a inocência do presidente. O Judiciário expressamente condenou o Lula "sem provas, mas com convicção". Na minha formação de advogado, uma coisa eu aprendi: sem provas não há imputação de fato ilícito. Eu jamais poderia condenar alguém sem prova expressa, inquestionável e inequívoca de que essa pessoa tenha cometido o ato pelo qual está sendo acusada. Se o Lula é inocente, não sei. O que sei é que não tenho prova de que ele é culpado. E se eu quiser condenar com base na presunção, posso pressupor que a pessoa que rebate crítica ao Bolsonaro perguntando pelo Lula é uma pessoa desprovida de um mínimo de inteligência e precisa ser calada. Imagina que desagradável eu tentar calar uma pessoa a comentar nesta postagem apenas por pressupor e acreditar que qualquer comentário seu não deva sequer ser levado em consideração. Só com base em presunção, sem nenhuma prova. Imagina mandar prender alguém por isso... Então, sobre a culpa ou a inocência do Lula eu não falo. Mas, sobre o julgamento dele ter sido justo, isso eu posso afirmar com absoluta segurança: não foi.

Um juiz mancomunado com a acusação, instruindo o Ministério Público a forjar as provas que ele mesmo iria analisar formalmente nos autos; um juiz que havia recebido convite para ser ministro do STF pelo governo do então candidato a presidente, caso vencesse as eleições. Vale mencionar que o candidato ganhava de todos os demais nas pesquisas, exceto do próprio Lula. O juiz sabia que somente poderia ser nomeado se tirasse do jogo eleitoral a único candidato que estava liderando as pesquisas, deixando o caminho livre para o candidato que fizera a proposta. Essa manobra utilizando as instituições para fazer parecer válida é o que chamamos de lawfare. Está nítido.

Por fim, lembremos que quem manda no Estado são os donos de capital, os financiadores de campanhas, mantenedores de caixa dois, donos de empresas que serão contratadas pelo Estado para prestação de serviços, fornecimento de produtos, que serão favorecidas com leis que retiram direitos trabalhistas e promovem isenções fiscais... Com esses detentores do dinheiro aliados ao projeto neoliberal do candidato Bolsonaro mandando no Estado, é fácil notar que há um interesse do Estado, nos seus poderes constitutivos, o que inclui o Poder Judiciário, em proporcionar o cenário perfeito para a implantação do projeto neoliberal do candidato Bolsonaro. Assim, é fácil notar que o Judiciário faz o jogo político de modo a defender os interesses dos donos do dinheiro. Nem precisa ser esperto demais para explicar então que o Judiciário em todas as instâncias tinha interesse em neutralizar o Lula para abrir o caminho para o projeto neoliberal que enriqueceria ainda mais os empresários financiadores do Estado.

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