terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O Criminoso Projeto de Lei Anticrime do Moro

Sérgio Moro, esse mesmo que se valeu do cargo de juiz para tirar do processo eleitoral o favorito Lula e, com isto, garantir a eleição que lhe renderia o posto de Ministro da Justiça, apresentou nesta segunda o seu Projeto de Lei Anticrime, uma miscelânea teratológica de medidas autoritárias que visam a alterar dispositivos de leis penais e processuais penais, com a esfarrapada desculpa de endurecer o combate ao crime.

O ministro, que em sua trajetória política iniciada com a perseguição ao ex-presidente Lula, já demonstrou não ser muito preocupado com o respeito à Constituição Federal e aos princípios assecuratórios do estado democrático de direitos, vale-se da cultura do medo, arraigada na cabeça da população, para validar as medidas de exceção inseridas no texto do projeto de lei apresentado.

Tive o desprazer de ler a íntegra do projeto e não posso dizer que fiquei chocado com o teor elaborado por um simpatizante de um governo fascistoide, que galgou sua carreira política disfarçado de agente do Poder Judiciário. Mas, se o texto não me causou espanto, não posso dizer que não me tenha causado medo.

Isto porque as alterações propostas pelo Ministro da Injustiça violam nitidamente a Constituição Federal, lei máxima na hierarquia do ordenamento jurídico do país, ao propor a presunção de inocência como uma exceção, não como regra. Além disso, retiram do direito penal sua natureza protetiva do delinquente em face dos excessos punitivos adotados pelo Estado, conferindo-lhe, antes, o caráter de mecanismo apto a legitimar o jus puniendi estatal, ainda que praticado em violação dos direitos humanos. Um dos exemplos disto é o texto que amplia o conceito de legítima defesa e inclui o "medo escusável" como elemento configurador da excludente de ilicitude, além de incluir proteção ao policial, dando-lhe total autonomia sobre o próprio ato, inclusive isentando-o de pena por homicídio cometido em atividade supostamente alegada como confronto.

Conforme introduzido acima, este projeto de lei ganha força quando a sociedade se deixa levar pela cultura do medo, à qual está exposto o "cidadão de bem". Trata-se do discurso amplamente divulgado pela mídia, que insiste em enfatizar, de forma não representativa de números reais, a prática de pequenos delitos, abordando-os em notícias sensacionalistas de forma reiterada, causando a impressão de que sua prática se dá rotineiramente em quantidade exponencialmente maior do que realmente acontece.

Este discurso, aliado à ausência de políticas públicas eficazes no combate às desigualdades sociais, quando capturados por candidatos ou agentes públicos, cujos interesses são ganhar a simpatia deste "cidadão de bem", massifica a ideia de que existe o "cidadão", aquele privilegiado que vive inserido no bojo da sociedade, e existe "o outro", o inimigo, aquele que, por não estar incluído na sociedade, vive dela à margem, passando a ser visto não mais como sujeito de direitos, mas como um sujeito que ameaça os direitos do cidadão, desestabilizando a suposta ordem social vigente.

Vejamos que tal ordem somente existe pelo ponto de vista de quem goza os benefícios da inclusão nos espaços urbanos ou rurais, estruturados de maneira a lhes garantir existência digna. Para aquele a quem as comunidades sociais institucionais viram as costas, nada resta como ordem, e qualquer movimento que eventualmente tente incluí-lo na sociedade, a fim de equilibrar as desigualdades, será visto como desordenador por aqueles cujas posições no grupo serão alteradas. 

Existe um abismo social que separa os "cidadãos" e "os outros", não somente de maneira ideológica ou simbólica, mas também de maneira física. É uma linha demarcatória de lugar, que cria uma fronteira, dentro da qual "o outro" não deverá estar.

Faço uma necessária digressão para comentar que nossa cultura foi criada valorando a noção de escassez, criando desde a mais tenra idade a ideia de competitividade para assegurar ao indivíduo aquilo que não pode ser para todos. Brinquedos na infância. Emprego, moradia, saúde, condições dignas de sobrevivência, na vida adulta. Essa valoração distorcida de que tudo o que existe não existe para todos mantém um suposto, mas inexistente, "instinto de sobrevivência". Assim, o "cidadão" passa a enxergar como ameaça não somente o ato delinquente, mas as próprias iniciativas estatais para redução da desigualdade. Em sua mentalidade de quem foi doutrinado pelo viés da concorrência oriunda da escassez, o acesso do "outro" àquilo que é "seu" o obrigará necessariamente a perdê-lo. E neste contexto, vemos a movimentação da sociedade para barrar políticas assistencialistas, mantendo a exclusão como norma, já que a inclusão do outro no seu espaço, supostamente trará concorrência, para o que quer que seja. É quando assistimos, chocados, a pessoas que se indignam quando o filho da empregada doméstica frequenta a mesma universidade que seu filho.

Assim, tem-se a fórmula ideal para sustentar projetos de lei com foco punitivo e não inclusivos, tais como redução de maioridade penal, aumento de pena ou criminalização de condutas. O medo incutido no "cidadão" leva ao desejo de afastar "o outro" do seu convívio, não importando os meios para tanto. A cultura do medo cria a figura do "inimigo", para quem será direcionado o Direito Penal.

É neste contexto que o projeto do Ministro oportunista Sérgio Moro ganha o apoio da parte conservadora da sociedade, fortalecendo a falsa ideia de um Estado atuante e eficaz no combate à criminalidade. O que este Estado de exceção faz, na verdade, é um trabalho de mascarar a realidade, mantendo excluídos os excluídos, que, se não permanecerão nos espaços urbanos que lhes são destinados, estrategicamente para mantê-los afastados - favelas e periferias - então, serão confinados em prisões. Para o "cidadão de bem", não fará diferença, desde que a ordem social em que está inserido não se veja afetada. É um caso clássico de fins justificando os meios.

Se aprovado o texto integral proposto pelo usurpador Moro, o que veremos será maior segregação das classes menos favorecidas, já que as alterações legais propõem o endurecimento de um mecanismo que já funciona meramente de controle social, o direito penal.

Deste modo, as políticas penais adotadas pelo governo ampliarão o alcance punitivo do Estado, dando-lhe poderes que deveriam ser refreados e não fomentados, sob pena de vermos crescer o totalitarismo em detrimento da democracia. Afigura-se, por conseguinte, notória a incoerência do governo que se elegeu com a proposta de reduzir e enxugar o Estado, vir agora alterar as leis para estender seu alcance com o único propósito de perseguir e afastar "o outro", o desfavorecido  pela estratificação social, alçado à categoria de delinquente por qualquer policial que autodeclarar a prática de homicídio por ato em confronto, ou o cidadão que usar a desculpa do medo escusável como pretexto para excluir a ilicitude do seu ato.

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