sexta-feira, 9 de março de 2012

Abandono

Há sempre um pouco de mágoa em escrever. Porque as palavras são ingratas com aquele que delas faz uso. É como uma amizade inconstante, que num momento se faz presente, dando tudo de si, ocupando todo os espaços vazios e oferecendo o conforto à solidão dos dias e das noites e de repente traz o abandono, desfazendo a esperança de que alongaria sua presença. Então, sem dizer sequer adeus, vira as costas e sai. Leva consigo a alegria de sua companhia e deixa em seu lugar somente a saudade e a incerteza sobre se um dia voltará.

Quem fica sofre. O medo de ser deixado para sempre torna ainda mais dura a negação da equação em que a soma do acostumar-se e do gostar era igual à felicidade por poder externar-se e desabafar. Então, gastam-se horas vazias, segurando em vão um lápis e um papel ou alisando com dedos vacilantes um teclado macio. É uma síndrome de abstinência, similar à que conduz o fumante a segurar entre os dedos um cigarro, ainda que apagado, somente para manter a longínqua sensação táctil do ato de fumar, que jamais substituirá o prazer inebriante da nicotina.

Deseja-se que as palavras abundem, mas elas apenas faltam. Assim, simplesmente. Como se jamais tivessem existido. Como se faltar fosse a única condição imposta em sua gênese para sua gênese. Até que o escritor adapta-se novamente à realidade do abandono, à insuficiência e à inexpressividade vocabular.

Mas, então, eis que surgem em profusão, fazendo crer novamente que vieram para ficar, brincando com os sentimentos sérios de quem se acostumou a ser abandonado, iniciando o eterno ciclo de idas e vindas.

Não há em quem escreve o orgulho dos apaixonados que, deixados pelo objeto de sua paixão e de seu desejo, lançam mão de jogos e estratagemas que os impedem de assumir aquilo que sentem. Ao contrário, quem escreve se humilha. Está sempre rastejando por qualquer sobejo lexical e o mínimo sinal da menor e mais essencialmente monossilábica palavra será suficiente para trazer o ímpeto de agarrá-la com sofreguidão, implorando, sem a menor dignidade, para que não vá embora.

Escrever é ser. E quem escreve só é enquanto o faz. Mesmo com o sofrimento e as vicissitudes inerentes à inconstância que é existir, aquele que escreve precisa estar sendo. Sempre. Ou terá por jazigo perpétuo o limbo sombrio de uma realidade sem a linguagem que o traduz sobre um pedaço qualquer de papel de pão, sulcado pelo caminho sinuoso que se abre à medida que suas curvas são construídas pela tinta de uma caneta.

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