Quando falo que sou comunista sempre aparece um idiota para dizer "se você é comunista, por que não doa tudo que é seu?" E eu sempre respondo que se eu doar tudo e ele não, não haverá comunismo. Normalmente, ainda completo com a frase "sou comunista, não franciscano".
O grande entrave no pensamento dominante que faz as pessoas fecharem os olhos às soluções coletivas como alternativas para transformação do mundo é justamente achar que tudo é sobre o indivíduo. Doe você. Faça você. Lute você. Mude você. Cuide você.
Para que o comunismo possa se consolidar enquanto organização da sociedade, é necessário antes transformar as mentes das pessoas para que entendam que as coisas não giram apenas em redor dos seus umbigos.
Tenho amigos que falam que não são gordofóbicos, mas que não se sentem bonitos quando engordam. "Não é gordofobia porque estou falando de mim", dizem. Como pessoas negras que juram não serem racistas quando alisam os próprios cabelos. "Não é racismo, é gosto, é sobre mim, não discrimino ninguém". E os gays homofóbicos que juram que não são homofóbicos, justamente porque, como são gays, acham que não seria possível agir com uma postura atentatória contra a própria existência.
Tudo isso só reforça a problemática da individualização da pessoa enquanto processo desagregador da coletividade. Inclusive, do ponto de vista moral, que limita como o indivíduo deve ou não se comportar, com base em valores meramente pessoais. Dane-se se você não se sente racista porque não está sendo babaca com terceiros, mas está apenas alisando seu próprio cabelo. O racismo que apontamos dentro de você não é sobre a sua conduta compassiva com o cabelo crespo de alguém, mas que lhe permite dispor do seu próprio como você bem quiser por ser o seu cabelo. O racismo dentro de você é justamente o que lhe move a intolerar sua própria forma de ser, mas para o qual você permite ser condescendente por acreditar que partindo de si para si, não há mal algum nisso. Não é sobre você agir correta ou incorretamente. É sobre como nosso comportamento naturalizado pelo pensamento dominante nos conduz a posturas que discriminam e privilegiam, independentemente da nossa vontade pessoal.
Comunismo não é sobre eu ter ou não ter bens, sobre ser bonzinho e dar tudo que tenho para os outros, abdicando do meu luxo ou meu capricho para provar que sou superior a você. Comunismo é sobre um grupo de pessoas viver de forma coesa através de uma teia colaborativa respeitadora da subjetividade de cada um dos seus membros, tendo como ponto de partida a noção de que todos têm o mesmo direito à vida plena. Desta forma, qualquer movimento tendente a desprezar a necessidade de existência plena de cada um deve ser rechaçado com firmeza.
É por isso que minha doação e sua caridade não são comunismo. São ações individuais que não mudam em nada a estrutura social. Sou comunista e não faço voto de pobreza. Meus votos são para que pobreza deixe de ser algo sobre a qual se pensar, por se tornar obsoleta quando a preocupação de cada será viver em função de todos.
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