quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Pequena fábula sobre o Lobo em pele de Cordeiro ou sobre a Hipocrisia disfarçada de Gentileza.

Era uma vez uma mocinha. Feia, desenxabida, sem noção. Não, não é sobre seus atributos físicos que iremos falar.

Era uma vez uma senhorinha.  Frágil, franzina, mas resistente. Não, não é sobre sua persistência que e trata este pequeno conto.

Mais parece um Hai Kai, tão diminuto que é.

O ônibus estava lotado quando a senhorinha entrou. A mocinha viajava bem acomodada, sentada em sua poltrona, provavelmente conquistada com unhas e dentes no primeiro ponto, de onde o ônibus ainda partiu quase vazio. A senhorinha, contorcendo-se entre os passageiros de pé, estacou no espaço em que cabia naquele corredor abarrotado, ao lado da mocinha feia e sem noção.

Os olhos das duas se cruzaram. Foi um rápido momento de confronto, quase uma acareação, entre aquelas duas desconhecidas. Quase instantaneamente, a mocinha baixou seu olhar para seu celular e continuou digitando freneticamente mensagens para alguém em algum lugar do planeta. A senhorinha seguia resoluta, altiva, orgulhosa por segurar a barra amarela, resistindo bravamente à força da gravidade em cada curva fechada que aquele ônibus cheio desenhava.

Assim, seguiram por cerca de quarenta minutos. Vez ou outra a mocinha levantava os olhos da tela do seu aparelho e chocava seu olhar com o da senhora que ali jazia de pé naquele Navio Negreiro que Castro Alves não ousou descrever.

Até que a gentileza se instaurou:

- Sente-se aqui, senhora - disse a mocinha já levantando, cedendo seu lugar, depois de viajar por cerca de quarenta minutos (faltava menos de quinze para a condução chegar ao seu destino final).

- Não, filha, obrigado. Logo vou descer - respondeu a senhorinha com sua voz delgada.

A mocinha mal conseguiu ouvir de longe suas últimas palavras, pois já descia os degraus daquele ônibus no ponto em que solicitara, segundos antes de ser acometida por aquele gesto de solicitude.

É. E ao final, não pareceu um Hai Kai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário