quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Olho por olho. E que tenham piedade de nossa alma

Estaria mentido se eu dissesse que a brandura das penas para um menor delinquente não me incomoda. Estaria mentindo se dissesse que não fico revoltado com o número de policiais mortos por criminosos pelo simples fato de serem policiais. Estaria mentindo se dissesse que vejo com indiferença a movimentação exaltada de alguns defensores dos Direitos Humanos quando um criminoso é vítima do sistema penal ou da ação de "justiceiros", e do modo silente e resignado com que estes mesmos defensores se ausentam quando um crime é praticado contra um trabalhador honesto. Estaria mentindo se dissesse que sou contrário à redução da maioridade penal.

No entanto, nada disso significa que eu vejo a redução da maioridade penal como uma solução viável no Brasil; que eu seja contrário à defesa dos Direitos Humanos; que eu seja indiferente à corrupção que existe dentre muitos policiais; que eu não creia que a injustiça social não transforma diariamente jovens em criminosos.

Vi muitos posicionamentos exaltados acerca do caso Eduardo Felipe Santos Victor, menor, 17 anos, morto por uma ação policial no Morro da Providência, na última semana de setembro, após os agentes da PM terem "plantado" uma arma em sua mão, para simularem uma legitima defesa, alegando que o menor teria atirado contra eles e que, somente por tal razão, eles teriam atirado no menor.

Vejo um sem-número de pessoas chocadas com a punição iminente aos policiais, alegando que o rapaz morto era bandido e que isto a mídia não mostra. A ideia de que o país tenha um criminoso a menos não me desagrada. Não serei hipócrita para dizer que sinto vontade de passar a mão na cabeça de pequenos delinquentes que circundam a região da Central do Brasil, a Avenida Rio Branco, a orla de Copacabana... O que também não me impede de vê-los, na maioria das vezes, como vítimas de um sistema excludente, que marginaliza o pobre, o preto ou o favelado. Não é este o cerne do debate aqui levantado.

Vejo agora a última bestificação máxima da raça humana, que se revelou com a cachina de Costa Barros, neste último sábado, na qual cinco jovens, pobres, negros, favelados, dois com passagem pela polícia, foram brutalmente assassinados com mais de cem tiros disparados contra o carro no qual se encontravam. E mantendo o posicionamento torpe de que dois deles tinham passagem pela polícia e que, por tal motivo, a atrocidade se justificaria, a sociedade desregrada busca chancelar a malfadada ação policial.

O que me impressiona é este costume que as pessoas ainda insistem em manter, de se nivelarem pelo patamar mais ínfimo da existência, justificando um mau ato por outro. Como se ambos se anulassem mutuamente e a prática de um passasse a ser validada pela imoralidade do outro.

Vi muitos levantarem dedos em riste, apregoando que a mídia insiste em mostrar os policiais cometerem um delito ao violarem a cena de um crime, mas que esta mesma mídia insiste em ocultar o fato de o menor Eduardo Felipe possuía um rol extenso de acusações, que inclui roubo, porte ilegal de arma e envolvimento com o tráfico. Aqui preciso abrir um parêntese para mencionar novamente a hipocrisia que nos rodeia: o que seria "envolvimento" com o tráfico? O preto favelado que transporta papelotes de cocaína é um envolvido. A patricinha da Zona Sul, branca e rica, que sobe o morro para comprar essa mesma cocaína não é uma envolvida? Hum, sei... Parêntese fechado. Outro parêntese: o que é "passagem pela polícia"? É ser fichado, sem ter contra si uma sentença transitada em julgado? É ter um registro de ocorrência contra si? Grande artistas idolatrados por nossa elite intelectual têm passagem pela polícia. Só para constar.

O fato de Eduardo Felipe ser ou não um delinquente confere ou tira a chancela do ato dos policiais? O fato de dois dos cinco jovens assassinados terem passagem pela polícia (que coincidência, por tráfico!) permite que sejam todos mortos por policiais ao retornarem para suas casas depois de um piquenique num parque? A sociedade que fecha os olhos e respira aliviada no caso do Eduardo, porque, ufa!, há menos bandido no mundo, parece não se dar conta de que há menos um criminoso, mas há mais quatro! No caso da Chacina de Costa Barros, há menos cinco jovens, mas, há outros quatro! Quatro policiais que agiram com uma conduta reprovável ao plantarem uma prova falsa, conduta que deve ser punida, sim, e para a qual não há justificativa! Quatro outros policiais que metralharam um carro, cometendo um crime bárbaro, sem nenhuma possibilidade de ser minimamente explicado. Na matemática do crime, a sociedade parece não se dar conta de que houve um acréscimo de oito criminosos em vez de um decréscimo de um, além de outros dois "com passagem". E que nesta operação de cálculo simples, sobram cinco!

Até quando essa gente vai continuar se nivelando pela escória? Até quando nossa sociedade vai achar justa a prática um crime absurdo como plantar uma falsa prova para justificar um assassinato, independentemente da conduta pregressa da vítima? Até quando a sociedade vai se calar diante de uma chacina na favela pelo fato de ter sido na favela?

Não me pergunte se tenho pena de menor delinquente e não me peça para levá-lo para casa. E por isto mesmo, não me peça para aplaudir os oito policiais que, em nada diferem daqueles em quem atiraram. A não ser pelo fato de terem a chancela que você lhes confere. Seu mandante!

Nenhum comentário:

Postar um comentário