terça-feira, 8 de março de 2011

Pânico de semiconhecidos

Quem não tem um semiconhecido? Semiconhecidos são seres estranhíssimos. Um tipo de gente que você sabe quem é, mas não entende a razão de ser. É a pessoa que poderia muito bem não existir, pois não te fará falta. Mas existe e você tem pânico só de pensar em um encontro constrangedor. "Não te conheço de algum lugar?". Você fica apavorado e sorri, sem graça (mas sem a menor ideia de quem é aquele ser) "É claro! Tudo bem com você?", você respira aliviado. Livrou-se do semiconhecido sem mostrar seu lado mais relapso, sem demonstrar que simplesmente não sabe quem é. Mas os semiconhecidos são terríveis e insistentes. "Ah, você não deve lembrar de mim, né? Sua espinha gelou. Sua cara de "mas, hein?" o traiu! Mas você é elegante. "Ora, claro que lembrei! Claro que nos conhecemos!" Ufa, escapou de novo. mas não se deu conta de que moveu seu último peão antes do xeque-mate. "E é de onde mesmo que a gente se conhece?"
O semiconhecido é aquele parente distante que só aparece nas festas de fim de ano, cujo laço você nem consegue descrever, pois não sabe mais qual a relação familiar existente entre vocês, puxa um papo sem pé nem cabeça e sempre cita nomes de outros parentes semiconhecidos, de quem você também não lembra. É o vizinho para quem você mal dá bom dia, e que você finge não ver quando encontra na rua, tentando mesmo atravessar para o outro lado, mas o destino impele as partículas de vocês em direção umas às outras, e você se rende, vencido, quando acontece sempre o mesmíssimo diálogo "Opa! Beleza?" "E aí?". É aquela pessoa que você catou na internet e cometeu a imbecilidade de marcar um encontro, para descobrir que não há a menor afinidade entre vocês, mas você não sabe mais como se livrar. É o amigo de infância que tomou um rumo diferente do seu e que, num dia, vocês se vêem ao acaso e descobrem que não conseguem mais conversar...
Há um tipo de semiconhecido que sempre te deixará numa saia justa, independemente de qualquer tentativa sua para evitá-la!
Na mais tenra infância vocês ficaram sem se falar, por alguma bobagem que só crianças mesmo podem justificar. Por causa disso, vocês cresceram e cada um tomou um rumo. Nunca mais se viram, tampouco se falaram... Mas a vida é um rato que passeia pela sua sala (li isso hoje, no MSN de um amigo) e, por mais voltas que ele dê, sempre acabará passando sob o mesmo sofá.
Então um dia, anos mais tarde, você encontra essa figura e por uma obrigação social de ter maturidade - porque as pessoas em sua volta não entenderão o fato de você insistir em alimentar uma rixa por algo que ocorreu mil anos atrás e que nem você mesmo lembra o que foi, e ainda vão te criticar por isso - você se força a colocar a mão na consicência e pensa, tentando enganar a si mesmo, dizendo-se que você cresceu, que virou gente grande e, como se nisso houvesse qualquer relação obrigatória de causa e consequência, que você amadureceu: "não faz sentido continuar sem falar com ele por causa de briga de criança".
E aí, ele te olha por um longo e constrangedor momento. Longo o bastante pra você se tocar que não dá mais para virar o rosto e fingir que não o viu, pois ele sabe que você o viu, sim! Rendido, sem alternativas, você se apercebe apenas que está acontecendo, sem que você possa evitar, uma troca de sorrisinhos forçados, de cuja existência você é incapaz de compreender o sentido. Mas você respira aliviado, pensando "ufa, passou, agora vou atravessar a rua". Mas para seu espanto, ele te encara e diz: "Tudo bem, cara?" (é sempre cara, pois vocês sequer se lembram do nome um do outro). E emenda imediatamente: "Quanto tempo! A gente nunca mais se falou, desde que aquela bola bateu na trave, lá no campinho!".
É nesse momento, após um átimo de segundo, no qual você faz um retrospecto de toda a sua vida pregressa, que você chega à constatação mais aterrorizante daquele encontro: "Que diabos vou falar com essa pessoa agora?"
Veja o impasse em que você se meteu! Se você não falar nada, ficará por toda a eternidade se martirizando, sentindo-se imaturo por não ter superado um fato que ocorreu quando você ainda acreditava em bicho-papão. Se você tentar falar, descobrirá que ficará sem assunto e não falará nada mesmo e, muito embora tenha a consciência limpa por ter tentado fazer sua parte, as pessoas à sua volta só registrarão que você não falou, e te acharão totalmente blasé.Logo você continuará sendo visto como imaturo por não ter superado um fato que ocorreu quando você ainda acreditava em bicho-papão.
Por fim, se você consegue ultrapassar todas as barreiras do passado e dar um sorriso sincero, percebendo até que aquele seu ex-inimigo-mortal-dos-tempos-da-cabra-cega pode ser gente boa e você acredita piamente que pode até criar um vínculo de amizade, pois aquele encontro não aconteceu por acaso, sempre haverá aquele maldito semiconhecido da mesma época, que testemunhou o exato momento em que a tal bola bateu na tal trave ali no tal campinho para lhe apontar o dedo na cara e dizer: "Como você é falso! Todo mundo sabe que vocês sempre se odiaram!"

Um comentário:

  1. Nunca tinha parado pra pensar nesses 'semiconhecidos'e o incrível é que todo mundo conhece o tal sujeito...
    Você escreve muito bem. Parabéns!!
    Beijos.

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