sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Numa Sociedade Comunista, The Voice Seria Desnecessário

Coisa perversa é um programa televisionado que mostra talentos desperdiçados por falta de espaço para todos, com apenas um vencedor ao final, a despeito de todos os outros músicos que vão ficando para trás a cada etapa. É uma metáfora para o próprio capitalismo, que não permite que tantos talentos em tantas áreas diversas sejam descobertos e aproveitados, porquanto as pessoas estão ocupadas demais trabalhando metade do seu dia para enriquecer alguém enquanto tentam sobreviver.

Você sabe por pintar telas, mas não desenvolve seu talento porque seu tempo dirigindo Uber não permite. E você sabe que enquanto trabalha feito um cavalo de arado, só pode soltar sua voz do videokê do boteco da esquina naquele sábado à noite que você tira para se divertir antes de outra semana árdua com uma mesa cheia de relatórios.

O The Voice é uma competição, uma jogo organizado para eliminar, deixando claro que o prêmio não é para todos. E não raro achamos injusta a premiação, pensando que Fulano ou Beltrana, que foram eliminados, eram melhores que quem venceu a competição. Serão pessoas esquecidas da mídia, que deixarão de lado seu sonho de cantar porque não têm no programa espaço para todos. Que voltem para suas casas e se percam atrás de um balcão de farmácia ou criando sistema informatizados enquanto se frustram por não poderem exercer o canto como atividade profissional.

Em uma sociedade organizada com uma divisão de trabalho equânime, voltada para atender às necessidades das pessoas em vez de servir à acumulação de capital por uns poucos, todos trabalharíamos menos, explorando melhor nossas afinidades e vocações, já que haveria trabalho para todos. Nosso dia seria nosso e não do nosso chefe. E não haveria necessidade de concorrermos por um lugar ao sol, visto que seríamos todos recebendo igualmente sua luz e seu calor. Parece um sonho. E é. E será irrealizável dentro do capitalismo, que é um sistema feito para tolher seus sonhos enquanto te esmaga lentamente a cada fim de expediente de um trabalho ingrato que você executou em silêncio porque se reclamar perde a vaga. E não há espaço para cantar.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Não é hora de criticar

— Ain, não é hora de criticar. Isso vai dar munição para fortalecer o outro lado.
— Ué, e quando será a hora de criticar?
— Quando estivermos suficientemente fortalecidos.
— E quando estaremos?
— Quando o outro lado estiver enfraquecido.
— E quando o outro lado estará enfraquecido?
— Quando tivermos uma base forte.
— E quando teremos essa base forte?
— Quando fizermos as devidas críticas!
— Mas, quando poderemos criticar, se nunca é hora?!
— Não é que nunca seja a hora. Só que agora não é.
— E quando será?
— Quando estivermos suficientemente fortalecidos.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

"Terrorismo" não é mais que forma. Precisamos atacar o conteúdo

"TERRORISMO" NÃO É MAIS QUE FORMA. PRECISAMOS ATACAR O CONTEÚDO.

Sim, eu também chamei os vagabundos golpistas de terroristas por estarem promovendo uma balbúrdia na capital federal, incendiando ônibus e invadindo a sede da Polícia Federal. Mas, olha, eu também faço merda, tá? E faço aqui a mea culpa. Passado o calor do momento, a estupefação diante das imagens, a raiva diante da hipocrisia desses reacionários, chega a hora de falar racionalmente. E chamar esses golpistas de terroristas é um erro.

Fazendo também a minha autodefesa, esclareço que quando me referi a essa gente como terrorista foi muito mais para questionar a eles próprios sobre sua falta de princípios de quem nunca fez nada pela população indígena senão apoiar o agronegócio que os mata, mas que usou a prisão do cacique bolsonarista Tserere como pretexto para dizer que "lideranças indígenas estão sendo perseguidas" pelo mesmo Estado que vem fazendo cafuné em suas cabeças desde que começaram a contestar suas instituições. Privilégios do poder de consumo, da branquitude, de residir onde o CEP é socialmente aceito... Foi neste intuito, aliás, que endossei o coro de quem perguntou "e se fosse o PT?" ou "e se fosse na favela?" ou "e se fosse o MST ou o MTST?" ou "se fosse o Galo incendiando estátua de genocida?" Em nenhum momento questionei a legitimidade das ações praticadas por estes grupos, mas sim, o tratamento diferenciado concedido pelo Estado, que certamente não agiria da mesma forma se as manifestações fossem por aumento salarial para professores ou profissionais da saúde ou contra a violência policial em Paraisópolis ou no Jacarezinho.

Quanto à forma, penso que nenhuma força política cederá espaço de poder respondendo a um pedido "por favor". Luta é luta e os movimentos sociais por direitos iguais e redistribuição de riqueza devem chegar chutando porta se quiserem se ouvidos. Se é para chamar atenção e mostrar força, que incendiemos tudo mesmo. Se não criarmos o caos para eles, não teremos deles um passo para trás. E seríamos chamados de terroristas por isso.

O que é terrorismo? É agir com violência promovendo conflitos capazes de produzir sofrimento a quem tem o poder nas mãos, de tal forma que, diante da demonstração de força de quem pleiteia, os detentores abram mão do poder do qual são detentores. A definição legal de terrorismo no Brasil, de acordo com o artigo 2º da lei nº 13.260/2016, retira dos seus elementos constitutivos a correlação de forças inerente ao tipo de conflito em análise, esvaziando-o ao defini-lo como a "prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública." Em outras palavras, é a violência gratuita generalizada, independentemente de quaisquer motivações para ser praticada.

Sou crítico dessa lei, aprovada no governo Dilma em março de 2016, poucos meses antes do golpe que a destituiu da presidência da república, justamente por que, ao focar apenas na forma dos atos, ignorando as motivações a eles subjacentes, abriu espaço para que movimentos sociais legítimos pautados nas lutas sociais de quem é e foi oprimido pelo próprio poder estatal, pudessem ter suas manifestações enquadradas como atos terroristas, a despeito do teor do § 2º do artigo já mencionado. Embora o § 2º do artigo 2º exclua do tratamento previsto pela lei os atos praticados com "propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais", o ordenamento jurídico brasileiro, sistematizado por inúmeras leis que se entrecruzam mantém tipificações penais em legislações esparsas para que estes atos possam ser punidos criminalmente.

Voltando à questão das manifestações em Brasília, quando quisermos entender para além da forma, devemos sempre nos perguntar o porquê. A apreensão do conteúdo impulsionador de uma forma se dá quando, ao nos depararmos com a execução desta mesma forma, perguntamos os motivos pelos quais tais atos estão sendo praticados. Assim, não basta enquadrarmos incêndio a ônibus ou invasão de prédio público como ato terrorista. Essa e a forma, ou o meio pelo qual os grupos bolsonaristas estão se manifestando. Quando nos perguntamos por que, então sim, podemos responder que é pela manutenção de um governo derrotado pela vontade popular, que durante os últimos quatro anos, produziu inúmeras crises políticas, econômicas, sociais, que gerou desemprego, miséria, que promoveu violência no campo, assassinatos de lideranças indígenas e/ou campesinas, e que garantiu a acumulação de capital para a burguesia, enquanto gente fazia fila em porta de açougue para catar osso. Já são motivos suficientes para que estes atos sejam criticados, combatidos, enfrentados e seus agentes punidos.

Ah, Guto, mas eu quero ver essa gente presa. Quero que eles paguem, até porque se fossem moradores da Maré fazendo isso, a polícia já teria atirado nuns vinte.

Você é muito gentil. Eu não gostaria de vê-los presos, gostaria de vê-los fuzilados e acho que não há mal algum em desejar sua punição. O perigo é você acabar resvalando para o legalismo, adotando uma visão positivista sobre a norma criada pelo Estado que almejamos destruir. Cada vez que bradamos que "se colocaram fogo, são terroristas e devem ser punidos na forma da lei", estamos ratificando o teor da uma norma emanada pelo mesmo Estado que nos prende e nos mata quando fechamos ruas para lutar por mais saúde ou mais saneamento básico ou para impedirmos cortes de investimento na educação pública.

Podemos mesmo equiparar lutas por direitos sociais e melhores condições existenciais para populações vulnerabilizadas com a luta deles pela manutenção de um sistema que proporciona exatamente as condições que lutamos para combater, porque ambas, supostamente adotam uma mesma forma, que é a propagação do caos mediante perturbação da ordem pública? Se fechamos uma rodovia para protestar pela prisão do Rafael Braga por transportar em sua mochila desinfetante e água sanitária, estamos fazendo "a mesma coisa" de quem fecha rodovias para manter um genocida no poder? Fechar rodovias é uma forma equivalente. O conteúdo por trás é quem faz diferença.

Então, sim, eu quero ver punido cada um dos incendiários de Brasília. Não por incendiarem a propriedade privada alheia, que eu quero mais é que exploda. Mas, porque eu defendo um Estado organizado pela e para a classe trabalhadora. E já vimos que quem financia esses atos são grandes empresários de diversos segmentos, que não estão alinhados aos interesses dos trabalhadores.

Botar fogo em tudo não deve, por si só, ser ato punível. Antes, deveria ser ato copiado por quem pretende derrubar o sistema que a extrema direita se propõe a manter.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Não é para você que o Estado trabalha

"Guto, você sempre fala esse lance de que o Estado trabalha para a burguesia, mas não consigo visualizar isso sem um exemplo prático."

Vamos lá... Se você for pequeno empresário e estiver devendo a um banco, poderá ser alvo de ação de cobrança por parte da instituição financeira credora. Se não tiver bens que possam quitar a dívida, poderá ter sua cota na empresa bloqueada por determinação judicial, conforme artigo 835, IX, do Código de Processo Civil.

Se você, pessoa física for cotista de 50% do capital de uma pequena empresa, essa empresa poderá ter 50% de suas contas bloqueadas para pagamento ao banco. Já é injusto que um grande conglomerado financeiro possa, em nome da propriedade privada, prejudicar as atividades de uma pequena empresa, tendo em vista todos os impactos sociais que isso pode gerar com a paralisação das suas atividades. Mas, acredite, piora: com o caixa bloqueado você, pequeno empresário — que não é burguês, acorda!!! — pode até ficar impedido de quitar com as obrigações da sua empresa perante seus funcionários.

Na prática, os empregados da empresa, que nada têm a ver com a relação entre cotista devedor e o banco, fica sem receber seu salário, o que põe em risco sua própria subsistência. Em resumo, a lei processual que permite que um trabalhador fique sem salário porque seu patrão deve ao banco, é uma norma emanada pelo Estado. E o Estado, ao permitir que o trabalhador deixe de receber pelo fruto do seu trabalho porque o banco precisa receber da pessoa física está dizendo que a verba de natureza alimentar devida a um trabalhador é menos importante que o dinheiro que uma instituição financeira tem para receber. Entende agora para quem o Estado trabalha? E que não é para você?

Quem quer destruir a família?

"Não posso trabalhar porque não tenho dinheiro para creche e não tenho com quem deixar as crianças."

Isso acontece porque na sociedade capitalista a atividade de cuidado com as crianças vira uma mercadoria e passa a ser cobrada. E a sobrevivência dessa família também vira mercadoria e é por isso que você vende sua força de trabalho. O capitalismo cria essa contradição: trabalhar para garantir o sustento, sem ter como cuidar da prole ou cuidar da prole mas não ter dinheiro para alimentar, vestir, educar, morar.

Em uma sociedade comunista, o cuidado pode ser compartilhado. Imagina se você pudesse sair de casa para exercer sua atividade profissional enquanto pessoas da sua vizinhança cuidam das crianças por terem afinidade com a tarefa e não por necessidade financeira, com todas as pessoas envolvidas tendo condições de sobrevivência, visto que as riquezas produzidas nesta sociedade seriam compartilhadas por todos em equidade. É essa sociedade que o capitalismo representado pela direita insiste em dizer que é uma ameaça perigosa.

Quando falarem que o comunismo vai destruir a família, entenda: o comunismo criará condições de desfazer as estruturas sobre as quais as famílias hoje se organizam, proporcionando condições de novos arranjos familiares de acordo com a conveniência e os interesses de todos os envolvidos.

Agora pense aí, o capitalismo obriga você a viver longe dos seus filhos para poder comprar os itens necessários à sobrevivência deles, que crescerão afastados de você e sentindo os impactos da sua ausência. Ou você troca essa ausência pela falta de dinheiro e obriga sua família a morrer de fome. Quem quer mesmo destruir a sua família?

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Quem cresce sozinho é bebê tartaruga

"Ain, tudo que tenho consegui sozinho! Nunca dependi de política!"

Amiguinho, negócio é o seguinte. Sozinho quem cresce, quando consegue, é o bebê tartaruga, que é jogado dentro do ovo na areia pela mãe que mete o pé e que, quando nasce, vai direto para o mar. Se quando você nasceu, alguém te pegou no colo e te deu um banho, você já não fez nada sozinho. E se quando você nasceu, teve oportunidade de ter alguém cuidando de você, isso já se dá por interferência política. Há lugares ou houve épocas em que isso é ou foi um privilégio.

Então, para de babaquice de achar que tu consegue tudo sozinho porque sozinho tu teria morrido. Você só existe porque construíram ao seu redor uma teia de relações que te atravessaram antes mesmo de você abrir os olhos. Sabe o que isso significa? Que ainda que tu quisesse ter conseguido tudo sozinho, não teria rolado porque você não teria sobrevivido nem às suas primeiras 24 horas. E isso é também política.

Como é ter HIV na Coreia do Norte?

VOCÊ SABE COMO A COREIA DO NORTE LIDA COM O HIV? E O BRASIL, VOCÊ SABE?

Algumas semanas atrás, através de um canal que sigo no YouTube, tomei conhecimento sobre a entrevista do Lucas Rubio no A Deriva Podcast, no qual ele falava sobre a República Popular Democrática da Coreia. Lucas Rubio é o Presidente do CEPS-BR, Centro de Estudos da Política Songun - Brasil, organismo dedicado ao estudo, discussão e disseminação da República Popular Democrática da Coreia, popularmente conhecida no Ocidente como Coreia do Norte, e dos seus pilares filosóficos e práticos: a Ideia Juche e a Política Songun.

Quem falou sobre a entrevista foi o Ian Neves, do canal Cortes do História Pública, canal de produção de conteúdo marxista para quem se interessa pelo tema. E na apresentação do evento, ao mencionar a profundidade do conteúdo, o Ian dizia, que "não importava qual seria a dúvida do espectador, certamente o Lucas Rubio a abordaria e a esclareceria".

De fato, as cinco horas de exposição sobre a Coreia que o Lucas apresentou no podcast foram talvez o conteúdo mais completo que eu já tenha visto sobre aquele país socialista, tendo realmente abordado uma gama imensa de temas como moradia popular, militarização do Estado, isenção tributária, taxas de emprego e desemprego, dentre muitos outros assuntos, esclarecendo e desmistificando a visão ocidental propagada por veículos tendenciosos de mídia a serviço de forças contratrevolucionárias.

Atualmente venho me aproximando de movimentos sociais de enfrentamento ao HIV/AIDS. Em um intervalo muito curto de tempo, uma pessoa muito próxima faleceu de complicações decorrentes da AIDS, diagnosticada tardiamente, e eu comecei a me relacionar com uma pessoa que vive com HIV, ativista da causa, o que fez com que eu me aproximasse, ainda timidamente, desse movimento, frequentando reuniões e tomando conhecimento de debates acerca de questões envolvendo a infecção pelo vírus. Estar num relacionamento sexual-afetivo sorodiferente, pouco tempo depois do diagnóstico tardio da pessoa que mencionei acima, e que veio a falecer, me trouxe um pouco mais de interesse pela causa, o que fez com que a pauta sobre HIV/AIDS começasse a estar mais presente nos assuntos do meu interesse. Assim, quando o Ian Neves comentou que na entrevista sobre a Coreia Popular, o Lucas Rubio tiraria qualquer dúvida, o primeiro pensamento que me veio foi "como é a questão da saúde pública na Coreia do Norte e quais são as políticas adotadas naquele Estado acerca de HIV/AIDS?" A pergunta surgiu junto com outra: "como o Estado coreano lida com a temática sobre direitos de pessoas LGBT?"

Sem necessariamente me surpreender, a entrevista não me tirou as duas dúvidas iniciais que me atravessaram, o que me fez pensar sobre como estamos tratando a questão sobre HIV/AIDS no nosso dia a dia. Pus-me a refletir sobre o assunto e percebi que o Ian Neves, ao citar a entrevista do Lucas, mencionando-a como apta a esclarecer todas as nossas dúvidas, simplesmente não cogitou a possibilidade de que uma dúvida sobre políticas de enfrentamento ao HIV/AIDS pudesse ser levantada. E não se trata aqui de demonizar o Ian Neves por sequer ter cogitado que a pauta sobre HIV/AIDS pudesse ser levantada, mas de criticar como nossa sociedade trata da questão.

O Ian é um professor de história e comunicador digital de esquerda radical, que demostra ter uma visão bastante empática e inclusiva, voltada à formação de pensamento emancipador para a classe trabalhadora, incluindo questões de pautas antirracistas, antipatriarcais, anti LGBTfobia nos debates que propõe em seu canal do YouTube. Não se trata aqui de acusá-lo de ter sido insensível ou alheio aos debates sobre HIV/AIDS, mas de questionar como se disseminam as informações acerca do tema na nossa organização social. É sobre a nossa estrutura educacional, de informação e de formação, e sobre o quanto essa estrutura permite ou não que debates sobre HIV/AIDS cheguem ao conhecimento das pessoas.

Falo da minha própria experiência. Embora não fosse uma pessoa completamente alienada de toda informação sobre HIV/AIDS, o tema não fazia parte dos meus assuntos cotidianos de discussão. E, se não tivesse passado pela experiência de perder alguém próximo e se não tivesse namorando uma pessoa que vive com HIV, muito provavelmente eu estaria até hoje distante de questões que hoje fazem parte das minhas conversas, leituras, preocupações e Cristo, e que foram trazidas por conta do movimento social do qual venho me aproximando, em especial do Grupo Pela Vidda - RJ que faz um belíssimo trabalho de prevenção, conscientização e acolhimento de pessoas que vivem com HIV. Hoje, a maior parte das pessoas com quem convivo, muitas das quais na lista dos amigos mais próximos, vivem com HIV e, graças a elas venho aprendendo um pouco sobre o tema, integrando-o com minha visão marxista da política. Mas, até bem pouco tempo atrás, se alguém me pedisse para levantar qualquer dúvida sobre a República Popular Democrática da Coreia, tenho absoluta certeza de que eu HIV não seria minha primeira questão. Não falamos sobre HIV no almoço de família, não falamos sobre HIV nas redes sociais, não pensamos no assunto quando não o vivemos.

Dezembro é o mês de conscientização sobre HIV. O Dezembro Vermelho, campanha instituída pela Lei nº 13.504/2017, marca uma mobilização nacional na luta contra o vírus HIV, a AIDS e outras IST (infecções sexualmente transmissíveis), chamando a atenção para a prevenção, a assistência e a proteção dos direitos das pessoas infectadas com o HIV. Acabei de participar do XX Vivendo - 20º Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV, evento de caráter multidisciplinar promovido pelo Grupo Pela Vidda - RJ no qual se relacionam a vivência das pessoas com HIV e AIDS, as contribuições da medicina e as discussões sócio-políticas e éticas. Foram realizadas mesas redondas, painéis de discussão, oficinas e outras atividades que procuram levantar questões atuais para quem vive com HIV/AIDS, constituindo-se como um importante fórum de capacitação e de intercâmbio entre pessoas de todo o Brasil.

Para mim, foi um importante evento que me permitiu estar por dentro de discussões sobre dados estatísticos sobre infecção, diagnóstico, adesão a tratamento, políticas públicas para garantir o direito à saúde, fornecimento de medicamentos pelo SUS, questões sobre patentes e interesses das indústrias farmacêuticas por trás das políticas de Estado implementadas no Brasil. Das pautas levantadas, pude observar que a falta de informação sobre o tema fora dos movimentos sociais ainda é um problema sério a ser enfrentado, em especial como medida de enfrentamento à estigmatização social que se impõe sobre pessoas que vivem com HIV. E que mesmo no mês de dezembro, quando supostamente se deveria falar mais sobre o assunto, os debates acabam restritos a poucos fóruns de discussão que não chegam como deveriam à maior parcela da população.

A partir disso, fica fácil entender que mesmo pessoas antenadas sobre inúmeras causas sociais, como o Ian Neves e o Lucas Rubio, não aventaram sequer mencionar como a República Popular Democrática da Coreia - RPDC lida com HIV/AIDS e quais são as políticas adotadas por aquele Estado: o que não é visto não é lembrado.

Hoje já sei por informação divulgada em 2019 pela UNAIDS Brasil que a chamada Coreia do Norte não se encontra na lista dos 48 países do mundo que impõem algum tipo de restrição no trânsito e na permanência de pessoas com HIV em seu território. Em 2015, ainda segundo informações da UNAIDS, era um dos 17 países que deportavam pessoas com HIV. Ainda não tenho informações sobre produção e distribuição de remédios pelo sistema público de saúde da República Popular Democrática da Coreia para pessoas que vivem com HIV, mas estou pesquisando. A informação combate o preconceito, tanto o que se manifesta pela xenofobia e racismo que recaem sobre questões envolvendo a República Popular Democrática da Coreia, quando a sorofobia e os estigmas sociais que recaem sobre pessoas que vivem com HIV.

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O Grupo Pela Vidda - RJ é uma organização sem fins lucrativos e se mantém através de contribuições da sociedade. Doações podem ser realizadas por meio de depósito informado, transferência bancária), para a conta no Banco Bradesco Agência: 0468, C/C: 165.355-5, ou pelo PIX, pela chave CNPJ 35798651/0001-53.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Lula não é de esquerda

LULA NÃO É DE ESQUERDA E PRECISAMOS SEMPRE FALAR SOBRE ISSO

Tem gente que parece que ainda não entendeu: Lula não fará um governo de esquerda. Nunca fez, na verdade, embora tenha tido alguma contribuição para incluir o pobre na sociedade através do consumo. Tô nem entrando no mérito de que as políticas adotadas por Lula permitiram o crescimento de grandes conglomerados econômicos e, consequentemente, o sucateamento do estado e a mercantilização de direitos, como saúde e educação. Foca no pobre que pôde comer picanha e cerveja.

Ainda para esse público que foi beneficiado nos dois governos, o próximo mandato de Lula não será igual. O próprio presidente já declarou que seu governo será de frente ampla – não à toa seu vice é o ladrão de merenda Alckmin – e sabemos que frente ampla no Brasil significa abrir a porteira para pautas neoliberais passarem. Já vemos a mídia batendo no Lula antes mesmo dele tomar posse, por declarações mínimas como a de que o pobre precisa comer. O mercado, tadinho, ficou melindrado. Sensível demais esse tal mercado. A imprensa burguesa se refestelando em cima das falácias do rombo no caixa e da responsabilidade fiscal. Vai piorar em 2023.

Veremos um Lula amarrado pelas exigências do grande empresariado, que não quer direitos para pobre. Veremos uma imprensa vendida, cúmplice desse empresariado, pressionando o governo a cada eventual tentativa de furar o teto de gastos para garantir ao pobre o direito a três refeições por dia, à saúde e à educação. Veremos um governo sujeitado a essa pressão midiática, de cabeça baixa para os mandos do tal mercado, que é quem governa de fato. O resultado dessa miscelânea? Um Lula à direita fazendo um governo de austeridade.

É preciso deixar sempre, sempre muito evidente no nosso discurso qual a posição do presidente eleito no espectro político entre esquerda e direita: Lula vem aí mais à direita do que nunca. E por que precisamos lembrar disso? Porque daqui a alguns anos, talvez meses, enquanto estaremos vivendo no aperto oriundo da junção da terra arrasada deixada por Bolsonaro com a manutenção do teto de gastos e consequentemente com a falta de investimentos públicos em direitos sociais, veremos a imprensa lixo bater na tecla de que "a esquerda no poder" deixou o Brasil em maus lençóis. Mas, não haverá uma esquerda no poder! A demonização da esquerda será um combustível forte para a ascensão da extrema direita, que segue organizada e à espreita para o próximo bote.

A esquerda precisa dizer o seu nome e se afastar da imagem do Lula, fazendo oposição a todas as medidas que ele vier tomar para que sirvam de afago na cabeça desse mercado chorão que não quer dar ao pobre nem cerveja nem picanha.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Somos oito bilhões

Chegamos a OITO BILHÕES de habitantes no mundo. Com a exploração capitalista que insiste em transformar a natureza na mercadoria Natureza®, o planeta não suportará a quantidade de habitantes. Quando se levanta a questão, dez entre dez idiotas reacionários eugenistas de extrema direita (sim, é redundante, eu sei) dizem que basta o pobre parar de fazer filho para o planeta suportar. Claro, esse idiota reacionário não é o burguês. É o reacinha classe média que disputa vaga na universidade e não passa por ser incompetente, mas jura que a culpa é do preto pobre cotista. É o profissional medíocre que perde a vaga para a mão-de-obra qualificada do cubano e jura que a culpa é desse negócio aí de receber refugiado, em vez de fechar as fronteiras para esse povinho que vem roubar nossas vagas de trabalho. É classe média. É a porra do fudido assalariado de classe média, que foi criado por uma mãe solo sem saber o quanto ela ralou para permitir que ele estudasse e se formasse. E ele jura que basta o pobre parar de nascer para que o planeta dê conta de tudo. Ele não é burguês e jura que o Brasil está tomado por comunistas. Para ele, basta o pobre parar de fazer filho. Se tivesse estudado o mínimo, saberia que o mercado precisa do filho do pobre nascendo a todo instante para garantir que a mercadoria Filho-de-Pobre® continue existindo e sendo vendida a preço de uma corrida de ifFood para continuar sendo a mão de obra barata que produz a riqueza para o burguês acumular enquanto continua explorando o planeta, até torná-lo insustentável para oito bilhões de habitantes.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

O terrorismo do grande capital

A URSS foi desmontada em 1991. Era a maior e mais antiga experiência socialista do mundo e fazia frente ao imperialismo estadunidense, travando com os EUA uma guerra ideológica que dividiu o mundo em dois, a Guerra Fria. De um lado a propaganda capitalista e anticomunista a serviço da burguesia, tentando sufocar as experiências socialistas no mundo, promovendo boicote ideológico para impedir seu avanço e a consequente destruição da burguesia enquanto classe dominante. Do outro lado, estados organizados pela classe trabalhadora resistindo à dominação burguesa e avançando sua zona de influência para tornar internacional a experiência socialista.

A URSS negociava e financiava outros estados socialistas, sendo a maior parceira comercial de países como Cuba e República Popular Democrática da Coreia, vulgarmente conhecida no ocidente como Coreia do Norte. Quando a União Soviética foi desmontada em 1991, a Coreia do Norte perdeu sua maior fonte de financiamento. Localizada em uma área rochosa e montanhosa no extremo leste asiático, a RPDC não possui grande área agricultável, enfrentando dificuldades para produzir alimentos para a própria população. Nos anos de 1995 e 1996, a RPDC sofreu violentas inundações que destruíram as poucas lavouras existentes. No ano seguinte uma grande seca jogou uma pá de cal nas possibilidades norte-coreanas de produzir sua comida.

Durante este período de grande fome na RPDC, os Estados Unidos bloquearam o acesso a combustíveis naquele país, parando mais de 70% de suas fábricas, impossibilitando-a de produzir qualquer coisa. A Coreia do Norte amargou um período de grande fome, conhecido como Árdua Marcha. Pessoas que nasceram no começo dos anos 90 e só conheceram a escassez de alimentos facilmente se tornaram detratores de um forma de organização sociopolítica sabotada pelos EUA. Mencione-se ainda que, durante este período, a RPDC tentou obter ajuda internacional solicitando financiamento ao FMI, o que foi recusado pelos EUA, que é quem manda de fato na instituição.

Fiquem então com este resumo: durante uma fase de escassez de alimentos para toda a Coreia, os EUA lhe impuseram ainda mais dificuldades, com o objetivo de asfixiar um regime enquanto promovia o assassinato de uma população inteira pela fome. Hoje, toda vez que alguém lhe disser que as experiências socialistas registram fomes e dificuldades financeiras para suas populações, lembrem-se da Árdua Marcha e de como o capitalismo e toda a hipocrisia estadunidense com sua propaganda sobre liberdade matam populações inteiras.

Eu não sei você, mas quando uma força política impõe sofrimento para uma parcela de uma população com o objetivo de coagir outras forças políticas a adotar em determinadas medidas, eu chamo de terrorismo. E quando um país terrorista como os Estados Unidos se postam como salvador do mundo por combater o terrorismo, eu chamo de hipocrisia. Isso é o liberalismo. Isso é o capitalismo. Ainda não se convenceu de que os Estados Unidos fazem terrorismo com o resto do mundo? Como você chama um ataque a bomba para fins políticos? E quem foi mesmo que soltou uma bomba atômica em Hiroshima e outra, três dias depois, em Nagasaki, em agosto de 1945? Por hoje é só isso mesmo que eu tenho a dizer.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

O ser e o dever ser

O SER E O DEVER SER

Voltando do Centro para casa num ônibus velho, sujo e caindo aos pedaços. Na porta um adesivo onde se lia "Para sua segurança este veículo só se movimenta com as portas fechadas". O veículo estava andando. A porta onde estava o adesivo estava aberta. Lembrei que só nesta semana no Rio, duas pessoas caíram de dois ônibus em movimento, que trafegavam de portas abertas. Provavelmente ambos tinham o mesmo adesivo.

Quando o Léo Aprígio pediu para eu tomar cuidado, eu respondi: "Não tem perigo, o ônibus não se movimenta se as portas estiverem abertas". Óbvio, era zoação. O ônibus estava se movimentando e sequer estava em baixa velocidade. "Não está vendo a placa?" Prossegui, apontando para o adesivo. As portas escancaradas.

Era evidente a distância entre a frase no adesivo e a materialidade do fato. O fato era que o ônibus estava andando. Não importa o que diz a norma no adesivo, nenhuma pessoa sensata contestaria o fato de que o ônibus estava andando e que aquele adesivo era um engodo. Alguém atestaria a validade de uma norma abstrata contida num adesivo, diante da realidade material que inequivocadamente a invalida?

Assim é com a legislação no estado burguês. A Constituição Federal diz em seu artigo 5º que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

Diante disto, ficam os questionamentos: somos, de fato, todos iguais? Temos todos as mesmas oportunidades de condições, os mesmos direitos e as mesmas obrigações? Ou será que somos o ônibus de portas abertas correndo pela Avenida Presidente Vargas desdenhando da norma que insiste em dizer que estamos parados?

Obviamente o ônibus estava andando. O adesivo estava equivocado. Deveria estar escrito: "Este ônibus anda, sim, de portas abertas, mas não deveria". Da mesma forma que não somos iguais perante a lei, mas deveríamos ser.

E mesmo com isso, insistimos em fingir que a norma - essa mera abstração - tem primazia sobre a materialidade. Na minha zoação, fechei os olhos à realidade ao dizer que o ônibus não andava de portas abertas porque o adesivo nele colado assim dizia. Vejam bem, eu não disse que ele "não andaria" e sim que ele "não andava".

Assim também fechamos diariamente os olhos quando fingimos que a norma geral a abstrata no Estado burguês tem primazia sobre a realidade material. A materialidade escancara diante dos nossos olhos a inconsistência da lei quando nos mostra que não há democracia nisto que chamamos de Estado Democrático de Direito. E assim, por acreditarmos na mentira da norma, despencamos na pista a cada curva que o ônibus faz enquanto corre veloz chacoalhando suas portas abertas.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Redes sociais e geladeiras vazias

Quer pensar numa consequência grave de ser induzido a achar bonito postar nas redes sociais só os momentos de ostentação, felicidade e luxo?

Imagina que doido seria se em vez de usar as redes para ostentar a viagem para Iguabinha que pagamos em 18x no cartão, usássemos para mostrar nossas geladeiras vazias e pedir ajuda financeira?

Tá doido, Guto?! Imagina se vamos querer passar essa vergonha! É ninguém quer expor esse constrangimento. Além disso, de que adianta? Ninguém vai ter para ajudar, tá todo mundo na merda

Pois é... tá todo mundo na merda. E todo mundo sabe disso. Mas, todo mundo finge que não tá. E todo mundo segue plantando inveja em todo mundo. As férias no Morro de São Paulo, a balada na noite paulistana, os mimos que compramos da Apple... Os boletos para bancar tudo isso, só a gente sabe quantos miojos a gente precisa comer para dar conta de pagar. Todo mundo na merda. Todo mundo sabe. Todo mundo finge.

Mostrar nossa pobreza nos envergonha e, talvez por isso mesmo, nos desune. Eu não posto foto da minha geladeira vazia e da minha despensa empoeirada. Meu amigo também não. Minha mãe também não. Meu irmão também não. Minha namorada também não. Meu esposo também não. Minha colega de escritório também não. Meu crush do Tinder também não. Minha prima, meu vizinho, meus amigos de longe, ninguém.

E sem deixar conhecer nossas agruras financeiras, deixamos de conhecer quem mais, além de nós, precisa de ajuda. Já pensou que louco seria? Postar print do saldo bancário negativo e ver que está todo mundo na mesma situação? E constatar que, se está todo mundo na mesma situação, é porque há um sistema que precisa ser mudado? Pois é. Talvez todo mundo se unisse. Talvez não também.

A gente prefere postar foto do prato caro e do drink que brilha no escuro. E segue perdendo o sono à noite enquanto pensa no parcelamento a perder de vista da fatura do cartão de crédito que a gente não quer que os outros descubram. Mas, no dia seguinte estamos todos postando que precisamos de mais café, mais Rivotril. E logo depois mais uma foto do pôr do sol naquela praia do nordeste. A geladeira segue vazia.

O Cansaço da Coerência

Ser coerente cansa e eu estou de saco cheio de tentar me manter coerente o tempo todo. É exaustivo. Já xinguei mulher fascista. Já xinguei gay fascista. Já xinguei negro fascista. E já quis surrar cada uma dessas pessoas. "Ain, Guto, você não se envergonha de querer bater numa minoria oprimida só porque ela é fascista?" Sinceramente, não. E tento nem pensar muito a respeito.

Quem me cobra coerência é sempre quem não dá o exemplo. É sempre aquele homem hétero que passou a vida toda fazendo bullying com a gay afeminada na escola quem me questiona se eu não fico "constrangido por adorar Che Guevara, mesmo ele sendo homofóbico". Como se eu adorasse Che Guevara. Como se a patologização da homossexualidade não tivesse sido invenção da ciência produzida pelo capitalismo.

Vi um vídeo de um idoso cadeirante, vestido de verde e amarelo, em manifestação pró-golpe de estado, numa cadeira de rodas motorizada, tentando atropelar um grupo de pessoas resistentes. Se fosse comigo, eu teria chutado a cadeira de rodas de lado para fazê-la tombar e ele bater a cabeça no chão. É capacitismo valer-me da deficiência física de alguém para atacá-lo? É. Mas, não fui eu quem mandou paraplégicos para câmara de gás. Menos ainda sou eu o paraplégico que defende esse tipo de medida e atropela quem milita por políticas que respeitem direitos humanos.

Sinceramente, tô pouco me fodendo se eu tiver de levantar a voz para uma mulher supremacista branca. Essa gente não merece minha coerência e eu estou farto por diariamente me exercitar para eliminar minhas contradições. E vejam bem, não estou falando aqui de "mulher que vota em Bolsonaro". Estou falando da que vota por alinhamento com seu discurso de ódio. Há sempre aquelas pessoas que foram enganadas, que acreditam nas fake news que o pitam como um cara do bem. E não me refiro a essas. Com essas eu compartilho informações, dialogo e oriento. Refiro-me àquelas que realmente se identificam com políticas de extermínio. Essas só recebem de mim o meu ódio.

Para fascista não me sinto na obrigação de dar o meu melhor. Como eles mesmos dizem, essa conversa de racismo, misoginia, homofobia, capacitismo, xenofobia... Isso é tudo mimimi que segrega mais do que une quando se tratam de nazifascista. Não vejo cores de pele, vejo racistas. E odeio a todos da mesma forma. Não vejo orientação sexual e gênero. Não discrimino. Odeio igual. E acho que devemos eliminar todos igualmente.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Cai no golpe quem quer

A gente continua rindo deles. Olha como são toscos, kkk, a Cássia Kis de joelho na chuva, kkk. E esse pessoal aqui, que foi para a porta do exército de BH cantar Geraldo Vandré? Kkk, como são burros! Aceita que dói menos, bolsominion, kkk. Vai pro Afeganistão, kkk. Você viu o cara se jogar em cima do carro? Que vergonha alheia, kkk. Entrei no grupo deles pra zoar, pede choro impresso agora, gado, kkk...

E assim, vamos subestimando. A gente ri deles, a visibilidade deles cresce. A gente ri da burrice deles. Eles continuam crescendo enquanto rimos. Eles invadem ruas enquanto rimos. Eles tentam um golpe de estado enquanto rimos. E enquanto rimos, eles tomam para o si o poder do povo. Depois que nosso riso for asfixiado não vai adiantar chorar.

Isso tudo me lembra "A Lebre e a Tartaruga", aquela historinha infantil da corrida entre os dois animais. Todo mundo ria da tartaruga que, a passos lentos, ficava para trás, quando a lebre decidiu tirar uma soneca. Perdeu a hora, a tartaruga a ultrapassou e ganhou. Depois de ter sido subestimada.

Isso me lembra também o filme "Ele está de volta", no qual Hitler ressuscita no mesmo lugar onde era seu bunker, 70 anos depois do fim da guerra. Pensando que se trata de um ator de comédia fazendo paródia do Hitler real, as pessoas riem dele. E na troça, cedem-lhe espaço na mídia. Ele cresce. Na graça podem-lhe autógrafo. Pedem fotos com ele. Ele cresce. Torna-se popular. Daí em diante é spoiler. Assistam.

Aqui a gente também ri. E de riso em riso, alguém mais veste uma camisa da seleção brasileira e integra a horda, fazendo-a crescer. O golpe está acontecendo e não lhes damos credibilidade. Taí. Cai quem quer.

E pelo que vejo, parece que queremos muito.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A forma versus a matéria

Direito à manifestação é legítimo. Inclusive, tenho andado bem irritado com essas postagens Paz-&-Amor® que mostram "nós" em 2018 com figurinha ninguém-solta-a-mão-de-ninguém®, e eles em 2022 com estrada em chamas. Se tivéssemos parado este país quando um genocida foi catapultado ao Planalto, talvez hoje não tivéssemos que suportar o luto por 700.000 vidas ceifadas numa pandemia. E vamos combinar que essa figurinha é mentirosa pra caralho e no fim, todo mundo soltou a mão de todo mundo, do jeitinho que o capitalismo quer.

Problema não é a forma, povo. É a matéria. Não é por haver manifestação, mas pelo que eles manifestam. Nós também nos manifestamos. A diferença é que enquanto nos manifestamos por políticas de transferência de renda e redistribuição de riquezas, eles se manifestam pela manutenção à acumulação de capital e à perpetuação das desigualdades sociais. Enquanto nós nos manifestamos pelo povo oprimido, eles se manifestam para a burguesia que oprime.

Quando nos limitamos a atacar a forma com a qual o outro age, deslegitimamos nossas manifestações se usarmos as mesmas formas. E cá para nós, deveríamos aprender com essa gentalha, que agora está tomando o Centro do Rio debaixo de chuva, no frio, ajoelhando em xixi de ratazana e atrapalhando o trânsito em pleno feriado. Se fizéssemos algo do tipo quando nos retiram direitos, faríamos um barulho...

Precisamos atacar aquilo que embasa as manifestações desses que pedem o golpe militar enquanto o Estado se acovarda. Eles pedem a continuidade do fascismo. E o fascismo, por ser um movimento de massas, se regozija com a facilidade com a qual a massa o chama nas estradas bloqueadas.

E nós ficaremos olhando, estupefatos, pelas telas dos nossos celulares, esse show de horrores protagonizado por essa gente vestida de amarelo e verde, sem os confrontarmos, enquanto eles continuam matando pessoas por falta de tratamento, por falta de oxigênio, ou de fome causada pelo aumento dos preços decorrente do desabastecimento? Enquanto eles fazem saudação nazista cantando hino nacional, olhamos orgulhosos da nossa passividade bovina de quem não virou o Brasil de cabeça para baixo quando um torturador foi homenageado. E ainda os chamamos de gado?!

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Terceirizando responsabilidades. Como sempre.

TERCEIRIZANDO RESPONSABILIDADES. COMO SEMPRE.

O silêncio do presidente Bolsonaro pode ser tão nocivo quanto sua fala, o que se pode constatar no primeiro pronunciamento após o resultado das eleições. Em aproximadamente dois minutos, Bolsonaro não reconheceu o resultado das urnas e, como já está acostumado, terceirizou a responsabilidade pela tentativa de golpe que está em curso, capitaneado pela Polícia Rodoviária Federal em conluio com parcela do movimento de caminhoneiros.

Abrem-se aqui dois parênteses. Necessário mencionar que nem mesmo Chorão, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), líder da greve de 2018 e um dos principais líderes do movimento dos caminhoneiros, aderiu a esta paralisação, atribuindo-a à ala mais radical da extrema direta dentro. Ainda dentro destes parênteses, o deputado federal Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos, também ja criticou veementemente a paralisação da categoria, a quem chamou de baderneiros. Fecham-se os parênteses.

Pelo relatado, evidencia-se que o movimento golpista, que não aceita o resultado das urnas, organizou-se a partir de mobilização da sociedade civil. Sem apoio dos líderes, grupos reacionários dentro do movimento dos caminhoneiros se organizaram e partiram para uma ação tática. Bolsonaro, que se beneficia de corpo e alma dessa greve, não tentou acalmar os ânimos dos agitadores, não tentou desmobilizar a ação, não pediu a liberação das vias.

De forma um tanto oblíqua, sem querer comprometer-se com a própria fala (como se alguém esperasse por isso), Bolsonaro apenas se limitou a dizer que respeitassem o direito de ir e vir. Assim mesmo, de forma genérica, sem materializar o conceito num exemplo concreto, para não permitir ao ouvinte sequer imaginar qualquer cena em que coubesse a frase. Quem cala consente, o atual mandatário do país com seu silêncio, deu apoio ao movimento golpista que toma as estradas e promove desabastecimento de prateleiras. Seu silêncio é motor para que seus apoiadores tomem as ruas, fechem mais estradas.

Enquanto vemos parte da extrema direita se organizando sem determinação de um "líder supremo", inevitável o questionamento sobre o que os partidos de esquerda com representação no Estado pretendem fazer diante da crise instaurada pelo golpe em andamento. Se o silêncio de Bolsonaro é combustível para os golpistas, o silêncio de Lula possui o mesmo efeito.

A Polícia Federal Rodoviária aparelhada por Bolsonaro está descumprindo ordem do Judiciário, o que denota a fraqueza do Estado Democrático de Direitos diante do Estado Armado. E os 60 milhões de eleitores do Lula, alguém já convocou? Lula, o conciliador (e isso nunca será um elogio neste contexto), já deveria ter chamado seus apoiadores há tempos para que tomassem as ruas. Não para desfazer barricadas, já que pessoas sensatas não devem se aproximar desses desordeiros de extrema direita, armados e municiados de ódio. Mas, para mandar no Estado. Reza a lenda que, neste Estado, o poder emana do seu povo. Sabemos, Lula não o fará.

Mais uma vez, nós, de esquerda radical, vemos a extrema direita se apropriar do discurso e da estratégia que eram para ser as nossas. Vivemos o pesadelo de um cenário político tão caótico e extremado, que nos empurra goela abaixo a obrigação de defender instituições burguesas, estas mesmas que agora se mostram fracas. Esperamos líderes que se quedam silentes e aguardamos. Depositamos nossa agência na mão de representantes que não nos representam e cruzamos os braços, delegando nossa obrigação enquanto sociedade civil organizada.

Enquanto isso, Bolsonaro se esquiva. Faz até mais sentido pensar que para os dois minutos de discurso, o presidente necessitasse de 44 horas para elaboração, a fim de medir as palavras de forma que menos lhe comprometam. Sem condenar a greve, Bolsonaro a incentiva. Sem reconhecer os resultados das urnas, ele estica a corda mais uma vez para deixar ver até onde vai a insurreição. Se ganhar adesão e tomar proporções com poder de mudança de cenário, ele leva vantagem. Sem dizer expressamente que Lula é presidente, poderá alegar que nunca reconheceu o resultado e que povo e as Forças Armadas estão ao seu lado. Golpe instaurado. Fim. Se enfraquecer, ele se pronuncia: “Não fui eu, foram vocês. Parem. Não pode fechar estrada, talkey?” E voltam os caminhoneiros rebeldes todos para casa, quietinhos, com dedo de Bolsonaro apontado para a cara, enquanto são abandonados à própria sorte. Bolsonaro é escorregadio. É como costumam ser os vermes que nos parasitam.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

É nossa a responsabilidade pela mudança

Desculpe-me por interromper o barulho da sua comemoração. Tô passando aqui rapidinho pra te lembrar que a derrota do Bolsonaro não é a derrota do bolsonarismo. O bolsonarismo é maior, muito maior que Bolsonaro. O bolsonarismo é o fascismo 2.0, e, para quem não lembra, o fascismo é um movimento de massas.

Há uma horda de 58 milhões de eleitores que escolheram o caminho do fascismo. Desses, uma parte é desinformada e atua como massa de manobra, defendendo o canalha com boa fé, acreditando em seu discurso demagogo. Precisamos atuar com dedicação e afinco para levar informação a essas pessoas e tirar-lhes a venda dos olhos. E É NOSSA RESPONSABILIDADE, SIM, FAZER ISSO.

E, há também uma parte que se identifica de fato com as ideologias excludentes da extrema direita. Esses, precisamos eliminar. Não falo aqui sobre matar pessoas, mas sobre eliminar enquanto classe organizada. É preciso desorganizar essa gente, tirar deles o poder político e a influência.

Esses reacionários ainda nos darão muito trabalho pelos próximos anos. Não é hora de descansar. É preciso muita organização e disciplina para derrotar o bolsonarismo, se não quisermos trazer de volta o fantasma que uma votação apertada afastou por um momento, mas que nunca deixou de estar à espreita, apenas aguardando a próxima crise do capital para trazê-lo de volta.

Nossas armas são a palavra e o convencimento. Nossa guerra é pela informação. Informe-se e multiplique a informação. Dialogue, esclareça, mostre fatos. Ainda que a tática não funcione com o fascista raiz, é a única coisa de que dispomos para tentar convencer aquele tio ou aquela prima que acolhem pessoas LGBT, defendem imigrantes, brigam por uma sociedade antirracista e que, mesmo com toda essa boa vontade, foram enganados pela sordidez do discurso bolsonarista que lhes prometeu um futuro brilhante, enquanto escondeu deles que eles eram o alvo e não a arminha com as mãos que fizeram para Cristo.

domingo, 30 de outubro de 2022

Alívio, não felicidade

O momento é de alívio. Não de felicidade. É deprimente pensar que a extrema direita ainda tem 49% de força nesse país. É deprimente pensar que a extrema direita ataca um Estado que algumas esquerdas se obrigam a defender, quando era para sermos nós os interessados em destruir esse Estado. É deprimente pensar que a extrema direita se organiza, se une. E muitas esquerdas defendem as eleições como horizonte. O momento é de alívio. Um respiro no meio de tanta asfixia. Um rápido respiro. Vamos esperar uma reação violenta dos derrotados. Nos próximos dois farão de tudo para que Lula não tome posse. E nós, esquerdistas, se os derrotados fôssemos nós, faríamos o mesmo para impedir a posse de um fascista? Sabemos a resposta. E essa resposta nos revela que já estamos derrotados. Tempos sombrios estão por vir. Respiramos hoje porque amanhã, como diria o poeta, precisaremos estar atentos e fortes, sem muito tempo de temer a morte.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Não há nada para comemorar

NÃO HÁ NADA PARA COMEMORAR.

Não há qualquer motivo para clima de festinha se Lula for eleito. E se domingo à noite rolar esse clima festivo e o ânimo for o de "acabou, vencemos" eu certamente vou ficar muito puto.

Estou observando quem está se dedicando até a alma a eleger o Lula nesse segundo turno mas não moveu um dedo para conscientização política nos últimos quatro anos. Gente que me apontou o dedo na cara para me chamar de "radical demais", de "extremista", de "irracional" porque passei os últimos anos me esgoelando para espalhar um pouco de senso crítico e que agora se desdobra em mil para fazer campanha para o Lula.

Vitória de Lula com Alckmin como vice não é motivo para comemorar. É a derrota política em função do personalismo, que põe o candidato como mais importante que o projeto. Não há nada a ser comemorado quando o projeto neoliberal e o fascismo são nossas únicas opções em um segundo turno.

Vitória sobre o fascismo é importante, sim, desde que a luta prossiga rumo à emancipação da classe trabalhadora. Derrubar o fascismo para manter o neoliberalismo é apenas dar um tempo. O fascismo é CONSEQUÊNCIA do capitalismo quando a crise aperta. E a crise é inerente ao capitalismo. Vai voltar e vai trazer o fascismo de volta. Sempre será assim enquanto houver capitalismo. Sempre será assim enquanto houver neoliberalismo. Não há nada que se comemorar. A derrota já foi imposta. A vitória do Lula, uma derrota menos dolorida, mas ainda assim, uma derrota.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Sua inércia é conivente

O post da pessoa que se julga A Iluminada da Paz:

"Quando não gosto da postagem de alguém não comento, não curto, não compartilho, não brigo, e sigo adiante sem confusão."

A mensagem por trás:

"Com a minha inércia, permito que se propague desinformação e mentira, mantendo pessoas no estado de alienação que cria um cenário que nos adoece mentalmente e corrói o tecido social, e tudo isso porque decidi olhar só o meu umbigo, sem me dar conta de que uma sociedade esgarçada tira também a minha paz, que eu achava que teria ao ignorar as bobagens postadas pelos outros."

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

LGBT é mão-de-obra barata

"Ain, é pré-requisito para trabalhar em telemarketing ser viado? Parece que só tem gay nessas empresas, kkkk!"

A questão não é essa, bebê. O nome disso é "mão de obra barata". A estrutura capitalista que despreza a pessoa LGBT no mercado de trabalho e põe o viado e a sapatão de escanteio fornece mão de obra barata para empresa de telemarketing e rede de fast food. É por isso que frequentemente você recebe seu McLanche Feliz das mãos de uma bichinha. Muitas vezes a afeminada que fugiu da escola depois de ter cansado de apanhar dos colegas enquanto o professor se calou. A travesti, que saiu da escola na quinta série, foi para a rua fazer vida. O viadinho de quem você ri ao ouvir a voz oferecendo pacote pós-pago da Tim saiu no ensino médio. O capitalismo ama a homofobia que garantiu mão de obra barata para enriquecer o Bob's e a Atento.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

"Trabalhe menos e passe mais tempo ao lado de quem você ama"

Um ranço que tenho na vida é quando escuto, normalmente em obras de ficção de cinema ou TV, o discurso do tipo "Você trabalha muito e não dá atenção à sua família." de alguma esposa ou marido se sentindo carente. Da mesma forma, quando vejo mensagens de autoajuda do tio do zap, do tipo "trabalhe menos e passe mais tempo ao lado de quem você ama".

Não é que eu não ache importante trabalhar menos e passar mais tempo com família e amigos. Acho necessário, inclusive, que a divisão de trabalho no mundo permita a todes trabalharem menos (por isso mesmo sou comunista) e terem mais tempo para sua vida. Mas, isso é possível na sociedade capitalista?

Pergunto-me em que mundo vive uma pessoa que exige que o pai, a mãe, a esposa, o esposa trabalhe menos e tenha mais tempo para a família. Meu bem, vivemos no capitalismo e se eu não me matar de trabalhar para sustentar minha família, a miséria se encarregará disso e nos matará. Então, se você é dependente financeiramente de alguém e mesmo assim goza de uma cama para dormir, um teto para se abrigar, comida no prato, roupa limpa e chuveiro quente, é porque alguém está se matando de trabalhar para manter o que você tem. Se essa pessoa parar de trabalhar, você deixa de ter todo o seu conforto.

Pior que o discurso do "trabalhe menos e viva mais" no contexto material em que estamos, é quando o filme, a série ou a novela apresenta como solução a mãe, pai, ou mãe quem quer que seja, abandonando seu emprego para que todos vivam felizes para sempre. Fim. A mídia cria a ilusão de que a solução da questão é meramente individual. A mensagem que ela nos diz é "largue você o seu emprego e viva sua vida. Só depende de você querer!" Já compreende onde quero chegar? Sim, no quão nocivo esse discurso "faça você mesmo só depende de você" que Hollywood e a Globo insistem em propagar.

É necessário que a frase "trabalhe menos e viva mais" dentro do capitalismo seja imediatamente substituída pela frase "se pararmos de trabalhar viveremos na miséria". Quando essa consciência se tornar imperativa, entenderemos a que classe pertencemos e perceberemos que a única forma de "passar menos tempo trabalhando e ter mais tempo para ver seu bebê crescer" é nos desfazendo do sistema que nós obriga a viver em função do que nosso trabalho nos possibilita.

E que a solução para isto não depende apenas de você, como a TV e o cinema nos mostram. É preciso que nos organizemos como classe para podermos mudar o ordem das coisas. Se você quer trabalhar menos e se dedicar mais à sua família ou ter mais tempo para fazer o que quiser, promova uma revolução socialista. Chame amigues e parentes para estudar política, teoria revolucionária, e promover a mudança que você quer para o mundo. Dá para começar na sua rua, no seu bairro, na sua cidade... Começa assim.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Propriedade Intelectual e Acesso a Medicamentos

PROPRIEDADE INTELECTUAL E ACESSO A MEDICAMENTOS
(Texto de apresentação em processo seletivo para grupo de estudos na área de propriedade intelectual, escrito em 13/07/2022)

Recentemente o site de notícias Uol publicou uma matéria de cunho nitidamente eugenista (disponível no link https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/dilema/), na qual apresentou um falso dilema que consistia na escolha entre salvar um bebê diagnosticado com Atrofia Muscular Espinhal – AME, uma doença genética que causa atrofia dos músculos e pode causar a morte precoce em crianças, e é tratável com o medicamento Zolgensma, considerado o remédio mais caro do mundo, pelo custo de R$ 6,4 milhões, ou salvar outras populações que supostamente demandariam investimentos menores em saúde pública.

A chantagem – não é possível pensar em outro nome para descrever o falso dilema apresentado – exposta na matéria informa que desde 2019 o Brasil já desembolsou uma média de 9,8 milhões por pessoa tratada com o Zolgensma e aponta algumas comparações do que poderia ser feito com esse mesmo dinheiro, dentre as quais, menciona que anualmente esse valor poderia tratar 4.260 pessoas vivendo com HIV.

Ao sopesar numa mesma balança a escolha entre salvar uma vida ou 4.260 outras vidas, a matéria toma como posta a estrutura capitalista que impõe a saúde como uma mercadoria e não como um direito, não questionando em momento algum o sistema de produção que estrutura nossa sociedade. Naturaliza, portanto, o capitalismo como uma estrutura inevitável. Assim o faz porque o próprio Estado está organizado dentro da estrutura imposta pelo capital.

Como marxista-leninista, partimos do pressuposto de que o Estado é uma organização político-jurídica instrumentalizada a serviço da classe detentora do poder político, a burguesia. Com isto, o direito emanado pelo Estado consiste num conjunto de normas que visam à proteção e à manutenção da propriedade privada dos meios de produção – o que inclui, dentre outros oligopólios, a indústria farmacêutica.

O Brasil, país localizado na periferia do capitalismo, tem sua constituição respaldada na livre iniciativa, resguardando, como um direito humano fundamental, a propriedade privada. Esses princípios se encontram na redação da Constituição Federal, respectivamente em seus artigos 1º e 5º. Deste modo, a legislação hierarquicamente inferior precisa estar coadunada com a Constituição, de tal forma que todo o ordenamento jurídico brasileiro está pautado na garantia à propriedade de quem pode dela ser titular.

Na esteira das diretrizes de Estado acima mencionadas, a lei nº 9.279/1996, que regula direitos e obrigações sobre a propriedade industrial, uma das modalidades de um gênero mais amplo, chamado de propriedade intelectual, dispõe sobre as regras para garantir ao inventor a propriedade oponível contra todos, para que somente ele, o inventor, possa explorar comercialmente sua invenção, impedindo que terceiros o façam sem sua autorização. Chama-se patente o título concedido pelo Estado para que o inventor possa impedir que outras pessoas façam uso comercial de sua invenção. Num Estado constituído por um documento formal – a Constituição Federal de 1988 – que menciona livre iniciativa, artigo 1º, IV, antes de vida, artigo 5º, caput, não surpreende a criação de mecanismos para assegurar a exploração econômica do que deveria ser um direito social – o acesso à saúde – tornado em mercadoria.

No caso da indústria farmacêutica, que somente no Brasil, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde – ANVISA, movimentou anualmente nos últimos anos cerca de 70 bilhões de reais , a patente é uma modalidade de proteção à propriedade privada do laboratório que desenvolve medicamentos, permitindo-lhes comercializar com exclusividade sua criação pelo período de 20 anos, conforme estabelece o artigo 40.

É necessário mencionar que a Constituição Federal, que assegura a propriedade privada como direito humano fundamental também assegura a vida e o pleno acesso à saúde. A doutrina jurídica é unânime ao citar que direitos humanos fundamentais não são exercidos de modo absoluto, e que, em havendo conflito entre eles, haverá necessariamente limites impostos ao seu exercício pelo respectivo titular. Aqui é possível enxergar a hipocrisia subjacente ao legalismo, quando a interpretação da norma permite equiparar como direitos igualmente tutelados o direito humano fundamental à vida e o direito à propriedade privada, alçado à categoria de direito humano fundamental por uma formalidade da lei. Vale mencionar que a mesma doutrina jurídica, entretanto, também é unânime ao afirmar que na hierarquia entre bens jurídicos tutelados pelo direito emanado do Estado, a vida é o que se encontra no topo.

Em se conflitando o exercício do direito à vida e o exercício do direito à propriedade privada, como deve proceder o Estado? Em um estado democrático de direitos, como se arvora ser o Brasil pelo seu texto constituinte, a propriedade privada jamais deveria se sobrepor à vida, tanto é assim que a própria Constituição estabelece que em seu artigo 5º, XXIII, a propriedade atenderá a sua função social. Neste caso, qual é a função social da propriedade assegurada pelo Estado na forma de concessão de patente, para que o inventor de um medicamento criado para garantir a vida possa explorar economicamente sua invenção? Ao estabelecer como uma de suas bases a livre iniciativa, o que se vê, na prática, é um descumprimento, pelo próprio Estado, das normas constitucionais que asseguram a vida e a saúde, em prol do lucro dos laboratórios farmacêuticos.

A pressão de movimentos sociais no mundo possibilitou que o Estado burguês – assim chamado o Estado capitalista, por ser instrumentalizado para assegurar o direito à propriedade privada – instituísse a chamada “quebra de patentes”, nomenclatura tecnicamente equivocada para se referir à licença compulsória, trazida na lei nº 9.279/1996, em seus artigos 68 e seguintes. Trata-se de uma exceção ao direito do inventor de manter o monopólio da exploração econômica do seu invento, motivado por situações que impõem a necessidade de expropriação para que atendam ao interesse público.

Dentre as circunstâncias previstas no caput e no § 1º, I e II, do artigo 68, além das causas arroladas no artigo 70, são condições que ensejam a licença compulsória o exercício abusivo dos direitos da exploração e o abuso do poder econômico, termos amplos e de difícil definição. A lei nº 4.137/1962 – já revogada – trazia uma definição de abuso de poder econômico consistente na prática de empresa em condições monopolísticas, que interrompesse ou reduzisse em grande escala sua produção sem justa causa comprovada para provocar a alta dos preços ou a paralisação de indústrias que dela dependessem.

Na ausência de uma definição legal de abuso de poder econômico, enquanto em 2020, cerca de 680 mil pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS em todo o mundo, conforme Relatório Informativo Unaids 2021, somos da opinião de que já configuraria abuso de poder econômico a obtenção de lucro aproximado de 16,1 bilhões de dólares como o registrado pela farmacêutica Roche em 2021, ou o lucro de 4,31 bilhões obtidos pela Merck apenas no primeiro trimestre de 2022, ou ainda o lucro de 2,22 bilhões registrado pela Novartis no mesmo período.

Vale ainda mencionar os artigos 71 e 71-A, com redação dada pela lei nº 14.200/2021, em razão do advento da pandemia de Covid-19, que incluiu como causas para a licença compulsória a emergência nacional ou internacional ou de interesse público declarados em lei ou em ato do Poder Executivo federal, ou de reconhecimento de estado de calamidade pública de âmbito nacional pelo Congresso Nacional, e ainda, por razões humanitárias e nos termos de tratado internacional do qual o Brasil seja signatário, licença compulsória de patentes de produtos destinados à exportação a países com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico para atendimento de sua população.

Vejamos que a redação da lei traz conceitos amplos e vagos, como “razões humanitárias”, “emergência nacional” ou “interesse público”, o que possibilita um amplo leque de possibilidades aptas a ensejarem a licença compulsória, ou “quebra de patente” para a produção de medicamentos de prevenção e combate ao HIV/AIDS.

O poder público deve assegurar a todos – sem distinção – o direito à vida e à saúde, não havendo que priorizar o lucro de uma indústria bilionária enquanto pessoas adoecem e morrem. Daí porque entendemos como chantagem uma notícia de jornal chamar de dilema a escolha entre salvar um bebê com AME ou 4.260 pessoas com HIV. Dinheiro para arcar com os investimentos na saúde há, o que falta é boa vontade de uma classe parasitária da sociedade, que se vale do Estado para manter seus lucros, enquanto parcela da população morre por falta de acesso à saúde.

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1. Fonte: https://i3wfarma.com.br/industria-farmaceutica/, acesso em 13/07/2022, às 22:31.
2. Fonte: https://unaids.org.br/.../2021_12_01_UNAIDS_2021..., acesso em 13/07/2022, às 23:54.
3. Fonte: https://valor.globo.com/.../roche-tem-queda-de-1percent..., acesso em 13/07/2022, às 23:34.
4. Fonte: https://monitordomercado.com.br/.../29600-merck-lucro...., acesso em 13/07/2022, às 23:37.
5. Fonte: https://valor.globo.com/.../novartis-tem-lucro-liquido-de..., acesso em 13/07/2022, às 23:42.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

A História no Direito é Uma História Para Boi Dormir

De acordo com o que aprendemos na universidade, o Direito é a ciência do dever ser e não do ser. Isso significa, dizem, que o aplicador da norma deve pautar sua decisão naquilo que deve se tornar realidade, e não na realidade em si. No entanto, de qual ponto de partida saímos, se o dever ser desconsidera a realidade fática (ou aquilo que já é) para transformá-la? O grande paradoxo do direito aplicado pelo poder estatal é assumir que a ciência do dever ser tem por premissa a manutenção e a perpetuação do que já é.

Quando criança, odiava História e perguntava qual a importância de estudar fatos temporalmente tão longínquos que, aparentemente não tinham qualquer importância para o contexto no qual eu me encontrava. Ouvia sempre a resposta de que ao estudar o passado, a História explica o presente, o que também não ficava muito claro para uma pessoa de dez anos de existência no mundo. Já adolescente, e alimentando o desejo de ingressar no curso de Direito, passei a ouvir que teria muita dificuldade para ser jurista sem gostar de História. Esta é uma das maiores lendas que permeiam as faculdades de Direito, pelo menos as brasileiras.

Junto com o mito que romantiza a profissão do jurista, quando nos dizem que se somos profissionais do Direito, é porque somos inteligentes, o do aplicador da norma que entende de História é outra mentira. Raros foram os seres pensantes que dentre advogados, juízes, promotores, defensores públicos, delegados e outros profissionais jurídicos que conheci nos últimos 22 anos, desde que ingressei e saí da universidade e passei a exercer a advocacia. Ao me preparar para o vestibular, já no final da adolescência, passei a gostar de História e imaginei que, então, eu poderia ter uma carreira promissora no Direito, já que estaria cumprindo um suposto requisito essencial para seguir a carreira.

Do cenário jurídico brasileiro, a História passa longe. Profissionais formados em técnica judiciária, que é ensinada na faculdade sob o nome de Curso de Direito, decoram leis e atuam de forma limitada e superficial, numa espécie de silogismo que determina que se a situação X acarreta a aplicação da norma Y, em ocorrendo tal situação X, aplicar-se-á a norma Y. Fim. Não precisa ser inteligente para passar em concurso. Basta decorar leis sem qualquer tipo de reflexão acerca dos seus enunciados. Eu arriscaria dizer que o Direito é uma área de atuação dominada por pessoas medíocres (basta analisar detidamente a atuação do nosso Judiciário para chegarmos a essa conclusão).

Hoje, aos 42 anos de existência num mundo que preexistia a mim, compreendo perfeitamente a importância do estudo da História. Tenho hoje a consciência de que os fatos se concatenam entre si em uma relação de causa e consequência, e que o mundo tal como conheço hoje resulta de uma série de interações de fatos passados. Daí a necessidade de abolir abstrações, idealismos e generalizações típicas do Direito, para uma análise da materialidade, a realidade concreta que nos circunda. E aqui é exatamente onde vejo como o jurista, para exercer esse direito porco que vemos no nosso dia a dia, não precisa de História para nada.

Da mesma forma que advogados que resumem sua atuação a uma eterna fórmula "se P, então Q" não são necessariamente pessoas inteligentes. Quase nunca são. E é exatamente essa gente que alcança sucesso profissional, conceituado aqui como ganhar dinheiro (ainda que a um altíssimo custo de adoecimento mental e físico). Se juristas precisassem de História ou de inteligência, seríamos uma categoria comprometida com transformação social, justamente por estarmos imbuídos de uma consciência de que a sociedade se molda pelos fatos históricos que se concatenam em um sistema integrado. Se você tem compromisso com a transformação social, talvez isso até signifique que você seja uma pessoa pensante.

E aí, vou te dizer, prepare-se para se tornar uma pessoa frustrada quando se der conta de que sua inteligência de pouco ou nada servirá, senão para esbarrar na má vontade, no descompromisso e na mediocridade de quem toma por pressuposto que o mundo é imutável e que nada há que se fazer quanto a isso. E quem faz isso galga as posições mais poderosas em uma organização social que valoriza a mesmice e impõe a estupidez cega como padrão existencial. Essa é a realidade do Direito que sai das universidades e adentra os tribunais. O juiz de hoje é o que um dia eu fui aos dez anos de idade quando dizia que História não servia para coisa alguma. Porque tanto esse aplicador da norma quanto um moleque sem estudos e sem vivência não conseguem ligar o passado como causas do presente.

sábado, 30 de abril de 2022

Saia justa alimenta o capital?

Teve gente falando em "gafe". Jornais reportaram a notícia sempre recheadas de termos adversativos, como "apesar", "embora", referindo-se ao fato como algo negativo, uma "saia justa", um "constrangimento", um "climão".

No Baile Vogue 2022, realizado nesta sexta, dia 29, no Copacabana Palace, duas participantes, a ex-BBB Natália Deodato e a cantora Pepita foram vestindo roupa idêntica, um vestido de uma grife mineira. Bem humoradas, as duas contornaram a situação com piadas. Mas, diante do fato de duas pessoas usarem um vestido igual ter virado notícia de um acontecimento quase trágico, ponho-me a pensar sobre valores. E nem me refiro ao preço da peça, que considero escandaloso, de R$ 1.800,00. Falo sobre a importância concedida à ideia de exclusividade em nossa sociedade, tornando-se um valor a ser almejado.

Qual o constrangimento de ver alguém com traje igual ao seu num evento, senão o de que sua roupa deveria ser somente sua? Qual é valor afrontado quando alguém copia seu look, senão a sua noção de que aquele visual deveria ser exclusivo seu?

Vaidade anda de mãos dadas com a exclusividade. Vivemos a noção de exclusividade em uma infinidade de lugares. Almejamos não sermos apenas amizades, mas queremos ser "o melhor amigo". Queremos ser "a filha favorita", "o parceiro sexual e afetivo". Se até nossos amores precisam ser exclusivos, por que nossas roupas não seriam?

Essa valoração da ideia de exclusividade me soa corolário das subjetividades moldadas pelo capitalismo, especialmente pelo neoliberalismo. O capital confere poder a quem tem uma posição de superioridade sobre os demais, e por isso eu poderia supor que vislumbramos ser especiais porque somos condicionados a entender que a especialidade, a exclusividade, a posição de destaque, nos confere poder.

A mim não faz sentido a noção de especialidade ou exclusividade como um valor em si mesmo. Adepto do pensamento de que todos deveríamos ser tratados com Igualdade de direitos e deveres, em uma sociedade que teria abolido o poder (e talvez por isso mesmo uma utopia), eu não buscaria, no mundo que almejo, ser objeto de adoração de ninguém. Ser posto num lugar de exclusividade e especialidade não me agradaria.

A vaidade que alimenta a famigerada indústria da moda cria a ideia de que é uma gafe, uma saia justa, uma vergonha, um climão, duas pessoas com um mesmo vestido se encontrarem num evento. Essa vaidade se contrapõe ao suposto desejo que essas mesmas pessoas manifestam, e qua quase sempre vem sob a forma de um dado: "somos todos iguais". Somos mesmo? Ou apenas deveríamos ser, mas não estamos nem perto disso?

Não tenho pretensão de afirmar nada, mas apenas de lançar o questionamento. Não é hora de problematizarmos o desejo pela exclusividade? Talvez seja hora de questionarmos se a busca pela exclusividade não reflete a ideia fomentada pelo neoliberalismo, de que somos todos concorrentes uns dos outros, postos como indivíduos, sem vínculos sociais uns com os outros, e que, em razão disso, não nos juntamos para modificar os rumos da nossa sociedade.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Olavo de Carvalho, Paulo Freire e a celebração da morte (de alguns)

Lá vamos nós outra vez... Basta que morra alguém do lado de lá para que o lado de cá se divida entre os que comemoram o falecimento e os que julgam os que comemoram como iguais os de lá.

A bola da vez hoje foi o lixo fascista Olavo de Carvalho. Faço parte do time que celebrou sua passagem para o diabo que o carregue. E faço sem nenhuma dor na consciência. Pergunto "e daí?" da mesma forma que perguntou seu Jair quando lembrou ao mundo que não é coveiro. E não, não me igualo ao Seu Jair.

Uma parcela da esquerda parece que ainda não compreendeu que ser esquerdista é lutar contra uma opressão que está acontecendo, decorrente das relações criadas e mantidas dentro do sistema capitalista. Não se luta apenas contra uma ideia de opressão, uma teoria genérica e idealizada, que supostamente seria praticada. Luta-se contra uma opressão que acontece todos os dias e segue nos matando. Mas, para uma parcela da "esquerda fofinha" (não uso o termo "cirandeira" por respeito a uma manifestação folclórica), ser esquerdista não é lutar, mas fazer por merecer uma medalhinha dourada por bom comportamento, assim considerado o comportamento com escopo assimilacionista, que tenta se encaixar nas normas que estruturam e são estruturadas pela mesma relação de opressão da qual essa mesma esquerda é vítima. Em suma, tenta ser aceita pelo opressor.

E lá vou eu mais uma vez citar Paulo Freire, lembrando quando ele diz na sua obra Pedagogia do Oprimido, que a relação de opressão somente existe quando o opressor a inaugura. Sem a figura do opressor, não há o oprimido por não haver quem dê início à opressão. Aqui, volto a chamar atenção para o fato de estarmos vivendo uma opressão que já acontece. E pela qual, se ainda não estamos mortos, foi por puro acaso. Porque esse é o objetivo do opressor. Oprimir para exterminar.

Quando vemos Seu Jair a serviço da burguesia dar de ombros e perguntar "e daí?" enquanto centenas de milhares de pessoas morrem asfixiadas por uma doença para a qual já havia vacina, estamos vendo a burguesia dar de ombros e perguntar "e daí?" para a morte de cada um de nós que não somos classe dominante.

Então, não. Para essa esquerda que acha que ser esquerdista é vestir fantasia de unicórnio e viver numa idealização de paz e amor, e que insiste em equiparar a vida do oprimido à do opressor, sob o manto fictício de que todas as vidas importam, faz-se necessário lembrar que o desrespeito ao nosso direito de viver somente existe quando a opressão pelo nosso extermínio é inaugurada. E por isso, o nosso "e daí?" quando a vida de um fascista é extinta em nada se equipara ao "e daí?" proferido pelo Seu Jair.

Quem inaugura a opressão são eles. E se você não deu início às relações estruturais de opressão que visam à extinção dos seus pares, então pare de se colocar em pé de igualdade com quem deseja sua morte quando você só deseja viver em paz. E sua vida em paz não acontece porque existe a figura do opressor. Por isso, rebelar-se é legítimo. Como é legítimo aplaudir e vibrar a morte de Olavo de Carvalho, que partiu deste mundo tarde demais.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Imersão

Imersão

Nas águas profundas desse mar bravio
Sem temor algum, mergulha de cabeça,
Com a alma despida para que aconteça
Não basta nudez do corpo, se vazio.

De navio a naufragar, saltar sem medo
Depois de enfrentar muitas tormentas,
Espumosas vagas, ondas turbulentas...
Desilusões! Da confiança um arremedo.

Da exaustão após nadar longas braçadas
Deixar-se imergir três dias e três noites.
Abre os olhos! Não te encontra cá o açoite
Neste mar de calmarias alcançadas.

Gustavo Carneiro de Oliveira
Rio, 04 de janeiro de 2022.