Presente de Natal
A paz de um oásis que acolhe a caravana
Da exaustiva caminhada pelo caos da areia:
Ano de tormentas, desesperanças e vacinas.
Hiatos de respiros em alvoradas natalinas
Enchem de calor a alcova que incendeia.
Hipnos e Himeros ébrios numa carraspana.
Terno olhar, sorriso súbito que emana...
Momento de paz, que preço alto algum custeia,
Enlaçados, dormem em horas vespertinas
Nas vidraças descem águas cristalinas,
Ruídos de temporal como cantos de sereia
E corpos enredados com fome, sede e gana.
Frêmitos, arquejos: delícias da vida profana.
Suor e saliva... sangue quente em cada veia.
E no fim, o alento: presente em tempos de ruínas.
Gustavo Carneiro de Oliveira
Rio, 29 de dezembro de 2021.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
segunda-feira, 27 de dezembro de 2021
Há uma imagem a preservar?
Conversando com um amigo que vive com HIV, recém-saído de uma relação relativamente duradoura, sorodiferente (ou seja, aquela na qual uma das partes vive com o vírus e outra não), disse-me que tinha interesse em participar de atividades de prevenção e conscientização sobre HIV/AIDS, integrando grupos de apoio, "saindo do armário do vírus", assumindo publicamente sua própria condição de pessoa com sorologia positiva para poder falar mais sobre o assunto. Ato contínuo, disse-me que não o fazia apenas para "preservar a imagem do ex". Argumentava de forma vaga que a maioria das pessoas são ignorantes e preconceituosas e não entendem a possibilidade de existência de relacionamentos sorodiferentes, de forma que invariavelmente pensariam que seu ex também tem o vírus.
Imediatamente perguntei se ele se sentia inferior a outras pessoas por viver com o vírus. Disse-me que não. Devolvi novo questionamento: por que então você acredita que associar uma outra pessoa à exposição ao vírus é expô-la negativamente, a tal ponto que considera manter o segredo como "preservar sua imagem"? Que imagem precisa ser preservada? A de alguém que não vive com o vírus?
A partir do momento que se entende como "uma imagem a se preservar" a de uma pessoa sem HIV, pela via inversa está se dizendo que ser "confundido" com alguém vivendo com HIV é um problema. É assumir que viver com o vírus o coloca numa condição inferiorizada em relação à condição de pessoa que não vive com HIV. É, de alguma forma perpetuar o preconceito que existe sobre o vírus.
Os aplicativos de pegação nos quais tenho cadastro possuem campos específicos para que você informe sua sorologia. Acho isso um desaforo e me recuso a preencher o meu status sorológico. Entendo como desrespeitosa a criação de um campo para que pessoas digam se têm ou não um vírus. Quem vive com HIV não tem obrigação alguma de "alertar" pessoas sobre sua condição. Que não vive não deve exibir sua condição, como se fosse um troféu ou um selo do INMETRO. Deixo meus campos em branco e quem quiser pensar qualquer coisa a meu respeito, que pense.
"Mas, Guto, vão pensar que você vive com HIV e suas possibilidades de pegação ficarão restritas porque vão te discriminar." E quem te garante que eu não sou? Foda-se, meu bem. Não faço nenhuma questão de desmentir. Afastar pessoas preconceituosas não é restrição, é livramento. Não existe uma "imagem a se preservar" quando se entende que viver com um não é um dano à imagem. Dano é perder gente querida para AIDS, como já perdi, por ignorância, preconceito e falta de acolhimento. Se para alguém é um problema ser tachado de pessoas vivendo com HIV, que trate a própria sorofobia.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
Não pechinche com o ambulante
Amiguinho, te mandar o papo reto aqui: um real que você pechincha no ambulante porque achou o cone de amendoim caro não vai te fazer mais rico, não. Na melhor da hipóteses, vai te ajudar a inteirar a grana daquele drink laranja e vermelho que você vai ostentar no Instagram depois de pagar uma fortuna, sem nem pedir um desconto para não passar esse vexame no loungezinho badalado, de onde você vai fazer questão de mostrar o check in nos stories. Para o vendedor, no entanto, pode ser a diferença entre levar ou não um quilo de arroz para casa.
"Ain, Guto, mas o cara tá cobrando cinco reais em um canudinho de amendoim. Com cinco reais eu compro meio quilo de amendoim e faço uns vinte canudos daquele!"
É mesmo, meu bem? Então da próxima vez, traz seu amendoim de casa. Mas, lembre que, com os cinco reais do seu meio quilo, o dono do supermercado não vai queimar os pés na areia da praia para levar até a sua mesa o salgadinho já torrado, temperado, prontinho para comer.
A pessoa que se submete a vender comida na praia andando o dia inteiro sob o sol escaldante e queimando os pés na areia não está "tirando vantagem" por estar cobrando dois ou três reais mais caros em seu produto. Mas, você pode estar tentando tirar dessa pessoa a possibilidade de jantar ao final do dia para que você tenha a sua vantagem de economizar um real. Num país em que trabalhador tá procurando osso de boi no lixo para ter o que comer, você deveria se envergonhar por achar que é um negocião voltar pra casa com dois reais a mais no bolso.
Valorize a classe trabalhadora. Esse um real que volta no seu bolso também é mais valia que você usurpou de um trabalhador.
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