sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Consciência

Consciência

Num boteco, cá estava eu sentado
Em contemplativo solilóquio interior
Vendo à mesa que uma turma ocupava
Divertindo-se ao redor de garrafas vazias
Quando, a céu aberto, deu-se a cena
Que ora aqui descortino

Tirando da algibeira um maço
Tomando para si o primeiro cigarro.
Pôs-se alguém ali presente a fumar.
Passava um transeunte maltrapilho
Que diante do envolvente aroma
de câncer com tabaco
Parou, mãos espalmadas, à sua frente:

— Não tenho fome, devo ser sincero.
Alhures, já alguém me alimentou.
Dê-me apenas um cigarro! Que da vida
não recebo um mísero prazer.
Esta existência desgraçada tudo me negou,
e tampouco vícios tive o direito de cultivar.

Sequer hesitou a pessoa que fumava.
Pôs no bolso a mão, e de volta trouxe o maço
que inteiro deu ao desafortunado.

— Assim tu me constranges — disse o roto —
Pedi somente um, posto que nunca tive nada.
E nunca aprendi a lidar com muito,
que sempre foi meu desconhecido.

— Leve tudo, não há vergonha alguma.
De onde trouxe este
deu-me a vida a chance para lá voltar.
Cá estão minhas ébrias amizades
Rindo-se comigo nesta hora
de consciências cambaleantes e risos frouxos.
Se nada nesta mesa me foi dado
e tudo que secamos teremos que pagar,
cá estamos porque pudemos.
Não é mérito,
há também sortes e acasos.
Desigualdade que a ordem propicia
E a história explica.
Como posso aqui fartando-me estar
de bebidas e frituras que me custam
além de moedas, também fígado e artérias,
quando há gente, como tu, tão miserável?
Acende teu cigarro e todos os outros,
Pega para ti também uma garrafa.
E segue em paz o teu caminho.

Partiu, então, o pedinte, esfumaçando
A brasa acesa que entre os dedos punha aos lábios
Curvados num incrédulo sorriso.
À mesa, poucos metros adiante
Deste narrador da cena urbana aqui descrita,
Voltavam a beber, brincar e rir
Os comensais que ali estavam
E que alguma coisa celebravam
E eu jamais saberei o quê.

Rio, 30 de setembro de 2023

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Queimação

Queimação

Que sentido dás a teu existir
se te roubam da vida horas
das quais só guardas o cansaço?

Esperas tão pouco
E tampouco recebes do destino
o quase nada que desejaste.

De longe sonhas o sossego
que não soubeste construir
nas escolhas erradas que fizeram a ti

Vais dormir, que é o que te resta!
Ao menos madrugada adentro
o calor cedeu à garoa
e venta lá fora.

Rio, 26/09/2023

Pouco pode pensar quem tem tanto o que fazer

Sabe quando você se depara com pensamentos incomuns para os temas cotidianos, de filósofos antigos, que trazem aquelas ideias que você julga confusas e ao mesmo tempo incríveis? E nessa hora você se faz uma pergunta clássica: "Será que essa pessoa não tinha mais o que fazer da vida, para poder ficar pensando nessas coisas?" Quem nunca fez essa pergunta numa aula de matemática? Ou estudando Platão?

Então, a resposta a essa pergunta provavelmente era "não, não tinha". De fato, "ter tanto o que fazer" é uma realidade potencializada pelo capitalismo, que te impõe existir para trabalhar, enquanto produz riqueza para quem lucra em cima do seu tempo de vida.

Pessoas são "gênios" na história da humanidade porque puderam ser. Porque tiveram tempo para explorar suas potencialidades, como aquele seu amiguinho que canta bem pra caralho em todo karaokê, mas não pode explorar uma carreira artística porque passa oito horas do dia atrás de um balcão e seis horas preso em engarrafamentos nas idas e vindas de casa para o trabalho. Ou aquela colega de classe que desenhava incrivelmente e nunca se profissionalizou como sonhava por ter que fazer uma faculdade que "dá dinheiro". Virou engenheira e hoje dirige Uber.

O capitalismo não produz gênios, pelo contrário, sufoca-os. Quando Platão pensou sobre o Mito da Caverna, considerando sua origem abastada em uma família que possuía escravos, é bem possível que, de fato, não tivesse "mais o que fazer". Pense nisso, toda vez que você lembrar que nunca tem tempo para fazer aquela atividade que você gosta tanto, porque está sempre em permanente exaustão física e mental, causada por uma rotina de trabalho que não te realiza em nada. Apenas paga suas contas. Contas, aliás, que você não teria se não vivesse no capitalismo. Ah, aproveite para ler o Mito da Caverna e se perguntar depois, se o sistema capitalista não são as sombras na parede.

domingo, 24 de setembro de 2023

A branquitude e seu passe livre para as drogas

— Ain, Guto, você briga pela legalização da maconha sem compromisso nenhum porque o que você quer, na verdade, é ter direito de consumir um beckzinho na praia sem a polícia te parar.

— Meu bem, eu sou um homem branco. Para mim, a maconha já é liberada na praia, em casa, na rua, ou em qualquer outro lugar. Se eu quiser ir agora para uma boca comprar maconha, à luz do dia, eu vou comprar, vou colocar na bolsa, vou andar por esse Rio de Janeiro inteiro com ela e não vou ser sequer olhado por um policial. Em quase 17 anos morando no Rio, eu só tive a minha mochila revistada UMA ÚNICA vez. Foi numa blitz que rolou num ônibus que eu estava, voltando do trabalho, uns quinze anos atrás, e só aconteceu porque eu provoquei o policial que ia passar direto por mim para abrir a bolsa do rapaz negro ao meu lado, quando eu perguntei porque ele não iria me revistar também. "Você não precisa", ele disse. E eu respondi "Não preciso por quê?! Porque que sou branco? Porque eu estou de terno e gravata? E se eu estiver com droga ou arma aqui na minha maleta, você vai passar direto por mim para revistar uma pessoa ao meu lado, só porque ela é negra?" Ele me revistou com toda má vontade do mundo e voltou a atenção para seu "alvo". Então, não, meu amor, eu não brigo pela legalização da maconha para ter direito de fumar um beck na beira da praia ou na baladinha. Se eu quisesse sentar à porta da minha casa agora e acender um baseado, eu faria com a certeza de que nada iria me acontecer. A briga é justamente porque existe uma população carcerária de 830 mil presos, dos quais quase 45% sequer foram julgados. Jovens pretos e pardos somam mais de 60% dessa população. 55% das mulheres presas estão ali por tráfico ou associação ao tráfico. Normalmente pessoas pegas no varejo da droga, cujas famílias crescem sem mãe ou sem pai, porque estão na cadeia. Já o senador branco com meia tonelada de pasta base de cocaína no helicóptero... minhas pautas, inclusive, são pela liberação de todas as drogas e não só da maconha. Então, não fala besteira, amiguinhe. Se eu quisesse cruzar os braços e não mobilizar esforço algum, eu continuaria tendo direito de fumar um baseado na praia. Então, minha mobilização é por essas pessoas presas por portarem um cigarrinho no bolso, e que sabemos, têm cor e endereço específicos.

sábado, 23 de setembro de 2023

Drogas: Quanto Custa Proibir

Acabei de assistir ao evento "Drogas: Quanto Custa Proibir", promovido pelo CESeC - Centro de Estudo de Segurança e Cidadania, em que participaram da primeira mesa de debates, além da coordenadora do CESeC, a socióloga Julita Lemgruber, também as coordenadoras de pesquisa Mariana Siracusa e Rachel Machado. Da segunda mesa, ainda com a presença de Julita Lemgruber, com mediação do influenciador digital Raull Santiago, participaram a deputada estadual Renata Souza e o neurocientista Sidarta Ribeiro. Na plateia, algumas lideranças políticas registradas, como as vereadoras Monica Cunha e Monica Benicio e a deputada federal Jandira Feghali.

Na primeira mesa foram apresentados os dados levantados pela pesquisa que dá nome ao evento, sendo apontados alguns números referentes aos custos sociais, econômicos e políticos que a famigerada "guerra às drogas" impõe à sociedade. Somente os estados de São Paulo e Rio de Janeiro juntos, para manterem as políticas oriundas da Lei nº 11.343/2006, que instituiu o Sisnad - Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas, são gastos anualmente R$ 5,2 bilhões. 74% das escolas do Rio de Janeiro foram afetadas pelos tiroteios resultados de operações policiais, sendo registradas uma perda aproximada de 64% do aprendizado esperado para português e quase 100% de perda no aprendizado de matemática, dentre alunos do 5º ano do ensino fundamental. No eixo da saúde 59,5% das pessoas relatam fechamento de postos de saúde, impedindo a população de acessar adequadamente o serviço.

Ao final da primeira rodada, na intervenção cultural que contou com a participação de MC Martina e Slam Laje, do Complexo do Alemão, foram recitados dois poemas, após os quais, deu-se início à segunda mesa de debates. O neurocientista Sidarta Ribeiro expôs a dificuldade de pesquisadores dos últimos trinta anos conseguirem levarem a cabo suas pesquisas com maconha para uso medicinal, em razão do pânico moral que sempre rondou o tema, e que sempre apresentou obstáculos à aquisição das substâncias envolvidas na pesquisa. Na sequência, enfatizou como o estigma sobre o tema, apontando-o como um instrumento dos conservadores, para perpetuação da guerra às drogas: "Para existir gente matável, é preciso haver estigma: traficante".

A deputada estadual Renata Souza, ao apontar as dificuldades dentro da sua atuação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, correlacionou os prejuízos mencionados pela pesquisa apresentada na primeira mesa ao acúmulo de dinheiro por quem está do outro lado. Assim, levantou o questionamento: quanto lucra a indústria armamentista? Disse que o Estado se mantém, alimentado pela guerra às drogas. Diante dessa constatação, denunciou o silêncio conivente da ALERJ depois da chacina da Penha. Conclamou a necessidade de pautarmos os debates sobre as políticas de drogas, bem como sobre o desarmamento, apontando que não se faz esse debate nas esferas estadual e federal.

Quando foram abertas as falas e questionamentos dos presentes na plateia, pegando carona na fala da deputada Renata acerca do silêncio conivente da ALERJ e do Congresso, aproveitei o momento para fazer um questionamento, que veio na esteira de debates que historiador e comunicador digital Jones Manoelvem trazendo frequentemente em seus canais de conteúdo político: Em abril deste ano, o governo Lula alterou, a partir do Decreto nº 11.948/2023, o Decreto nº 8.874/2016, que regulamenta o PPI - Programa de Parcerias de Investimentos, para incluir em seu artigo 2º a possibilidade do BNDES financiar, através de PPP - parceria público-privada, a implantação, ampliação, manutenção, recuperação, adequação ou modernização do sistema prisional, o que se traduz na prática como privatização de presídios. Diante disto, perguntei para a deputada Renata sobre como os partidos de esquerda, que são a base do governo, têm lidado com a medida nas respectivas casas legislativas, já que se trata de um governo supostamente progressista adotando uma medida de estímulo ao encarceramento em massa, através da lucratividade à iniciativa privada. Mencionei o exemplo do Complexo Prisional de Erechim, no Rio Grande do Sul, que já conta com o financiamento do BNDES em parceria com a iniciativa privada.

Sem exatamente responder à questão, a deputada fez coro à necessidade de denunciar o descalabro que essa medida representa. Da plateia, a deputada federal Jandira Feghali pediu a palavra, dado que atua na esfera federal e, em vista disso, tem mais propriedade para falar sobre questões que envolvam o governo federal. Assim, a deputada respondeu que, pessoalmente, o presidente Lula não seria favorável à implantação da possibilidade de privatização de presídio e sugeriu que a inserção do dispositivo no artigo 2º teria sido um "descuido" que a assessoria presidencial teria deixado passar. Então, diante do público, comprometeu-se a levar a questão para o Ministro Flávio Dino para tentar suscitar o debate na esfera federal, a fim de tentar retirar do decreto a possibilidade de uma parceria público-privada que acarretasse a privatização de presídio. Cá pra nós, bastante problemática e insatisfatória, uma resposta que põe uma questão tão séria como um escorregão de uma equipe amadora em alguém com a história política do Lula.

Registro feito, é hora da sociedade pautar o debate para a imediata revogação desse dispositivo que abre a possibilidade da iniciativa privada ser responsável pela administração de presídios no país.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Livre mercado não é para você, pequeno burguês

Acorda, amor. Não existe livre mercado. Pare de se iludir com as promessas do capitalismo. Você tem um mercadinho na esquina, compra de fornecedores em quantidade e valores específicos para poder manter seus preços e sua pequena taxa de lucro, certo? Você consegue praticar os mesmos preços de grandes corporações como Walmart, Assaí, Extra? Sua lanchonete de bairro consegue concorrer com redes gigantescas como McDonald's e Burger King?

O "livre mercado", como tudo no sistema capitalista, só confere liberdade a quem detém o capital. Quem dita as normas são os grandes monopólios. E adivinha só, esses monopólios só não esmagam sua lojinha de bairro com mais força justamente porque existem regras estatais limitadoras, que regulamentam as atividades comerciais, como leis antitruste, anticartel e antidumping, que minimizam os efeitos catastróficos da concorrência desleal. Ou você consegue vender uma refeição completa a R$ 0,99 como faz o iFood, operando em prejuízo até se firmar no mercado porque dispõe de capital suficiente para se permitir baratear os preços até quebrar toda a concorrência e abocanhar o mercado inteiro depois?

A tendência do capitalismo é criar monopólios, nos quais as grandes corporações engolem as pequenas e estabelecem os padrões de mercado conforme seus próprios interesses. Ilustrando com um exemplo prático para ser didático: você tem uma pequena farmácia, vende um pacote de fralda a R$ 50,00, uma caixa de remédio qualquer a R$ 10,00, porque consegue comprar do fornecedor as cem unidades que abastecem a seu estoque no valores respectivos de R$ 35,00 e de R$ 6,00, cada um. Aí, entra uma Droga Raia do ladinho do seu pequeno comércio. A rede consegue comprar a R$ 20,00 e a R$ 3,50 porque enquanto você compra cem unidades, ela compra um milhão, o que lhe permite revender a R$ 30,00 a fralda que você vende a R$ 50,00, e a R$ 5,00 o remédio que você vende a R$ 10,00.

Preciso falar mais alguma coisa? Para concorrer minimamente, você terá que adaptar seus preços para torná-los mais atrativos e manter sua clientela, certo? Vai ter que demitir funcionário, vai ter que reduzir sua margem de lucro, vai ter que trabalhar dobrado para cobrir a ausência do empregado que acabou de demitir... e vai seguir chamando isso de liberdade? Liberdade de seguir as normas que uma grande corporação lhe impôs? Até não aguentar mais e, na pior das hipóteses, decretar falência da sua farmacinha. Na melhor, vendê-la a preço de banana para a Droga Raia.

Quando todo o mercado em determinado segmento for dominado por uma corporação monopolista, o que vem a seguir é o lobby político que aquela corporação pode fazer para modificar as normas legais que regulamentam o comércio, abolindo, por exemplo, os limites que impedem a formação de um cartel, como aconteceu com a AmBev. E o lobby vai ganhar força porque gente como você, que tem aquela lojinha de produtos de informática numa cidadezinha de interior vai ser cooptado pela propaganda capitalista que vai te convencer que você é livre para atuar como bem entender dentro do mercado dominado pela Apple e pela Microsoft. Só não vão te dizer que se você não fizer o que elas querem, você vai fechar as portas como tantas outras fecharam antes de serem engolidas, bem antes de você chegar.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

O capitalismo deu certo

Os capitalistas tentam desesperadamente te afastar do comunismo, não porque é errado, mas porque é certo. Temem um sistema que comprovadamente destrói seus privilégios de classe e por isso se esforçam tanto para nos calar. Da mesma forma, lutamos para abolir o capitalismo não porque ele deu errado. Mas, porque ele deu certo. Muito, muito certo! O "dar certo" do capitalismo é justamente o que permite a acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos enquanto 830 milhões de pessoas passam fome no mundo. A desigualdade na distribuição de renda é condição inerente ao capitalismo, então todas as vezes em que vemos alguém em situação de vulnerabilidade social, insegurança alimentar ou algo semelhante, podemos ter certeza de que o capitalismo está dando certo. Tão certo que tira da maioria das pessoas a possibilidade de uma existência digna para que uma ínfima parcela da população possa acumular as riquezas produzidas por quem trabalha. A questão é que o comunismo, quando dá certo, dá certo para todos. Já o capitalismo que deu certo, deu certo para quem?

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Rio de Janeiro - um estado terrorista

Entendo terrorismo como o conjunto de ações violentas direcionadas a grupos determinados ou indeterminados de pessoas, com o objetivo de pressionar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que seja de interesse de quem o pratica.

Um exemplo disso acontece quando o governo do estado tenta asfixiar grupos de estudantes bolsistas de uma universidade pública, retirando deles a possibilidade de subsistência enquanto estudantes. Ao obstar o pagamento das bolsas dos estudantes da UERJ, condição sem a qual parcela do corpo discente fica impossibilitada de permanecer na instituição, o Governo do Estado do Rio de Janeiro exerce pressão para esvaziar a universidade, retirando dela justificativa de sua existência. Sem estudantes, não há razão para haver universidade.

Atualmente a Comissão da Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro é presidida por Rodrigo Amorim, deputado fascista, do PTB, mesmo partido de Roberto Jefferson. Pois o presidente da CCJ da Alerj, o mesmo que quebrou a placa da Marielle, resolveu pôr à votação no dia 04/09, um projeto de lei que propõe o fechamento da UERJ! Para quem interessar, o deputado que protocolou essa bizarrice foi um extremista de direita, Anderson Moraes, do PL. Vale aqui mencionar que é o mesmo partido do governador Cláudio Castro. Fechamos o quebra-cabeça, então?

Quando o governo do estado tenta expulsar alunos da universidade roubando-lhes sua condição existencial ao atrasar o pagamento de verba de caráter alimentício, que são as bolsas, com o fim específico de criar a condição necessária para fechar a universidade, atendendo ao seu interesse neoliberal de privatizá-la, não consigo chamar de outra coisa, que não terrorismo. O que você pensa disso?

sábado, 9 de setembro de 2023

O neoliberalismo é contra a família

O post era um vídeo curto, de poucos segundos. Trazia uma mensagem mais ou menos assim: "se você sumir hoje, seu patrão vai te substituir amanhã, mas seus amigos e sua família sentirão sua falta por muito tempo. Portanto, não se esqueça do que realmente importa."

Num contexto neoliberal de atomização do ser humano, a mensagem acima pode ser reescrita assim: "importe-se menos com o trabalho e mais com sua família e seus amigos." Mais uma forma de jogar nas costas do trabalhador individualmente a responsabilidade por uma questão coletiva e que, portanto, só será resolvida coletivamente: a divisão social do trabalho.

"Não se esqueça do que realmente importa": unir a classe trabalhadora para abolir um sistema que obriga o indivíduo a passar tempo longe da família e dos amigos para trabalhar porque senão ele morre de fome, e lembrar de não responsabilizar o trabalhador por passar tempo longe da família e dos amigos. Me sigam para mais dicas que vão à raiz do problema em vez de buscar paliativos que não apresentam soluções.

Lula e o voto secreto do STF

Nosso presidente que carrega a fantasia de ser esquerdista disse nesta semana que o voto no STF deveria ser secreto para que o ministro votante pudesse ter a garantia de viver sua vida em paz:

"A sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Eu acho que o cara tem que votar, ninguém precisa saber (...) porque do jeito que vai, daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, não pode mais passear com a sua família. Sabe, porque tem um cara que não gostou de uma decisão dele."

O recado que Lula passa com essa mensagem é a de que as pessoas que decidem a nossa vida por nós e compõem o poder estatal não nos devem prestar contas de sua atuação em nosso nome. É dizer para a sociedade que transparência política não importa.

E você, coleguinha que se diz de esquerda, que passou os últimos quatro anos vociferando contra o sigilo de cem anos que o calhorda inelegível impôs a cada um dos seus desmandos, vai seguir até quando nesse silêncio constrangedor para não macular a aura do seu político de estimação que segue as mesmas políticas do antecessor que você criticava tanto?

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O Homem Ideal

"Para mim, o homem ideal tem que..."

Meu bem, o homem ideal não existe, por isso é chamado de ideal. É uma ideia. Um conceito abstrato, genérico, pré-estabelecido e totalmente suplantado pelo homem material, pelo homem da vida real. Por isso, não dá para depositar todas as suas expectativas em um só parceiro de vida. Por isso, você se frustra. Por isso, a monogamia é um atalho para a frustração: você quer encontrar em uma só pessoa todas as qualidades que você encontra dispersas por aí. E espera que nenhum dos defeitos que também estão aí espalhados aos montes alcance o seu alecrim dourado. Serve para a "mulher ideal" também. Acordei não monogâmico hoje. Bom dia.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Produtivo, ó!

Toda vez em que você ouvir um liberal dizer que o capitalismo é o sistema mais producente, lembre-se — e rebata-o dizendo — que o capitalismo é o sistema do desperdício. Produzimos em um evento 110,5 toneladas e meia de lixo, CENTO E DEZ MIL E QUINHENTOS QUILOS DE LIXO. Dessas, 37,98 toneladas são de embalagem. Sim, papel, plástico e alumínio que são gastos para forrar a comida e virar lixo.

Criamos uma indústria de embalagens e acreditamos que estamos sendo produtivos porque criamos uma cadeia de emprego. Mas, se o capitalismo cria demandas onde elas não existem, passamos a fazer questão de embalagens, que são apenas lixo, resultado do desperdício de mão-de-obra e tempo, dinheiro, emprego, salário.

O quanto de comida poderia estar sendo produzida e distribuída em lugar de embalagem, se criássemos um sistema preocupado em atender necessidades reais em vez de demandas supérfluas, como produzir lixo? Ah, e fica pior: a mídia burguesa, ao dar a notícia, em vez de falar sobre o desperdício de trabalho que é manter uma indústria de produção de lixo, passa na realidade a maquiagem da "sustentabilidade" ao enfatizar a indústria da reciclagem, que também seria desnecessária se não gastássemos tanto para produzir o lixo!

Ain, Guto, mas aí, se não produzimos caixinha estilizada de lanche, deixamos de dar emprego para as pessoas! E se não reciclamos depois, estamos mantendo a poluição!

Não, amiguinhe, apenas não perderíamos tempo produzindo caixa de papelão e de isopor, e usaríamos essas pessoas para produzirem nos latifúndios desapropriados, que hoje se concentram nas mãos dos donos dessas mídias burguesas, comida para alimentar o próprio povo, em vez de soja para ser exportada e processada lá fora. Isso é socialismo, do qual você morre de medo. Logo você, pobre que gastou 600,00 para ir ao Rock in Rio produzir lixo, parcelando em 18x no cartão para poder dar conta e que seria beneficiado com ele.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

O Homem de Verdade - II

O Homem de Verdade é um homem que só existe na sua imaginação. Por isso, negar a realidade que você vê em toda parte para tentar seguir um padrão idealizado de homem é um processo tóxico que apaga todas as experiências materiais e concretas de ser homem. O idealismo é a negação do ser.

É de verdade o homem que não se maquia e também é de verdade o homem que pinta unha. É de verdade o homem que fala grosso e também é de verdade o homem sentimental. É de verdade o homem cis e também é de verdade o homem trans.

Sabe o que também é de verdade? O patriarcado que te faz acreditar ser menos homem porque você não se enquadra no ideal do Homem de Verdade. É por isso que você é vítima do machismo, ô, machão! É por isso que você deveria ser a favor dos movimentos feministas. Vai por mim, já que você nunca esteve a fim de escutar uma mulher. E comece a escutá-la de agora em diante.

O Homem de Verdade - I

Caro amigo homem. Preferencialmente o homem hétero. Sei que tem poucos aqui, mas tem.

Você já apanhou em casa da esposa/namorada/ficante — talvez agora ex — e ficou com vergonha de denunciar porque sua masculinidade poderia ficar manchada?

Você já transou sem vontade porque sua esposa/namorada/ficante — talvez agora ex — porque não podia "negar fogo", já que sua masculinidade poderia ficar manchada?

Você já deixou de se divertir com sua esposa/namorada/ficante — talvez agora ex — porque não tinha dinheiro para pagar a conta, mesmo quando ela tinha, para não pegar mal para sua imagem de homem?

Você já se sentiu extremamente solitário e sem ter "um brother" com quem conversar porque sabe que outro homem não iria levar a sério as suas queixas, duvidando até da sua masculinidade?

Sinto muito em te dizer, talvez a mim você escute, já que provavelmente deixou de escutar uma mulher falando a mesma coisa que eu vou dizer agora: você é vítima do machismo. É isso. Agora, lide.

"Ué, Guto, mas o machismo não beneficia os homens?"

Não sei. Beneficia? Responde aí você. Você não é homem?! Você se sente beneficiado diante dessas circunstâncias exemplificativas que questionei? Ah, talvez você esteja agora se inferiorizando porque acha que o sistema patriarcal beneficia "O Homem de Verdade", percebendo-se como um embuste, um engodo, um cara que não é um Homem de Verdade, e que jamais deve se mostrar para que o mundo jamais possa descobrir quem você é. Eu diria de outra forma: você está tão preocupado com a forma ideal de masculinidade que nem foi capaz de se perguntar se alguma vez na vida você a encontrou na vida real. Lide com isso também.

"Não posso chorar, porque O Homem de Verdade não chora."

"Mas, Fulano tá chorando agora e é homem."

"Ah, mas não é O Homem de Verdade."

Deixo aqui a pergunta: e quem que é?