terça-feira, 1 de novembro de 2022

Terceirizando responsabilidades. Como sempre.

TERCEIRIZANDO RESPONSABILIDADES. COMO SEMPRE.

O silêncio do presidente Bolsonaro pode ser tão nocivo quanto sua fala, o que se pode constatar no primeiro pronunciamento após o resultado das eleições. Em aproximadamente dois minutos, Bolsonaro não reconheceu o resultado das urnas e, como já está acostumado, terceirizou a responsabilidade pela tentativa de golpe que está em curso, capitaneado pela Polícia Rodoviária Federal em conluio com parcela do movimento de caminhoneiros.

Abrem-se aqui dois parênteses. Necessário mencionar que nem mesmo Chorão, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), líder da greve de 2018 e um dos principais líderes do movimento dos caminhoneiros, aderiu a esta paralisação, atribuindo-a à ala mais radical da extrema direta dentro. Ainda dentro destes parênteses, o deputado federal Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos, também ja criticou veementemente a paralisação da categoria, a quem chamou de baderneiros. Fecham-se os parênteses.

Pelo relatado, evidencia-se que o movimento golpista, que não aceita o resultado das urnas, organizou-se a partir de mobilização da sociedade civil. Sem apoio dos líderes, grupos reacionários dentro do movimento dos caminhoneiros se organizaram e partiram para uma ação tática. Bolsonaro, que se beneficia de corpo e alma dessa greve, não tentou acalmar os ânimos dos agitadores, não tentou desmobilizar a ação, não pediu a liberação das vias.

De forma um tanto oblíqua, sem querer comprometer-se com a própria fala (como se alguém esperasse por isso), Bolsonaro apenas se limitou a dizer que respeitassem o direito de ir e vir. Assim mesmo, de forma genérica, sem materializar o conceito num exemplo concreto, para não permitir ao ouvinte sequer imaginar qualquer cena em que coubesse a frase. Quem cala consente, o atual mandatário do país com seu silêncio, deu apoio ao movimento golpista que toma as estradas e promove desabastecimento de prateleiras. Seu silêncio é motor para que seus apoiadores tomem as ruas, fechem mais estradas.

Enquanto vemos parte da extrema direita se organizando sem determinação de um "líder supremo", inevitável o questionamento sobre o que os partidos de esquerda com representação no Estado pretendem fazer diante da crise instaurada pelo golpe em andamento. Se o silêncio de Bolsonaro é combustível para os golpistas, o silêncio de Lula possui o mesmo efeito.

A Polícia Federal Rodoviária aparelhada por Bolsonaro está descumprindo ordem do Judiciário, o que denota a fraqueza do Estado Democrático de Direitos diante do Estado Armado. E os 60 milhões de eleitores do Lula, alguém já convocou? Lula, o conciliador (e isso nunca será um elogio neste contexto), já deveria ter chamado seus apoiadores há tempos para que tomassem as ruas. Não para desfazer barricadas, já que pessoas sensatas não devem se aproximar desses desordeiros de extrema direita, armados e municiados de ódio. Mas, para mandar no Estado. Reza a lenda que, neste Estado, o poder emana do seu povo. Sabemos, Lula não o fará.

Mais uma vez, nós, de esquerda radical, vemos a extrema direita se apropriar do discurso e da estratégia que eram para ser as nossas. Vivemos o pesadelo de um cenário político tão caótico e extremado, que nos empurra goela abaixo a obrigação de defender instituições burguesas, estas mesmas que agora se mostram fracas. Esperamos líderes que se quedam silentes e aguardamos. Depositamos nossa agência na mão de representantes que não nos representam e cruzamos os braços, delegando nossa obrigação enquanto sociedade civil organizada.

Enquanto isso, Bolsonaro se esquiva. Faz até mais sentido pensar que para os dois minutos de discurso, o presidente necessitasse de 44 horas para elaboração, a fim de medir as palavras de forma que menos lhe comprometam. Sem condenar a greve, Bolsonaro a incentiva. Sem reconhecer os resultados das urnas, ele estica a corda mais uma vez para deixar ver até onde vai a insurreição. Se ganhar adesão e tomar proporções com poder de mudança de cenário, ele leva vantagem. Sem dizer expressamente que Lula é presidente, poderá alegar que nunca reconheceu o resultado e que povo e as Forças Armadas estão ao seu lado. Golpe instaurado. Fim. Se enfraquecer, ele se pronuncia: “Não fui eu, foram vocês. Parem. Não pode fechar estrada, talkey?” E voltam os caminhoneiros rebeldes todos para casa, quietinhos, com dedo de Bolsonaro apontado para a cara, enquanto são abandonados à própria sorte. Bolsonaro é escorregadio. É como costumam ser os vermes que nos parasitam.

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