quarta-feira, 14 de junho de 2023

Quem tem medo da fama do HIV?

Lembro quando num app de pegação, já faz uns anos, eu usava no perfil um texto dizendo que achava um desrespeito aquele app ter um campo para a pessoa expor sua sorologia, que evidentemente seria um marcador social, dado o estigma que pessoas que vivem com HIV enfrentam. E que eu me recusaria a preencher aquilo, como se tivesse obrigação de informar ao outro, quase como um alerta, caso eu vivesse com o vírus, ou exibir como um selo do Inmetro um status sorológico negativo.

Por conta desse trecho na descrição do meu perfil, recebi inúmeras mensagens das mais diversas. Desde gente me discriminando por entender que eu seria uma pessoa com HIV até gente me "alertando" que "poderiam pensar" que eu vivesse com HIV, pressupondo pela minha sorologia como negativa. Mas, a que mais me chamou atenção foi a de uma pessoa que vivia com HIV, mas que não tinha a sorologia exposta e que me disse que ler aquela mensagem havia lhe dado um alento.

De algum bairro distante aqui deste mesmo Rio de Janeiro, aquela pessoa desabafava sua solidão pelo medo do estigma e do esforço que fazia para guardar segredo sobre ser alguém com HIV. Naquela ocasião eu tive certeza que estava fazendo a coisa certa. Havia também aquelas pessoas que ficavam em dúvida e continuavam na dúvida quando me perguntavam, porque eu me recusava a responder. Devolvia com outra pergunta:

"Isso importa?"

Quando respondiam que não, eu mantinha a conversa. Depois até matava sua curiosidade e dizia. Aos preconceituosos de plantão, eu não perdia meu tempo. Exceto eventualmente para lhes dizer como se dá uma transmissão e como se pode prevenir uma infecção. Às vezes dizia ao final: "se você entendeu, pare de agir feito babaca!" antes de bloquear. Dias atrás, participando de um seminário sobre prevenção do HIV e direitos humanos de pessoas trans, e ouvindo seus relatos sobre estigmatização que já sofreram e sobre acolhimento, achei reconfortante pensar que num app de pegação em algum momento, meu perfil serviu de acolhimento a alguém, inconscientemente.

Ficou ainda mais nítido para mim que é necessário ocupar todo e qualquer espaço, inclusive um app de pegação, para tornar a prevenção do HIV um assunto corriqueiro. Hoje até julgo menos o campo no formulário do app para a pessoa expor sua condição sorológica. Há quem faça questão de ter sua sorologia positiva exposta para fazer disso um ato político. Porque sim, precisamos falar sobre prevenção. Se os aparelhos ideológicos de estado (mídia, escolas, família, associações de bairros etc.) não levam a educação perpetuando a estigmatização decorrente da ignorância, cabe à nós promovermos a divulgação da informação.

"Ain, Guto, você fica falando assim e vão pensar que você tem HIV."

Meu grande "foda-se" para o que pensam. Já pensaram até que eu era de direita porque eu sou branco e advogado. Isso, sim, é ofensivo! Não tenho medo de ir pra cama com uma pessoa com HIV. Meu medo é ir pra cama e descobrir que o sujeito é fascista.

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