sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Mazelas de uma igualdade de fachada

MAZELAS DE UMA IGUALDADE DE FACHADA

"Desde já o acusado, reconhecendo-se pessoa de classe e raça histórica e estruturalmente oprimidas por um Estado pós-democrático¹, e que não encontrará neste mesmo Estado uma igualdade material de condições, embora formalmente prevista no artigo 5º da Constituição Federal, informa ter interesse na realização do acordo de não persecução penal, ainda que, para isto precise confessar um crime que não praticou.

O acusado identificou neste juízo um mínimo de sensibilidade às questões sociais, haja vista sua disposição em insistir perante o Ministério Público pela proposição do acordo de não persecução penal, na forma do artigo 28-A. Percebeu neste juízo, enquanto braço do Estado, uma tendência que jamais pôde verificar anteriormente neste mesmo Estado: acostumou-se desde a mais tenra idade às injustiças sofridas em razão da cor da sua pele e da sua situação econômica, não sendo beneficiado por qualquer tipo de política de inclusão promovida pelo Estado. Prova disso foi o tratamento recebido pelos agentes policiais que lavraram o ato de prisão em flagrante, que lhe agrediram com socos, pontapés, tendo mesmo pisado em seu rosto.

Com isto, informa que, para atender ao requisito do artigo 28-A do Código de Processo Penal, propõe-se a confessar o crime para que não tenha contra si a persecução penal por parte de um Estado que sempre lhe negou oportunidades e que certamente lhe negaria a liberdade ao fim da presente ação, não sendo bastante para um resultado diverso toda a boa vontade e a consciência social demonstradas por este juízo.
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1. Para o jurista Rubens Cassara, juiz da 43ª Vara Criminal desta comarca, em sua obra já citada “Estado pós-democrático: Neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis”, o Estado pós-democrático é aquele no qual “o governo se põe abertamente a serviço do mercado, da geração de lucro e dos interesses dos detentores do poder econômico, o que faz com que desapareça a perspectiva de reduzir a desigualdade, enquanto a “liberdade” passa a ser entendida como a liberdade para ampliar as condições de acumulação do capital e a geração de lucros. Na pós-democracia a liberdade intocável é apenas a que garante a propriedade privada, a concentração dos meios de comunicação de massa, a fabricação de “próteses de pensamento” – televisores, computadores, smartphones etc. – capazes de substituir cidadãos por consumidores acríticos, a acumulação de bens, os interesses das grandes corporações e a circulação do capital financeiro. (....) Também desaparece qualquer esforço dos agentes estatais no sentido da concretização dos direitos e das garantias fundamentais.”

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