terça-feira, 1 de agosto de 2023

Sua empatia é um projeto político

Um latifundiário pecuarista e seu filho pegam um avião particular para comprar pizza, caem e morrem. A viúva se suicida. Jovem ainda. Branca, parecia uma Barbie. Dizem também que foi assassinada para que não herdasse os bens deixados pelo fazendeiro cadente.

Quase na mesma semana, uma mulher trans, técnica de enfermagem, é assassinada a facadas em Belford Roxo, cidade da Baixada Fluminense. No Guarujá, poucos dias depois, uma chacina de pessoas faveladas e pretas é praticada por 600 policiais a mando do governador fascista. Estimam que 19 favelados pretos tenham sido assassinados nessa tragédia.

Nunca conheci um latifundiário. Não conheço ninguém que tenha um avião em casa. No meu círculo de amizades, é impensável imaginar alguém indo ali comprar pizza tirando um avião da garagem. Por outro lado, conheço muitas mulheres trans. Técnicas de enfermagem então, poderia indicar duzias, tal a quantidade que conheço. O que não falta dentre as pessoas próximas são faveladas e pretas, não necessariamente acumulando os dois recortes sociais.

Quando falamos que a ideologia hegemônica é a ideologia da classe dominante, um exemplo inequívoco disso é ver a quantidade de pessoas à minha chocadas, falando sobre e engajando o caso da família latifundiária branca (e nem sequer parando para se perguntar quantos indígenas yanomami ou guarani kaiowá foram assassinados para que essa família juntasse tantos hectares de terra). Gente que está mais perto de ser morta pela policia por conta do endereço onde mora ou da cor da sua pele. Gente que nem consegue pedir pizza pelo celular depois do dia 20 porque o dinheiro acabou. Gente que é técnica de enfermagem. Gente que é trans. Gente que não é nada disso, mas que na escala está bem mais distante dos milionários que compram pizza de avião do que dos moleques da favela que a polícia do Tarcísio assassinou. Adivinha com quem elas se identificam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário