quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Cautelas

Dia desses, estávamos num rolê em grupo de amigos. Na hora de ir embora, uma das amigas presentes estava bêbada, não exatamente inconsciente ou desacordada, mas em algum nível vulnerável, e ia chamar um Uber para casa, trajeto que faria sozinha. Eu e outro dos rapazes presentes íamos embora juntos, num trajeto que não era caminho para o da moça, mas que também não seria um grande desvio. Imediatamente sugeri que compartilhássemos uma mesma corrida, com dois destinos, já que levá-la conosco não era uma opção por razões diversas que não vêm ao caso mencionar. Minha preocupação era a de que ela não ficasse sozinha no carro com o motorista. O ideal seria deixá-la em sua casa e retornarmos para nosso destino, que estava bem antes do dela. Isso, porém, faria a corrida triplicar de preço e estava todo mundo sem grana. Simulamos o preço de nos deixar em nosso destino e prosseguir a viagem com ela e alguém argumentou:

— Em algum momento ela ficará sozinha com o motorista no carro. Melhor que cada um faça sua corrida independentemente da outra, e vai sair mais barato do que vocês dividirem um mesmo carro.

De fato, se chamássemos dois carros, um para ela e outro para nós, a soma das duas corridas seria menor que o preço de uma só viagem com duas paradas. Quase cedemos ao argumento, mas insisti que não achava bacana deixá-la sozinha desde o começo da viagem. A diferença, se chamássemos um só carro para os dois destinos era pouco menos de dez reais. E assim fizemos.

Durante todo o trajeto, eu, que parecia ser o único "meio sóbrio" dentro do carro (além do motorista, claro), dei um jeito de inserir na conversa duas ou três vezes, falas sobre como ficaríamos de olho no trajeto dela até que ela chegasse em casa. Era para o motorista ouvir. Ao descermos do Uber, despedimos-nos dela e eu repeti em alto e bom som "chegue bem, vou ficar acompanhando o trajeto do Uber por aqui". O motorista ouviu. A viagem dela correu sem transtornos, e tudo terminou bem.

Dias depois, essa história virou como assunto numa conversa e novamente foi levantada a questão sobre o porquê termos optado por pagar um pouco mais caro numa corrida com dois destinos já que, ao final, a moça do grupo seguiria sozinha de qualquer forma. Minha resposta foi:

— Se um motorista pega uma passageira sozinha numa balada, ele não sabe se ela tem ou não uma rede de apoio e proteção e, presumindo que ela não tenha, pode se sentir mais confortável para abusar dela, na certeza da impunidade. Por outro lado, mesmo que ela siga viagem sozinha, depois de tê-la visto na companhia de dois homens, o motorista talvez não tenha a mesma sensação de impunidade e não se sinta confortável para praticar qualquer tipo de abuso. Não foi à toa que eu fiz questão de repetir que seguiria monitorando a viagem. O recado não era para ela, mas para o motorista. Isso asseguraria sua segurança? Não. Uma mulher nunca tem garantia de segurança numa sociedade machista e patriarcal. Mas, de alguma forma, dadas as circunstâncias, o simples fato de saber que aquela moça estava acompanhada de dois caras que estariam monitorando seu trajeto poderia ser uma potencial forma de reduzir os riscos.

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