Sim, é importante pensarmos em políticas públicas, haja vista que situações de precarização da existência demandam medidas urgentes em uma coletividade não organizada em uma luta emancipatória, como a sociedade brasileira atual. Quem tem fome tem pressa e toda medida que minimize impactos negativos sobre a classe trabalhadora será melhor que medida nenhuma.
Mais importante que políticas públicas, porém, é pensar para além delas. É pensar na transformação das condições materiais que tornam necessárias as políticas públicas. É o combate à causa e não ao sintoma.
Mais importante que minimizar as desigualdades através da distribuição de auxílios emergenciais é transformar a realidade que cria as desigualdades, a fim de tornar obsoleta qualquer política de redistribuição de renda.
Existe um sistema de produção inventado pela humanidade (e, portanto, não é dado pela natureza) que organiza a sociedade criando desigualdade a partir da acumulação de riquezas por uns poucos privilegiados que exploram a massa desprivilegiada. Para funcionar, precisa da fragmentação das massas em grupos minorizados para serem oprimidos e explorados.
É importante criar políticas de cotas para pessoas negras em universidades, claro. No entanto, em uma avaliação estrutural, percebe-se que se trata de enxugar gelo quando o Estado põe pessoas negras nas universidades ao mesmo tempo em que as põe nas miras dos fuzis da polícia, o braço armado desse mesmo Estado!
Que bom que haja lei concedendo licença maternidade para mulheres, e melhor seria se novas políticas aumentassem o tempo de duração dessa licença, ninguém há de negar (exceto o patrão, e quem se importa com o patrão?). Mas, essas políticas seriam desnecessárias se não reproduzíssemos uma cultura que insiste em manter a mulher como responsável pelas tarefas domésticas.
Mais eficaz seria uma regulamentação na mídia para vedar a reprodução de estereótipos femininos pautados numa desigualdade de gênero deliberadamente produzida para limitar a mulher ao ambiente doméstico; aliando-se a isto mecanismos de fomento à permanência feminina no mercado de trabalho, a criação de creches para que as crianças permanecessem, em que homens e mulheres atuassem igualmente nas atividades de cuidado das crianças.
Evidente que ninguém com bom senso criticaria a adoção de políticas públicas de incentivo à empregabilidade trans, diante da vulnerabilidade social em que este grupo de pessoas é colocado pela classe dirigente da sociedade. Ou à criminalização da transfobia. Mas, sem a escola ensinar educação sexual, orientando as crianças e adolescentes ao entendimento de diversidade de corpos, de identidades e de sexualidades, haverá apenas um ciclo infinito que cria gerações de pessoas que ignoram a existência de corpos "dissidentes" e que depois de adultos praticam a intolerância, perpetuando a violência e, quando punidos, lotam presídios (e sabemos bem o recorte socioeconômico de quem serão os punidos).
Precisamos pensar sempre além. Políticas públicas são relevantes, mas de nada adiantam quando o Estado Pós-Democrático move esforços para torná-las ineficazes. Há quem ainda se iluda com a lenda urbana do Estado Democrático de Direitos? Então, pensemos nas políticas de Estado hoje, sem perdemos jamais de vista que o objetivo deverá ser sempre a destruição deste Estado. Porque ele é quem produz as violências e desigualdades contra as quais criará políticas de enfrentamento eternamente incapazes de erradicá-las.
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