segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

"Terrorismo" não é mais que forma. Precisamos atacar o conteúdo

"TERRORISMO" NÃO É MAIS QUE FORMA. PRECISAMOS ATACAR O CONTEÚDO.

Sim, eu também chamei os vagabundos golpistas de terroristas por estarem promovendo uma balbúrdia na capital federal, incendiando ônibus e invadindo a sede da Polícia Federal. Mas, olha, eu também faço merda, tá? E faço aqui a mea culpa. Passado o calor do momento, a estupefação diante das imagens, a raiva diante da hipocrisia desses reacionários, chega a hora de falar racionalmente. E chamar esses golpistas de terroristas é um erro.

Fazendo também a minha autodefesa, esclareço que quando me referi a essa gente como terrorista foi muito mais para questionar a eles próprios sobre sua falta de princípios de quem nunca fez nada pela população indígena senão apoiar o agronegócio que os mata, mas que usou a prisão do cacique bolsonarista Tserere como pretexto para dizer que "lideranças indígenas estão sendo perseguidas" pelo mesmo Estado que vem fazendo cafuné em suas cabeças desde que começaram a contestar suas instituições. Privilégios do poder de consumo, da branquitude, de residir onde o CEP é socialmente aceito... Foi neste intuito, aliás, que endossei o coro de quem perguntou "e se fosse o PT?" ou "e se fosse na favela?" ou "e se fosse o MST ou o MTST?" ou "se fosse o Galo incendiando estátua de genocida?" Em nenhum momento questionei a legitimidade das ações praticadas por estes grupos, mas sim, o tratamento diferenciado concedido pelo Estado, que certamente não agiria da mesma forma se as manifestações fossem por aumento salarial para professores ou profissionais da saúde ou contra a violência policial em Paraisópolis ou no Jacarezinho.

Quanto à forma, penso que nenhuma força política cederá espaço de poder respondendo a um pedido "por favor". Luta é luta e os movimentos sociais por direitos iguais e redistribuição de riqueza devem chegar chutando porta se quiserem se ouvidos. Se é para chamar atenção e mostrar força, que incendiemos tudo mesmo. Se não criarmos o caos para eles, não teremos deles um passo para trás. E seríamos chamados de terroristas por isso.

O que é terrorismo? É agir com violência promovendo conflitos capazes de produzir sofrimento a quem tem o poder nas mãos, de tal forma que, diante da demonstração de força de quem pleiteia, os detentores abram mão do poder do qual são detentores. A definição legal de terrorismo no Brasil, de acordo com o artigo 2º da lei nº 13.260/2016, retira dos seus elementos constitutivos a correlação de forças inerente ao tipo de conflito em análise, esvaziando-o ao defini-lo como a "prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública." Em outras palavras, é a violência gratuita generalizada, independentemente de quaisquer motivações para ser praticada.

Sou crítico dessa lei, aprovada no governo Dilma em março de 2016, poucos meses antes do golpe que a destituiu da presidência da república, justamente por que, ao focar apenas na forma dos atos, ignorando as motivações a eles subjacentes, abriu espaço para que movimentos sociais legítimos pautados nas lutas sociais de quem é e foi oprimido pelo próprio poder estatal, pudessem ter suas manifestações enquadradas como atos terroristas, a despeito do teor do § 2º do artigo já mencionado. Embora o § 2º do artigo 2º exclua do tratamento previsto pela lei os atos praticados com "propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais", o ordenamento jurídico brasileiro, sistematizado por inúmeras leis que se entrecruzam mantém tipificações penais em legislações esparsas para que estes atos possam ser punidos criminalmente.

Voltando à questão das manifestações em Brasília, quando quisermos entender para além da forma, devemos sempre nos perguntar o porquê. A apreensão do conteúdo impulsionador de uma forma se dá quando, ao nos depararmos com a execução desta mesma forma, perguntamos os motivos pelos quais tais atos estão sendo praticados. Assim, não basta enquadrarmos incêndio a ônibus ou invasão de prédio público como ato terrorista. Essa e a forma, ou o meio pelo qual os grupos bolsonaristas estão se manifestando. Quando nos perguntamos por que, então sim, podemos responder que é pela manutenção de um governo derrotado pela vontade popular, que durante os últimos quatro anos, produziu inúmeras crises políticas, econômicas, sociais, que gerou desemprego, miséria, que promoveu violência no campo, assassinatos de lideranças indígenas e/ou campesinas, e que garantiu a acumulação de capital para a burguesia, enquanto gente fazia fila em porta de açougue para catar osso. Já são motivos suficientes para que estes atos sejam criticados, combatidos, enfrentados e seus agentes punidos.

Ah, Guto, mas eu quero ver essa gente presa. Quero que eles paguem, até porque se fossem moradores da Maré fazendo isso, a polícia já teria atirado nuns vinte.

Você é muito gentil. Eu não gostaria de vê-los presos, gostaria de vê-los fuzilados e acho que não há mal algum em desejar sua punição. O perigo é você acabar resvalando para o legalismo, adotando uma visão positivista sobre a norma criada pelo Estado que almejamos destruir. Cada vez que bradamos que "se colocaram fogo, são terroristas e devem ser punidos na forma da lei", estamos ratificando o teor da uma norma emanada pelo mesmo Estado que nos prende e nos mata quando fechamos ruas para lutar por mais saúde ou mais saneamento básico ou para impedirmos cortes de investimento na educação pública.

Podemos mesmo equiparar lutas por direitos sociais e melhores condições existenciais para populações vulnerabilizadas com a luta deles pela manutenção de um sistema que proporciona exatamente as condições que lutamos para combater, porque ambas, supostamente adotam uma mesma forma, que é a propagação do caos mediante perturbação da ordem pública? Se fechamos uma rodovia para protestar pela prisão do Rafael Braga por transportar em sua mochila desinfetante e água sanitária, estamos fazendo "a mesma coisa" de quem fecha rodovias para manter um genocida no poder? Fechar rodovias é uma forma equivalente. O conteúdo por trás é quem faz diferença.

Então, sim, eu quero ver punido cada um dos incendiários de Brasília. Não por incendiarem a propriedade privada alheia, que eu quero mais é que exploda. Mas, porque eu defendo um Estado organizado pela e para a classe trabalhadora. E já vimos que quem financia esses atos são grandes empresários de diversos segmentos, que não estão alinhados aos interesses dos trabalhadores.

Botar fogo em tudo não deve, por si só, ser ato punível. Antes, deveria ser ato copiado por quem pretende derrubar o sistema que a extrema direita se propõe a manter.

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