sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Numa Sociedade Comunista, The Voice Seria Desnecessário

Coisa perversa é um programa televisionado que mostra talentos desperdiçados por falta de espaço para todos, com apenas um vencedor ao final, a despeito de todos os outros músicos que vão ficando para trás a cada etapa. É uma metáfora para o próprio capitalismo, que não permite que tantos talentos em tantas áreas diversas sejam descobertos e aproveitados, porquanto as pessoas estão ocupadas demais trabalhando metade do seu dia para enriquecer alguém enquanto tentam sobreviver.

Você sabe por pintar telas, mas não desenvolve seu talento porque seu tempo dirigindo Uber não permite. E você sabe que enquanto trabalha feito um cavalo de arado, só pode soltar sua voz do videokê do boteco da esquina naquele sábado à noite que você tira para se divertir antes de outra semana árdua com uma mesa cheia de relatórios.

O The Voice é uma competição, uma jogo organizado para eliminar, deixando claro que o prêmio não é para todos. E não raro achamos injusta a premiação, pensando que Fulano ou Beltrana, que foram eliminados, eram melhores que quem venceu a competição. Serão pessoas esquecidas da mídia, que deixarão de lado seu sonho de cantar porque não têm no programa espaço para todos. Que voltem para suas casas e se percam atrás de um balcão de farmácia ou criando sistema informatizados enquanto se frustram por não poderem exercer o canto como atividade profissional.

Em uma sociedade organizada com uma divisão de trabalho equânime, voltada para atender às necessidades das pessoas em vez de servir à acumulação de capital por uns poucos, todos trabalharíamos menos, explorando melhor nossas afinidades e vocações, já que haveria trabalho para todos. Nosso dia seria nosso e não do nosso chefe. E não haveria necessidade de concorrermos por um lugar ao sol, visto que seríamos todos recebendo igualmente sua luz e seu calor. Parece um sonho. E é. E será irrealizável dentro do capitalismo, que é um sistema feito para tolher seus sonhos enquanto te esmaga lentamente a cada fim de expediente de um trabalho ingrato que você executou em silêncio porque se reclamar perde a vaga. E não há espaço para cantar.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Não é hora de criticar

— Ain, não é hora de criticar. Isso vai dar munição para fortalecer o outro lado.
— Ué, e quando será a hora de criticar?
— Quando estivermos suficientemente fortalecidos.
— E quando estaremos?
— Quando o outro lado estiver enfraquecido.
— E quando o outro lado estará enfraquecido?
— Quando tivermos uma base forte.
— E quando teremos essa base forte?
— Quando fizermos as devidas críticas!
— Mas, quando poderemos criticar, se nunca é hora?!
— Não é que nunca seja a hora. Só que agora não é.
— E quando será?
— Quando estivermos suficientemente fortalecidos.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

"Terrorismo" não é mais que forma. Precisamos atacar o conteúdo

"TERRORISMO" NÃO É MAIS QUE FORMA. PRECISAMOS ATACAR O CONTEÚDO.

Sim, eu também chamei os vagabundos golpistas de terroristas por estarem promovendo uma balbúrdia na capital federal, incendiando ônibus e invadindo a sede da Polícia Federal. Mas, olha, eu também faço merda, tá? E faço aqui a mea culpa. Passado o calor do momento, a estupefação diante das imagens, a raiva diante da hipocrisia desses reacionários, chega a hora de falar racionalmente. E chamar esses golpistas de terroristas é um erro.

Fazendo também a minha autodefesa, esclareço que quando me referi a essa gente como terrorista foi muito mais para questionar a eles próprios sobre sua falta de princípios de quem nunca fez nada pela população indígena senão apoiar o agronegócio que os mata, mas que usou a prisão do cacique bolsonarista Tserere como pretexto para dizer que "lideranças indígenas estão sendo perseguidas" pelo mesmo Estado que vem fazendo cafuné em suas cabeças desde que começaram a contestar suas instituições. Privilégios do poder de consumo, da branquitude, de residir onde o CEP é socialmente aceito... Foi neste intuito, aliás, que endossei o coro de quem perguntou "e se fosse o PT?" ou "e se fosse na favela?" ou "e se fosse o MST ou o MTST?" ou "se fosse o Galo incendiando estátua de genocida?" Em nenhum momento questionei a legitimidade das ações praticadas por estes grupos, mas sim, o tratamento diferenciado concedido pelo Estado, que certamente não agiria da mesma forma se as manifestações fossem por aumento salarial para professores ou profissionais da saúde ou contra a violência policial em Paraisópolis ou no Jacarezinho.

Quanto à forma, penso que nenhuma força política cederá espaço de poder respondendo a um pedido "por favor". Luta é luta e os movimentos sociais por direitos iguais e redistribuição de riqueza devem chegar chutando porta se quiserem se ouvidos. Se é para chamar atenção e mostrar força, que incendiemos tudo mesmo. Se não criarmos o caos para eles, não teremos deles um passo para trás. E seríamos chamados de terroristas por isso.

O que é terrorismo? É agir com violência promovendo conflitos capazes de produzir sofrimento a quem tem o poder nas mãos, de tal forma que, diante da demonstração de força de quem pleiteia, os detentores abram mão do poder do qual são detentores. A definição legal de terrorismo no Brasil, de acordo com o artigo 2º da lei nº 13.260/2016, retira dos seus elementos constitutivos a correlação de forças inerente ao tipo de conflito em análise, esvaziando-o ao defini-lo como a "prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública." Em outras palavras, é a violência gratuita generalizada, independentemente de quaisquer motivações para ser praticada.

Sou crítico dessa lei, aprovada no governo Dilma em março de 2016, poucos meses antes do golpe que a destituiu da presidência da república, justamente por que, ao focar apenas na forma dos atos, ignorando as motivações a eles subjacentes, abriu espaço para que movimentos sociais legítimos pautados nas lutas sociais de quem é e foi oprimido pelo próprio poder estatal, pudessem ter suas manifestações enquadradas como atos terroristas, a despeito do teor do § 2º do artigo já mencionado. Embora o § 2º do artigo 2º exclua do tratamento previsto pela lei os atos praticados com "propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais", o ordenamento jurídico brasileiro, sistematizado por inúmeras leis que se entrecruzam mantém tipificações penais em legislações esparsas para que estes atos possam ser punidos criminalmente.

Voltando à questão das manifestações em Brasília, quando quisermos entender para além da forma, devemos sempre nos perguntar o porquê. A apreensão do conteúdo impulsionador de uma forma se dá quando, ao nos depararmos com a execução desta mesma forma, perguntamos os motivos pelos quais tais atos estão sendo praticados. Assim, não basta enquadrarmos incêndio a ônibus ou invasão de prédio público como ato terrorista. Essa e a forma, ou o meio pelo qual os grupos bolsonaristas estão se manifestando. Quando nos perguntamos por que, então sim, podemos responder que é pela manutenção de um governo derrotado pela vontade popular, que durante os últimos quatro anos, produziu inúmeras crises políticas, econômicas, sociais, que gerou desemprego, miséria, que promoveu violência no campo, assassinatos de lideranças indígenas e/ou campesinas, e que garantiu a acumulação de capital para a burguesia, enquanto gente fazia fila em porta de açougue para catar osso. Já são motivos suficientes para que estes atos sejam criticados, combatidos, enfrentados e seus agentes punidos.

Ah, Guto, mas eu quero ver essa gente presa. Quero que eles paguem, até porque se fossem moradores da Maré fazendo isso, a polícia já teria atirado nuns vinte.

Você é muito gentil. Eu não gostaria de vê-los presos, gostaria de vê-los fuzilados e acho que não há mal algum em desejar sua punição. O perigo é você acabar resvalando para o legalismo, adotando uma visão positivista sobre a norma criada pelo Estado que almejamos destruir. Cada vez que bradamos que "se colocaram fogo, são terroristas e devem ser punidos na forma da lei", estamos ratificando o teor da uma norma emanada pelo mesmo Estado que nos prende e nos mata quando fechamos ruas para lutar por mais saúde ou mais saneamento básico ou para impedirmos cortes de investimento na educação pública.

Podemos mesmo equiparar lutas por direitos sociais e melhores condições existenciais para populações vulnerabilizadas com a luta deles pela manutenção de um sistema que proporciona exatamente as condições que lutamos para combater, porque ambas, supostamente adotam uma mesma forma, que é a propagação do caos mediante perturbação da ordem pública? Se fechamos uma rodovia para protestar pela prisão do Rafael Braga por transportar em sua mochila desinfetante e água sanitária, estamos fazendo "a mesma coisa" de quem fecha rodovias para manter um genocida no poder? Fechar rodovias é uma forma equivalente. O conteúdo por trás é quem faz diferença.

Então, sim, eu quero ver punido cada um dos incendiários de Brasília. Não por incendiarem a propriedade privada alheia, que eu quero mais é que exploda. Mas, porque eu defendo um Estado organizado pela e para a classe trabalhadora. E já vimos que quem financia esses atos são grandes empresários de diversos segmentos, que não estão alinhados aos interesses dos trabalhadores.

Botar fogo em tudo não deve, por si só, ser ato punível. Antes, deveria ser ato copiado por quem pretende derrubar o sistema que a extrema direita se propõe a manter.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Não é para você que o Estado trabalha

"Guto, você sempre fala esse lance de que o Estado trabalha para a burguesia, mas não consigo visualizar isso sem um exemplo prático."

Vamos lá... Se você for pequeno empresário e estiver devendo a um banco, poderá ser alvo de ação de cobrança por parte da instituição financeira credora. Se não tiver bens que possam quitar a dívida, poderá ter sua cota na empresa bloqueada por determinação judicial, conforme artigo 835, IX, do Código de Processo Civil.

Se você, pessoa física for cotista de 50% do capital de uma pequena empresa, essa empresa poderá ter 50% de suas contas bloqueadas para pagamento ao banco. Já é injusto que um grande conglomerado financeiro possa, em nome da propriedade privada, prejudicar as atividades de uma pequena empresa, tendo em vista todos os impactos sociais que isso pode gerar com a paralisação das suas atividades. Mas, acredite, piora: com o caixa bloqueado você, pequeno empresário — que não é burguês, acorda!!! — pode até ficar impedido de quitar com as obrigações da sua empresa perante seus funcionários.

Na prática, os empregados da empresa, que nada têm a ver com a relação entre cotista devedor e o banco, fica sem receber seu salário, o que põe em risco sua própria subsistência. Em resumo, a lei processual que permite que um trabalhador fique sem salário porque seu patrão deve ao banco, é uma norma emanada pelo Estado. E o Estado, ao permitir que o trabalhador deixe de receber pelo fruto do seu trabalho porque o banco precisa receber da pessoa física está dizendo que a verba de natureza alimentar devida a um trabalhador é menos importante que o dinheiro que uma instituição financeira tem para receber. Entende agora para quem o Estado trabalha? E que não é para você?

Quem quer destruir a família?

"Não posso trabalhar porque não tenho dinheiro para creche e não tenho com quem deixar as crianças."

Isso acontece porque na sociedade capitalista a atividade de cuidado com as crianças vira uma mercadoria e passa a ser cobrada. E a sobrevivência dessa família também vira mercadoria e é por isso que você vende sua força de trabalho. O capitalismo cria essa contradição: trabalhar para garantir o sustento, sem ter como cuidar da prole ou cuidar da prole mas não ter dinheiro para alimentar, vestir, educar, morar.

Em uma sociedade comunista, o cuidado pode ser compartilhado. Imagina se você pudesse sair de casa para exercer sua atividade profissional enquanto pessoas da sua vizinhança cuidam das crianças por terem afinidade com a tarefa e não por necessidade financeira, com todas as pessoas envolvidas tendo condições de sobrevivência, visto que as riquezas produzidas nesta sociedade seriam compartilhadas por todos em equidade. É essa sociedade que o capitalismo representado pela direita insiste em dizer que é uma ameaça perigosa.

Quando falarem que o comunismo vai destruir a família, entenda: o comunismo criará condições de desfazer as estruturas sobre as quais as famílias hoje se organizam, proporcionando condições de novos arranjos familiares de acordo com a conveniência e os interesses de todos os envolvidos.

Agora pense aí, o capitalismo obriga você a viver longe dos seus filhos para poder comprar os itens necessários à sobrevivência deles, que crescerão afastados de você e sentindo os impactos da sua ausência. Ou você troca essa ausência pela falta de dinheiro e obriga sua família a morrer de fome. Quem quer mesmo destruir a sua família?

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Quem cresce sozinho é bebê tartaruga

"Ain, tudo que tenho consegui sozinho! Nunca dependi de política!"

Amiguinho, negócio é o seguinte. Sozinho quem cresce, quando consegue, é o bebê tartaruga, que é jogado dentro do ovo na areia pela mãe que mete o pé e que, quando nasce, vai direto para o mar. Se quando você nasceu, alguém te pegou no colo e te deu um banho, você já não fez nada sozinho. E se quando você nasceu, teve oportunidade de ter alguém cuidando de você, isso já se dá por interferência política. Há lugares ou houve épocas em que isso é ou foi um privilégio.

Então, para de babaquice de achar que tu consegue tudo sozinho porque sozinho tu teria morrido. Você só existe porque construíram ao seu redor uma teia de relações que te atravessaram antes mesmo de você abrir os olhos. Sabe o que isso significa? Que ainda que tu quisesse ter conseguido tudo sozinho, não teria rolado porque você não teria sobrevivido nem às suas primeiras 24 horas. E isso é também política.

Como é ter HIV na Coreia do Norte?

VOCÊ SABE COMO A COREIA DO NORTE LIDA COM O HIV? E O BRASIL, VOCÊ SABE?

Algumas semanas atrás, através de um canal que sigo no YouTube, tomei conhecimento sobre a entrevista do Lucas Rubio no A Deriva Podcast, no qual ele falava sobre a República Popular Democrática da Coreia. Lucas Rubio é o Presidente do CEPS-BR, Centro de Estudos da Política Songun - Brasil, organismo dedicado ao estudo, discussão e disseminação da República Popular Democrática da Coreia, popularmente conhecida no Ocidente como Coreia do Norte, e dos seus pilares filosóficos e práticos: a Ideia Juche e a Política Songun.

Quem falou sobre a entrevista foi o Ian Neves, do canal Cortes do História Pública, canal de produção de conteúdo marxista para quem se interessa pelo tema. E na apresentação do evento, ao mencionar a profundidade do conteúdo, o Ian dizia, que "não importava qual seria a dúvida do espectador, certamente o Lucas Rubio a abordaria e a esclareceria".

De fato, as cinco horas de exposição sobre a Coreia que o Lucas apresentou no podcast foram talvez o conteúdo mais completo que eu já tenha visto sobre aquele país socialista, tendo realmente abordado uma gama imensa de temas como moradia popular, militarização do Estado, isenção tributária, taxas de emprego e desemprego, dentre muitos outros assuntos, esclarecendo e desmistificando a visão ocidental propagada por veículos tendenciosos de mídia a serviço de forças contratrevolucionárias.

Atualmente venho me aproximando de movimentos sociais de enfrentamento ao HIV/AIDS. Em um intervalo muito curto de tempo, uma pessoa muito próxima faleceu de complicações decorrentes da AIDS, diagnosticada tardiamente, e eu comecei a me relacionar com uma pessoa que vive com HIV, ativista da causa, o que fez com que eu me aproximasse, ainda timidamente, desse movimento, frequentando reuniões e tomando conhecimento de debates acerca de questões envolvendo a infecção pelo vírus. Estar num relacionamento sexual-afetivo sorodiferente, pouco tempo depois do diagnóstico tardio da pessoa que mencionei acima, e que veio a falecer, me trouxe um pouco mais de interesse pela causa, o que fez com que a pauta sobre HIV/AIDS começasse a estar mais presente nos assuntos do meu interesse. Assim, quando o Ian Neves comentou que na entrevista sobre a Coreia Popular, o Lucas Rubio tiraria qualquer dúvida, o primeiro pensamento que me veio foi "como é a questão da saúde pública na Coreia do Norte e quais são as políticas adotadas naquele Estado acerca de HIV/AIDS?" A pergunta surgiu junto com outra: "como o Estado coreano lida com a temática sobre direitos de pessoas LGBT?"

Sem necessariamente me surpreender, a entrevista não me tirou as duas dúvidas iniciais que me atravessaram, o que me fez pensar sobre como estamos tratando a questão sobre HIV/AIDS no nosso dia a dia. Pus-me a refletir sobre o assunto e percebi que o Ian Neves, ao citar a entrevista do Lucas, mencionando-a como apta a esclarecer todas as nossas dúvidas, simplesmente não cogitou a possibilidade de que uma dúvida sobre políticas de enfrentamento ao HIV/AIDS pudesse ser levantada. E não se trata aqui de demonizar o Ian Neves por sequer ter cogitado que a pauta sobre HIV/AIDS pudesse ser levantada, mas de criticar como nossa sociedade trata da questão.

O Ian é um professor de história e comunicador digital de esquerda radical, que demostra ter uma visão bastante empática e inclusiva, voltada à formação de pensamento emancipador para a classe trabalhadora, incluindo questões de pautas antirracistas, antipatriarcais, anti LGBTfobia nos debates que propõe em seu canal do YouTube. Não se trata aqui de acusá-lo de ter sido insensível ou alheio aos debates sobre HIV/AIDS, mas de questionar como se disseminam as informações acerca do tema na nossa organização social. É sobre a nossa estrutura educacional, de informação e de formação, e sobre o quanto essa estrutura permite ou não que debates sobre HIV/AIDS cheguem ao conhecimento das pessoas.

Falo da minha própria experiência. Embora não fosse uma pessoa completamente alienada de toda informação sobre HIV/AIDS, o tema não fazia parte dos meus assuntos cotidianos de discussão. E, se não tivesse passado pela experiência de perder alguém próximo e se não tivesse namorando uma pessoa que vive com HIV, muito provavelmente eu estaria até hoje distante de questões que hoje fazem parte das minhas conversas, leituras, preocupações e Cristo, e que foram trazidas por conta do movimento social do qual venho me aproximando, em especial do Grupo Pela Vidda - RJ que faz um belíssimo trabalho de prevenção, conscientização e acolhimento de pessoas que vivem com HIV. Hoje, a maior parte das pessoas com quem convivo, muitas das quais na lista dos amigos mais próximos, vivem com HIV e, graças a elas venho aprendendo um pouco sobre o tema, integrando-o com minha visão marxista da política. Mas, até bem pouco tempo atrás, se alguém me pedisse para levantar qualquer dúvida sobre a República Popular Democrática da Coreia, tenho absoluta certeza de que eu HIV não seria minha primeira questão. Não falamos sobre HIV no almoço de família, não falamos sobre HIV nas redes sociais, não pensamos no assunto quando não o vivemos.

Dezembro é o mês de conscientização sobre HIV. O Dezembro Vermelho, campanha instituída pela Lei nº 13.504/2017, marca uma mobilização nacional na luta contra o vírus HIV, a AIDS e outras IST (infecções sexualmente transmissíveis), chamando a atenção para a prevenção, a assistência e a proteção dos direitos das pessoas infectadas com o HIV. Acabei de participar do XX Vivendo - 20º Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV, evento de caráter multidisciplinar promovido pelo Grupo Pela Vidda - RJ no qual se relacionam a vivência das pessoas com HIV e AIDS, as contribuições da medicina e as discussões sócio-políticas e éticas. Foram realizadas mesas redondas, painéis de discussão, oficinas e outras atividades que procuram levantar questões atuais para quem vive com HIV/AIDS, constituindo-se como um importante fórum de capacitação e de intercâmbio entre pessoas de todo o Brasil.

Para mim, foi um importante evento que me permitiu estar por dentro de discussões sobre dados estatísticos sobre infecção, diagnóstico, adesão a tratamento, políticas públicas para garantir o direito à saúde, fornecimento de medicamentos pelo SUS, questões sobre patentes e interesses das indústrias farmacêuticas por trás das políticas de Estado implementadas no Brasil. Das pautas levantadas, pude observar que a falta de informação sobre o tema fora dos movimentos sociais ainda é um problema sério a ser enfrentado, em especial como medida de enfrentamento à estigmatização social que se impõe sobre pessoas que vivem com HIV. E que mesmo no mês de dezembro, quando supostamente se deveria falar mais sobre o assunto, os debates acabam restritos a poucos fóruns de discussão que não chegam como deveriam à maior parcela da população.

A partir disso, fica fácil entender que mesmo pessoas antenadas sobre inúmeras causas sociais, como o Ian Neves e o Lucas Rubio, não aventaram sequer mencionar como a República Popular Democrática da Coreia - RPDC lida com HIV/AIDS e quais são as políticas adotadas por aquele Estado: o que não é visto não é lembrado.

Hoje já sei por informação divulgada em 2019 pela UNAIDS Brasil que a chamada Coreia do Norte não se encontra na lista dos 48 países do mundo que impõem algum tipo de restrição no trânsito e na permanência de pessoas com HIV em seu território. Em 2015, ainda segundo informações da UNAIDS, era um dos 17 países que deportavam pessoas com HIV. Ainda não tenho informações sobre produção e distribuição de remédios pelo sistema público de saúde da República Popular Democrática da Coreia para pessoas que vivem com HIV, mas estou pesquisando. A informação combate o preconceito, tanto o que se manifesta pela xenofobia e racismo que recaem sobre questões envolvendo a República Popular Democrática da Coreia, quando a sorofobia e os estigmas sociais que recaem sobre pessoas que vivem com HIV.

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O Grupo Pela Vidda - RJ é uma organização sem fins lucrativos e se mantém através de contribuições da sociedade. Doações podem ser realizadas por meio de depósito informado, transferência bancária), para a conta no Banco Bradesco Agência: 0468, C/C: 165.355-5, ou pelo PIX, pela chave CNPJ 35798651/0001-53.