segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Há uma imagem a preservar?

Conversando com um amigo que é PVHIV (pessoa que vive com HIV), recém-saído de uma relação relativamente duradoura, sorodiferente (ou seja, aquela na qual uma das partes vive com o vírus e outra não), disse-me que tinha interesse em participar de atividades de prevenção e conscientização sobre HIV/AIDS, integrando grupos de apoio, "saindo do armário do vírus", assumindo publicamente sua própria condição de pessoa com sorologia positiva para poder falar mais sobre o assunto. Ato contínuo, disse-me que não o fazia apenas para "preservar a imagem do ex". Argumentava de forma vaga que a maioria das pessoas são ignorantes e preconceituosas e não entendem a possibilidade de existência de relacionamentos sorodiscordantes, de forma que invariavelmente pensariam que seu ex também tem o vírus.

Imediatamente perguntei se ele se sentia inferior a outras pessoas por ser PVHIV. Disse-me que não. Devolvi novo questionamento: por que então você acredita que associar uma outra pessoa à exposição ao vírus é expô-la negativamente, a tal ponto que considera manter o segredo como "preservar sua imagem"? Que imagem precisa ser preservada? A de alguém que não vive com o vírus?

A partir do momento que se entende como "uma imagem a se preservar" a de uma pessoa sem HIV, pela via inversa está se dizendo que ser "confundido" com PVHIV é um problema. É assumir que ser PVHIV o coloca numa condição inferiorizada em relação à condição de pessoa que não vive com HIV. É, de alguma forma perpetuar o preconceito que existe sobre o vírus.

Os aplicativos de pegação nos quais tenho cadastro possuem campos específicos para que você informe sua sorologia. Acho isso um desaforo e me recuso a preencher o meu status sorológico. Entendo como desrespeitosa a criação de um campo para que pessoas digam se têm ou não um vírus. Quem vive com HIV não tem obrigação alguma de "alertar" pessoas sobre sua condição. Que não vive não deve exibir sua condição, como se fosse um troféu ou um selo do INMETRO. Deixo meus campos em branco e quem quiser pensar qualquer coisa a meu respeito, que pense.

"Mas, Guto, vão pensar que você é PVHIV e suas possibilidades de pegação ficarão restritas porque vão te discriminar." E quem te garante que eu não sou? Foda-se, meu bem. Não faço nenhuma questão de desmentir. Afastar pessoas preconceituosas não é restrição, é livramento. Não existe uma "imagem a se preservar" quando se entende que ser PVHIV não é um dano à imagem. Dano é perder gente querida para AIDS, como já perdi, por ignorância, preconceito e falta de acolhimento. Se para alguém é um problema ser tachado de PVHIV, que trate a própria sorofobia.

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