terça-feira, 28 de novembro de 2023

Hegemonia cultural em preto e branco

Um influenciador digital preto foi encontrado morto em sua casa, em Salvador. Aparentemente se suicidou.

Um ator branco estadunidense foi encontrado morto em sua casa, em Los Angeles. Aparentemente se afogou.

Adivinha qual dos dois está inundando minhas redes sociais.

Isso é hegemonia cultural. É a dominação ideológica pautada nas ideias de quem detém o poder político. Karl Marx disse que as ideias dominantes em uma sociedade são as ideias da classe dominante.

Não estamos falando sobre saúde mental quando um influenciador digital preto e nordestino supostamente se suicida. Mas estamos lamentando a perda de um ator branco porque temos uma relação nostálgica com um dos seus personagens de uma série que tem quase 30 anos.

Não se trata aqui de criticar a conduta pessoal de quem está postando sobre Matthew Perry enquanto nem sabe quem foi Rodrigo Amendoim. Não é sobre moral de quem lamenta ou deixa de lamentar uma ou outra morte. É uma reflexão sobre o tipo de influência a que somos submetidos por conta da dominação de uma cultura sobre as outras. E você ainda acha que falar em imperialismo é teoria da conspiração...

terça-feira, 31 de outubro de 2023

O benefício da dúvida porque eu sou gente boa pra c**alho

É consenso [ou não?] entre marxistas a relação direta entre a miséria a que são submetidas determinadas pessoas e a criminalidade. Não analisamos a criminalidade pelo viés moral. Não determinamos o caráter e a moralidade de cada pessoa que pratica um ato considerado delituoso, decorrente da situação de precariedade e vulnerabilidade a que é submetida.

Não discordo disso e venho pensando muito a respeito do assunto. Se já era fácil me fazer de trouxa, hoje tem sido praticamente inevitável. Venho me tornando paradoxalmente mais tolerante no julgamento que faço a respeito das condutas das pessoas ao meu redor, quando se trata de qualificá-las como boas ou más. Não é sempre, claro. Tenho meus desafetos e não são poucos. Mas, entender a influência do meio sobre a construção da subjetividade de alguém me permite ser mais tolerante. Veja bem, eu disse "influência" e não "determinação". Em vez de lhe apontar o dedo na cara e questionar sua intenção de me causar um dano, colocando em xeque o seu caráter e categorizando-o sumariamente como uma "pessoa ruim", começo a questionar a que tipo de influências essa pessoa foi exposta e quais são suas razões para determinadas posturas.

Vivemos em um sistema que nos mantém sob a constante ameaça da perda. O medo é um instrumento de controle e nos mantemos neste sistema por medo. Medo de perder. Medo de fracassar. Medo da miséria. Medo da fome. Medo de não pagar o aluguel. Medo de não poder sustentar o filho. Em um sistema pautado na escassez, que nos põe a todo o tempo na ameaça da perda, segurar o nosso é estratégia de sobrevivência. Farinha pouca, meu pirão primeiro. É assim que dizem.

Não se iluda. O emprego que você tem coloca dezenas ou centenas ou milhares de pessoas na miséria. E tem gente morrendo de fome no mundo porque você consegue comprar a sua pizza numa sexta à noite. Horrível né? Não se culpe. A responsabilidade não é sua. Questione o que o sistema te impõe.

Digressões à parte, estamos todos apenas querendo viver nossa vida em paz, com o mínimo necessário. Acontece que meu mínimo necessário é o parâmetro que eu trago pelas minhas vivências. O seu mínimo necessário pode ser um prato de comida, quando você desafortunadamente "se acostumou" a viver na rua e passar fome. Ou pode ser um carro e uma casa, quando seu lugar na sociedade sempre lhe permitiu gozar destes direitos. Mas, quando tudo é uma ameaça ao tão pouco que o sistema já nos lega, nosso elástico moral se estica ao limite da nossa necessidade. Às vezes precisamos desesperadamente mostrar serviço porque sentimos desesperadamente o medo da insegurança de perder aquele emprego. Às vezes precisamos desesperadamente roubar um prato de comida porque sentimos desesperadamente a fome e o medo de que ela perdure.

Frequentemente tomamos nosso ponto de vista não como um ponto de partida, mas como O Ponto de Partida. Como se fôssemos a régua que mede o mundo. E até compreendemos o desespero do moleque faminto, porque sua realidade tanto se distancia da nossa, que conseguimos enxergar o contraste. Ao contrário, quando vemos atitudes questionáveis de pessoas do nosso convívio, tendemos a julgá-las negativamente. Frequentemente de forma liminar. Afinal, quando nos tornamos parâmetro para mundo, pensamos ser óbvio que tal atitude não foi adequada a uma "conduta normal", o nosso parâmetro de normalidade, a nossa conduta, a conduta que faríamos. Eu e você. E se eu e você faríamos, pensamos ser óbvio que qualquer outra pessoa perto de nós faria também. E, na nossa visão, se há uma justificativa plausível para mim e para você agirmos de determinado modo, e aquela outra pessoa agiu diferente, inferimos automaticamente que aquela pessoa tem uma conduta moral inadequada. É uma pessoa má, que não merece nossa compreensão, mas nossa raiva ou nosso desprezo. Começo a questionar essa mania de tacharmos uma pessoa de má. Já fui chamado de "relativista" por pensar assim. E não era um elogio.

Não sei você, mas quando não vejo no outro uma ameaça direta a mim, pautada no desejo da minha aniquilação, manifestado na intenção de me causar um dano, passo a não enxergar no outro a fonte da minha raiva. Ainda que seu comportamento me cause um dano. A raiva é da situação e não da pessoa. Isto me direciona a questionar o que está além da capacidade de escolha consciente do outro, isto é, a estrutura dentro da qual se insere que o moldou àquela forma que hoje ele manifesta.

Quando o moleque me rouba na rua, sinto frustração pela minha perda material, mas não direciono meu ódio ao assaltante e sim à toda engrenagem social que cria naquela pessoa a necessidade de assaltar alguém, que por azar fui eu.

A raiva canalizada numa mesma direção é uma arma política poderosa. No meu dia a dia lido com gente marginalizada por muitos lados. Uma parte considerável das minhas relações sociais são com pessoas de alguma forma excluídas ou marginalizadas. Tenho amizades, relações profissionais, contatos virtuais e presenciais com pessoas pretas, periféricas, transgêneras, mães solo, precarizadas, desempregadas... gente que "faz seus corre" porque, antes de tudo, foram ensinadas que a vida é uma coleção de perdas, e depois, que é preciso garantir o seu. Olha a farinha pouca aí.

E justamente nessas pessoas, vejo a todo momento condutas moralmente questionáveis que poderiam fazer com que o caráter de muitas delas pudesse ser posto à prova, colocando-as como pessoas em quem não se devesse confiar e de quem eu deveria me afastar. Vejo isso a todo canto. Pessoas se perdendo umas das outras ou sequer se permitindo criar conexões porque presumem e se afastam, sem buscar uma compreensão do fenômeno. Uma legião de indivíduos postos na solidão e queixando-se de solidão.

Imagino quão solitária é a existência de quem vê em todos ao redor uma ameaça, alguém de quem se deve manter distância. Na moral, tenho preguiça. Prefiro me esforçar para ver em todos ao meu redor uma conduta justificável por seu medo somado à uma necessidade de sobrevivência em um mundo de escassez. Em vez de me afastar de alguém por vê-lo como uma ameaça, opto por me aproximar de alguém por vê-lo como uma vítima do mesmo sistema que massacra a todos nós e contra o qual quero justamente unir esforços para destruir. É, no mínimo, útil, buscar elementos de aproximação em vez de elementos de repelência.

Fora que é legal pra cacete ser gente boa e todo mundo gostar da gente. Em um mundo neoliberal, em que as pessoas estão cada vez mais ensimesmadas e individualistas, dado que a própria organização da sociedade capitalista nos coloca integralmente na condição de concorrentes umas das outras, sinto um pouco de paz em levar minha vida sem achar que todas as pessoas ao me redor me odeiam e desejam meu mal. Antes, vejo que cada uma só precisa garantir para si aquilo que sua existência lhe ensinou ser o mínimo necessário. E no caso das minhas relações sociais, são o mínimo mesmo.

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A fuga do enfrentamento trará o fascismo de volta

Política não é só diálogo. É também enfrentamento. Em certos momentos é preciso abrir mão da diplomacia e conclamar a revolta. Em nome da "governabilidade", o Lula demite do seu governo a TERCEIRA mulher para colocar no lugar um homem aliado do Arthur Lira. O aniversariante do dia acabou de entregar a Caixa Econômica Federal ao economista Carlos Antônio Vieira Fernandes, indicado de Arthur Lira para o cargo.

Se o presidente da Câmara já é um entreguista de mão cheia que atua em prol do sistema bancário privado, tendo agora nas mãos um banco público, é intuitivo prever que poucas, ou nenhuma, serão as medidas de enfrentamento ao rentismo pelo sistema bancário público.

Com popularidade em queda, Lula segue sua política de composição com a burguesia, empurrando na classe trabalhadora os ônus decorrentes do empoderamento político dos bancos e entidades financeiras. Não vale dizer que vai governar para os pobres e permitir taxas de juros altíssimas que devoram seus salários e enriquecem ainda mais os banqueiros.

Por fugir do enfrentamento, Lula impõe ao Brasil um altíssimo preço quando não tiver mais apoio popular e levar uma rasteira da direita para quem ele está hoje abrindo caminhos. A ascensão da extrema direita será uma consequência direta e inevitável dessa desmobilização popular por falta de enfrentamento do Presidente Lula, em nome de um suposto diálogo com a oposição. O golpe vem. E quem pagará o preço quando Lula cair será a população.

O susto de hoje e a geração assustada de amanhã

Se hoje está difícil para millenials e para a geração Z, em quinze ou vinte anos teremos adolescentes e jovens adultos traumatizados, incapazes de confiar nos próprios pais e, muito provavelmente, em todas as outras pessoas, isolando-se e privando-se do convívio social.

Isso porque são hoje bebês ou crianças mais crescidinhas, vítimas de pegadinhas e sustos pregados por seus próprios pais e mães que, em busca de views e curtidas nas redes sociais, não se tocam que os pequenos ainda não têm o discernimento e a vivência necessários para compreender a dinâmica que os põe nesse lugar de causar o riso pelo ridículo a que são expostos.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

O silêncio é de ouro

Se somos o resultado do que recebemos no processo de socialização, talvez calar e ouvir sejam mais importantes do que falar. É como trazemos para dentro da nossa consciência o mundo que nos rodeia, somando a quem somos o que há a nossa volta.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

A mídia burguesa e a desumanização dos palestinos

Já vi na mídia burguesa fotos, nomes e história de vida de duas das vítimas da reação palestina aos ataques promovidos há setenta e cinco anos pelo Estado de Israel. Fazem questão de mostrar que, por trás de uma estatística, havia pessoas de carne e osso, que morreram por uma reação que não teria acontecido se não tivesse havido um processo colonizador extremamente cruel de toda uma população palestina, submetida a todo tipo de humilhação por parte dos israelenses.

Alguém lembra do rosto, do nome ou da história de alguma das vítimas do Estado de Israel? Duvido. A mídia burguesa não vai mostrar. E aí se dá o processo de desumanização dos palestinos, cujas histórias não são compartilhadas conosco. O que não é visto não lembrado. E assim a mídia transforma em números uma existência humana, para impedir qualquer tipo de identificação com a vítima.

Os mortos de lá são "jovens", "com sonhos", "civis". Os mortos de cá, os vivos de lá chamam de "terroristas".

Aliás, o que a mídia burguesa chama de "guerra" eu prefiro chamar de "massacre". Não há equivalência bélica entre Israel e Palestina para que possamos chamar de guerra um conflito que desde 2008 até antes deste último final de semana matou 6.300 palestinos, ferindo outros 150 mil, enquanto 300 israelenses foram mortos e outros 6.300 foram feridos.

Fica a lição: não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor.

Onde tem gay tem paz?

ONDE TEM GAY TEM PAZ?

O Projeto de Lei nº 5.167/2009, que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foi aprovado hoje na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família na Câmara dos Deputados.

Evidentemente inconstitucional, o texto original do ex-Deputado Capitão Assunção (PSB-ES), tenta acrescentar ao artigo 1.521 do Código Civil um parágrafo único, com a seguinte redação:

“Art. 1.521 (...)

Parágrafo único. Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar.” (NR)

É, amiguinhes, quando eu digo que a esquerda institucional é a esquerda que a direita ama, tem gente que não acredita e acha que eu exagero. Evidentemente, o texto é inconstitucional porque conflita diretamente com o artigo 5º da aniversariante do mês, ela mesma, a Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e prossegue no inciso I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Só isso já seria suficiente para impedir o avanço do projeto de lei. Mas, ele passou, não passou?

Faltam ainda duas outras Comissões, ao contrário da primeira, cujo presidente é o bolsonarista Fernando Rodolfo (PL-PE), as duas faltantes, a de Direitos Humanos e a de Constituição e Justiça, são presididas por membros do PT, respectivamente, Luizianne Lins (PT-CE) e Rui Falcão (PT-SP), o que sugere que irão enterrar de vez essa aberração que tem o Gênesis, da mitologia bíblica, como base para sua justificativa. Palmas para o PSB!

A OAB já emitiu um parecer, a pedido da deputada Erika Hilton (sempre ela, nossa futura presidenta!) e da Aliança Nacional LGBTI+, apontando a inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 5.167/2009, pautando-se no precedente aberto pelo STF “quando julgou procedentes a ADPF 132 e a ADI 4277, quando reconheceu que a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo constitui família conjugal e união estável constitucionalmente protegida”.

Não há nada portanto para se preocupar. Tudo indica que o PL 5.167/2009 será sepultado muito em breve, não é mesmo? Afinal, não tem como a Câmara dos Deputados votar uma lei que atenta contra a Carta Magna do país, sua lei maior, que é a própria Constituição! Impossível! A-hã, Cláudia, senta lá! Bora cair na real, bora?

Tô de olho que tem uma galera otimista cruzando os braços e dando joinha porque, se tá Constituição, então tá com Deus! Não precisa se preocupar, não precisa debater, não precisa se mobilizar politicamente. É inconstitucional e até a OAB já disse que a gente vai casar! Sabe o que também é inconstitucional? É um Poder Legislativo em um grande acordo nacional, com o STF, com tudo, inventar que pedalada fiscal é crime para destituir uma presidenta democraticamente eleita. Opa... passou, a gente nem viu! Sabe o que também é inconstitucional? É a PM invadir casa das pessoas, ou seu asilo inviolável, nos termos da Constituição Federal, sem um mandado de busca ou um mandado de prisão. Hoje mesmo, uma colega de trabalho teve sua casa revirada pelos cães de guarda da burguesia, soltos no Complexo da Maré, prontos para fazerem uma arruaça inconstitucional. Sabe também o que é inconstitucional? Nada não, deixa pra lá, acho que o recado foi dado: Em pleno 2023, a gente ainda acredita nas instituições ditas democráticas, a ponto de acreditarmos que o PL não vai passar só porque atenta contra a Constituição?

Amiguinhe, vamos aprender uma coisa: onde há gay, não há paz. Um tempo atrás, eu lia essa frase como um ataque homofóbico, indicando que pessoas gays eram responsáveis por tirar a paz de quem quer que fosse, onde quer que estivessem. Hoje, leio e compartilho como um conselho de amigo. Onde há gay não há paz, pois sempre haverá um homofóbico fundamentalista de plantão, pronto para fazer um inferno na terra, baseando-se em mitos religiosos para cercear direitos. Tá lá na justificativa daquela lei teratológica: “Esse plano é claro. Um homem ligado a uma mulher. Milhares de anos mais tarde, Jesus afirmou que esse ainda é o plano de Deus”.

Onde há gay não há paz, e é preciso ir além. É preciso lembrar que onde há qualquer corpo dissidente, não só o gay, mas também as pessoas LBTQIAPN+, a população negra, as mulheres, as pessoas gordas, as pessoas com deficiência, as pessoas indesejáveis ao sistema de consumo, quaisquer delas, não haverá paz, pois sempre haverá alguém com muita disposição para aniquilar essas existências. Por isso, a mobilização política nunca deve parar. É hora de fazermos barulho e muita pressão popular para impedirmos o avanço do PL nº 5.167/2009. Porque a Constituição é uma jovem que, em sua curta existência de trinta e cinco anos, já foi muitas, muitas vezes, mas muitas vezes mesmo, violada e descumprida. A começar pela igualdade que ela diz que todo mundo tem e que você, amiguinhe LGBTQIAPN+ tá cansade de saber que não é bem assim, ainda mais depois de uma vida inteira se sentindo diferente porque a sociedade nos tratou como uma aberração.

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Insegurança Pública

Você sabia que quando tem operação policial como a de hoje na Maré, postos de saúde e escolas fecham, deixando milhares de alunos sem aulas e pessoas sem serviço de saúde? O Estado faz isso em nome de uma suposta segurança pública. E sabemos da ineficácia desse método violento porque a criminalidade nunca acabou.

Não é Segurança Pública deixar um complexo de favelas com 140 mil moradores com medo! Segurança Pública deve proteger e não ameaçar.

Não é Segurança Pública deixar 44 escolas fechadas e 16.138 alunos sem aula na Maré e 14 escolas fechadas e 5.143 alunos sem aula na Vila Cruzeiro. Segurança Pública não deve impedir o acesso à Educação.

Não é Segurança Pública fechar três Clínicas da Família que atendem a Maré, suspendendo todos os atendimentos. Segurança Pública deve garantir a Saúde.

sábado, 7 de outubro de 2023

O choque de uma pseudoesquerda moralista e conservadora

Já falei aqui que tô com mais ranço da esquerda liberal que da extrema direita, né? É aquela parada, extremista de direita a gente já sabe que é idiota e não espera nada de bom. E eles conseguem ser coerentes! Não prometem nada e não entregam também. Já o campo de esquerda...

Teve um rolê aí do Ministério da Saúde em que teve até uma dancinha erótica que, claro, foi problematizada pela fascistada. E surpreendente (ou não) uma galera da base aliada também se engajou fortemente para criticar o Governo Federal. Um chororô de que a tal apresentação agora vai dar munição para a oposição, que vai finalmente ter um motivo para reclamar.

Na moral, cêis são chatos bagarai. Gostei da apresentação? Não, não gostei. Mas, sinceramente, o que não falta é motivo para criticar o governo federal, desde a privatização de presídio com apoio do BNDES, passando pelo arcabouço fiscal, até chegar no Jorge Paulo Lemann dando pitaco na educação que era para ser pública. E não vi nas redes a mesma insatisfação com o governo por parte desses setores moralistas dessa pseudo esquerda que a direita ama. Agora, foi só uma dançarina balançar a bunda num evento, para chover resmungo chamando de obscena a dancinha, apontando como lamentável o incidente e chamando de tiro no pé. O governo vai ter que se explicar, dizem.

Na real, obscena para mim é a taxa de juros do Banco Central a 12,75% ao ano, garantindo o pagamento de quase 550 bilhões de reais de juros para banqueiros e rentistas da dívida pública. E não vi os esquerdistas moderados fazerem barulho por isso. Sabe o que eu queria mesmo que fosse explicado: o assassinato do Diego, irmão da Sâmia, que estão dizendo que foi morto por engano, por estar no lugar errado com o sósia errado do miliciano que deveria ser o alvo. Sem querer plantar teoria da conspiração, não parece conveniente que os supostos assassinos tenham aparecido mortos e o caso esteja solucionado dois dias depois, substituindo-se as manchetes sobre esse crime brutal por uma dança de conteúdo sensual que toda a direita fascista decidiu alardear para fazer cortina de fumaça?

A direita não pode ver uma bunda chacoalhando que já começa o mimimi. E isso não é surpresa para ninguém. Já a ala moralista da esquerda seguindo o fluxo, chocada, exclamando "meu deus, uma bunda, quem deixou passar?" com a mão no colar de pérolas imaginário e ar de incredulidade, isso sim é de cair o cu da bunda. Enquanto isso o governo federal faz pacto com o Rio de Janeiro para colocar a guarda nacional revistando mochila de criança na porta da escola da favela sob o silêncio constrangedor de quem se ocupa mais com a bunda rebolante de uma dançarina que com o governo seguir enfiando o que pode e o que não pode na bunda da população.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Consciência

Consciência

Num boteco, cá estava eu sentado
Em contemplativo solilóquio interior
Vendo à mesa que uma turma ocupava
Divertindo-se ao redor de garrafas vazias
Quando, a céu aberto, deu-se a cena
Que ora aqui descortino

Tirando da algibeira um maço
Tomando para si o primeiro cigarro.
Pôs-se alguém ali presente a fumar.
Passava um transeunte maltrapilho
Que diante do envolvente aroma
de câncer com tabaco
Parou, mãos espalmadas, à sua frente:

— Não tenho fome, devo ser sincero.
Alhures, já alguém me alimentou.
Dê-me apenas um cigarro! Que da vida
não recebo um mísero prazer.
Esta existência desgraçada tudo me negou,
e tampouco vícios tive o direito de cultivar.

Sequer hesitou a pessoa que fumava.
Pôs no bolso a mão, e de volta trouxe o maço
que inteiro deu ao desafortunado.

— Assim tu me constranges — disse o roto —
Pedi somente um, posto que nunca tive nada.
E nunca aprendi a lidar com muito,
que sempre foi meu desconhecido.

— Leve tudo, não há vergonha alguma.
De onde trouxe este
deu-me a vida a chance para lá voltar.
Cá estão minhas ébrias amizades
Rindo-se comigo nesta hora
de consciências cambaleantes e risos frouxos.
Se nada nesta mesa me foi dado
e tudo que secamos teremos que pagar,
cá estamos porque pudemos.
Não é mérito,
há também sortes e acasos.
Desigualdade que a ordem propicia
E a história explica.
Como posso aqui fartando-me estar
de bebidas e frituras que me custam
além de moedas, também fígado e artérias,
quando há gente, como tu, tão miserável?
Acende teu cigarro e todos os outros,
Pega para ti também uma garrafa.
E segue em paz o teu caminho.

Partiu, então, o pedinte, esfumaçando
A brasa acesa que entre os dedos punha aos lábios
Curvados num incrédulo sorriso.
À mesa, poucos metros adiante
Deste narrador da cena urbana aqui descrita,
Voltavam a beber, brincar e rir
Os comensais que ali estavam
E que alguma coisa celebravam
E eu jamais saberei o quê.

Rio, 30 de setembro de 2023

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Queimação

Queimação

Que sentido dás a teu existir
se te roubam da vida horas
das quais só guardas o cansaço?

Esperas tão pouco
E tampouco recebes do destino
o quase nada que desejaste.

De longe sonhas o sossego
que não soubeste construir
nas escolhas erradas que fizeram a ti

Vais dormir, que é o que te resta!
Ao menos madrugada adentro
o calor cedeu à garoa
e venta lá fora.

Rio, 26/09/2023

Pouco pode pensar quem tem tanto o que fazer

Sabe quando você se depara com pensamentos incomuns para os temas cotidianos, de filósofos antigos, que trazem aquelas ideias que você julga confusas e ao mesmo tempo incríveis? E nessa hora você se faz uma pergunta clássica: "Será que essa pessoa não tinha mais o que fazer da vida, para poder ficar pensando nessas coisas?" Quem nunca fez essa pergunta numa aula de matemática? Ou estudando Platão?

Então, a resposta a essa pergunta provavelmente era "não, não tinha". De fato, "ter tanto o que fazer" é uma realidade potencializada pelo capitalismo, que te impõe existir para trabalhar, enquanto produz riqueza para quem lucra em cima do seu tempo de vida.

Pessoas são "gênios" na história da humanidade porque puderam ser. Porque tiveram tempo para explorar suas potencialidades, como aquele seu amiguinho que canta bem pra caralho em todo karaokê, mas não pode explorar uma carreira artística porque passa oito horas do dia atrás de um balcão e seis horas preso em engarrafamentos nas idas e vindas de casa para o trabalho. Ou aquela colega de classe que desenhava incrivelmente e nunca se profissionalizou como sonhava por ter que fazer uma faculdade que "dá dinheiro". Virou engenheira e hoje dirige Uber.

O capitalismo não produz gênios, pelo contrário, sufoca-os. Quando Platão pensou sobre o Mito da Caverna, considerando sua origem abastada em uma família que possuía escravos, é bem possível que, de fato, não tivesse "mais o que fazer". Pense nisso, toda vez que você lembrar que nunca tem tempo para fazer aquela atividade que você gosta tanto, porque está sempre em permanente exaustão física e mental, causada por uma rotina de trabalho que não te realiza em nada. Apenas paga suas contas. Contas, aliás, que você não teria se não vivesse no capitalismo. Ah, aproveite para ler o Mito da Caverna e se perguntar depois, se o sistema capitalista não são as sombras na parede.

domingo, 24 de setembro de 2023

A branquitude e seu passe livre para as drogas

— Ain, Guto, você briga pela legalização da maconha sem compromisso nenhum porque o que você quer, na verdade, é ter direito de consumir um beckzinho na praia sem a polícia te parar.

— Meu bem, eu sou um homem branco. Para mim, a maconha já é liberada na praia, em casa, na rua, ou em qualquer outro lugar. Se eu quiser ir agora para uma boca comprar maconha, à luz do dia, eu vou comprar, vou colocar na bolsa, vou andar por esse Rio de Janeiro inteiro com ela e não vou ser sequer olhado por um policial. Em quase 17 anos morando no Rio, eu só tive a minha mochila revistada UMA ÚNICA vez. Foi numa blitz que rolou num ônibus que eu estava, voltando do trabalho, uns quinze anos atrás, e só aconteceu porque eu provoquei o policial que ia passar direto por mim para abrir a bolsa do rapaz negro ao meu lado, quando eu perguntei porque ele não iria me revistar também. "Você não precisa", ele disse. E eu respondi "Não preciso por quê?! Porque que sou branco? Porque eu estou de terno e gravata? E se eu estiver com droga ou arma aqui na minha maleta, você vai passar direto por mim para revistar uma pessoa ao meu lado, só porque ela é negra?" Ele me revistou com toda má vontade do mundo e voltou a atenção para seu "alvo". Então, não, meu amor, eu não brigo pela legalização da maconha para ter direito de fumar um beck na beira da praia ou na baladinha. Se eu quisesse sentar à porta da minha casa agora e acender um baseado, eu faria com a certeza de que nada iria me acontecer. A briga é justamente porque existe uma população carcerária de 830 mil presos, dos quais quase 45% sequer foram julgados. Jovens pretos e pardos somam mais de 60% dessa população. 55% das mulheres presas estão ali por tráfico ou associação ao tráfico. Normalmente pessoas pegas no varejo da droga, cujas famílias crescem sem mãe ou sem pai, porque estão na cadeia. Já o senador branco com meia tonelada de pasta base de cocaína no helicóptero... minhas pautas, inclusive, são pela liberação de todas as drogas e não só da maconha. Então, não fala besteira, amiguinhe. Se eu quisesse cruzar os braços e não mobilizar esforço algum, eu continuaria tendo direito de fumar um baseado na praia. Então, minha mobilização é por essas pessoas presas por portarem um cigarrinho no bolso, e que sabemos, têm cor e endereço específicos.

sábado, 23 de setembro de 2023

Drogas: Quanto Custa Proibir

Acabei de assistir ao evento "Drogas: Quanto Custa Proibir", promovido pelo CESeC - Centro de Estudo de Segurança e Cidadania, em que participaram da primeira mesa de debates, além da coordenadora do CESeC, a socióloga Julita Lemgruber, também as coordenadoras de pesquisa Mariana Siracusa e Rachel Machado. Da segunda mesa, ainda com a presença de Julita Lemgruber, com mediação do influenciador digital Raull Santiago, participaram a deputada estadual Renata Souza e o neurocientista Sidarta Ribeiro. Na plateia, algumas lideranças políticas registradas, como as vereadoras Monica Cunha e Monica Benicio e a deputada federal Jandira Feghali.

Na primeira mesa foram apresentados os dados levantados pela pesquisa que dá nome ao evento, sendo apontados alguns números referentes aos custos sociais, econômicos e políticos que a famigerada "guerra às drogas" impõe à sociedade. Somente os estados de São Paulo e Rio de Janeiro juntos, para manterem as políticas oriundas da Lei nº 11.343/2006, que instituiu o Sisnad - Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas, são gastos anualmente R$ 5,2 bilhões. 74% das escolas do Rio de Janeiro foram afetadas pelos tiroteios resultados de operações policiais, sendo registradas uma perda aproximada de 64% do aprendizado esperado para português e quase 100% de perda no aprendizado de matemática, dentre alunos do 5º ano do ensino fundamental. No eixo da saúde 59,5% das pessoas relatam fechamento de postos de saúde, impedindo a população de acessar adequadamente o serviço.

Ao final da primeira rodada, na intervenção cultural que contou com a participação de MC Martina e Slam Laje, do Complexo do Alemão, foram recitados dois poemas, após os quais, deu-se início à segunda mesa de debates. O neurocientista Sidarta Ribeiro expôs a dificuldade de pesquisadores dos últimos trinta anos conseguirem levarem a cabo suas pesquisas com maconha para uso medicinal, em razão do pânico moral que sempre rondou o tema, e que sempre apresentou obstáculos à aquisição das substâncias envolvidas na pesquisa. Na sequência, enfatizou como o estigma sobre o tema, apontando-o como um instrumento dos conservadores, para perpetuação da guerra às drogas: "Para existir gente matável, é preciso haver estigma: traficante".

A deputada estadual Renata Souza, ao apontar as dificuldades dentro da sua atuação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, correlacionou os prejuízos mencionados pela pesquisa apresentada na primeira mesa ao acúmulo de dinheiro por quem está do outro lado. Assim, levantou o questionamento: quanto lucra a indústria armamentista? Disse que o Estado se mantém, alimentado pela guerra às drogas. Diante dessa constatação, denunciou o silêncio conivente da ALERJ depois da chacina da Penha. Conclamou a necessidade de pautarmos os debates sobre as políticas de drogas, bem como sobre o desarmamento, apontando que não se faz esse debate nas esferas estadual e federal.

Quando foram abertas as falas e questionamentos dos presentes na plateia, pegando carona na fala da deputada Renata acerca do silêncio conivente da ALERJ e do Congresso, aproveitei o momento para fazer um questionamento, que veio na esteira de debates que historiador e comunicador digital Jones Manoelvem trazendo frequentemente em seus canais de conteúdo político: Em abril deste ano, o governo Lula alterou, a partir do Decreto nº 11.948/2023, o Decreto nº 8.874/2016, que regulamenta o PPI - Programa de Parcerias de Investimentos, para incluir em seu artigo 2º a possibilidade do BNDES financiar, através de PPP - parceria público-privada, a implantação, ampliação, manutenção, recuperação, adequação ou modernização do sistema prisional, o que se traduz na prática como privatização de presídios. Diante disto, perguntei para a deputada Renata sobre como os partidos de esquerda, que são a base do governo, têm lidado com a medida nas respectivas casas legislativas, já que se trata de um governo supostamente progressista adotando uma medida de estímulo ao encarceramento em massa, através da lucratividade à iniciativa privada. Mencionei o exemplo do Complexo Prisional de Erechim, no Rio Grande do Sul, que já conta com o financiamento do BNDES em parceria com a iniciativa privada.

Sem exatamente responder à questão, a deputada fez coro à necessidade de denunciar o descalabro que essa medida representa. Da plateia, a deputada federal Jandira Feghali pediu a palavra, dado que atua na esfera federal e, em vista disso, tem mais propriedade para falar sobre questões que envolvam o governo federal. Assim, a deputada respondeu que, pessoalmente, o presidente Lula não seria favorável à implantação da possibilidade de privatização de presídio e sugeriu que a inserção do dispositivo no artigo 2º teria sido um "descuido" que a assessoria presidencial teria deixado passar. Então, diante do público, comprometeu-se a levar a questão para o Ministro Flávio Dino para tentar suscitar o debate na esfera federal, a fim de tentar retirar do decreto a possibilidade de uma parceria público-privada que acarretasse a privatização de presídio. Cá pra nós, bastante problemática e insatisfatória, uma resposta que põe uma questão tão séria como um escorregão de uma equipe amadora em alguém com a história política do Lula.

Registro feito, é hora da sociedade pautar o debate para a imediata revogação desse dispositivo que abre a possibilidade da iniciativa privada ser responsável pela administração de presídios no país.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Livre mercado não é para você, pequeno burguês

Acorda, amor. Não existe livre mercado. Pare de se iludir com as promessas do capitalismo. Você tem um mercadinho na esquina, compra de fornecedores em quantidade e valores específicos para poder manter seus preços e sua pequena taxa de lucro, certo? Você consegue praticar os mesmos preços de grandes corporações como Walmart, Assaí, Extra? Sua lanchonete de bairro consegue concorrer com redes gigantescas como McDonald's e Burger King?

O "livre mercado", como tudo no sistema capitalista, só confere liberdade a quem detém o capital. Quem dita as normas são os grandes monopólios. E adivinha só, esses monopólios só não esmagam sua lojinha de bairro com mais força justamente porque existem regras estatais limitadoras, que regulamentam as atividades comerciais, como leis antitruste, anticartel e antidumping, que minimizam os efeitos catastróficos da concorrência desleal. Ou você consegue vender uma refeição completa a R$ 0,99 como faz o iFood, operando em prejuízo até se firmar no mercado porque dispõe de capital suficiente para se permitir baratear os preços até quebrar toda a concorrência e abocanhar o mercado inteiro depois?

A tendência do capitalismo é criar monopólios, nos quais as grandes corporações engolem as pequenas e estabelecem os padrões de mercado conforme seus próprios interesses. Ilustrando com um exemplo prático para ser didático: você tem uma pequena farmácia, vende um pacote de fralda a R$ 50,00, uma caixa de remédio qualquer a R$ 10,00, porque consegue comprar do fornecedor as cem unidades que abastecem a seu estoque no valores respectivos de R$ 35,00 e de R$ 6,00, cada um. Aí, entra uma Droga Raia do ladinho do seu pequeno comércio. A rede consegue comprar a R$ 20,00 e a R$ 3,50 porque enquanto você compra cem unidades, ela compra um milhão, o que lhe permite revender a R$ 30,00 a fralda que você vende a R$ 50,00, e a R$ 5,00 o remédio que você vende a R$ 10,00.

Preciso falar mais alguma coisa? Para concorrer minimamente, você terá que adaptar seus preços para torná-los mais atrativos e manter sua clientela, certo? Vai ter que demitir funcionário, vai ter que reduzir sua margem de lucro, vai ter que trabalhar dobrado para cobrir a ausência do empregado que acabou de demitir... e vai seguir chamando isso de liberdade? Liberdade de seguir as normas que uma grande corporação lhe impôs? Até não aguentar mais e, na pior das hipóteses, decretar falência da sua farmacinha. Na melhor, vendê-la a preço de banana para a Droga Raia.

Quando todo o mercado em determinado segmento for dominado por uma corporação monopolista, o que vem a seguir é o lobby político que aquela corporação pode fazer para modificar as normas legais que regulamentam o comércio, abolindo, por exemplo, os limites que impedem a formação de um cartel, como aconteceu com a AmBev. E o lobby vai ganhar força porque gente como você, que tem aquela lojinha de produtos de informática numa cidadezinha de interior vai ser cooptado pela propaganda capitalista que vai te convencer que você é livre para atuar como bem entender dentro do mercado dominado pela Apple e pela Microsoft. Só não vão te dizer que se você não fizer o que elas querem, você vai fechar as portas como tantas outras fecharam antes de serem engolidas, bem antes de você chegar.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

O capitalismo deu certo

Os capitalistas tentam desesperadamente te afastar do comunismo, não porque é errado, mas porque é certo. Temem um sistema que comprovadamente destrói seus privilégios de classe e por isso se esforçam tanto para nos calar. Da mesma forma, lutamos para abolir o capitalismo não porque ele deu errado. Mas, porque ele deu certo. Muito, muito certo! O "dar certo" do capitalismo é justamente o que permite a acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos enquanto 830 milhões de pessoas passam fome no mundo. A desigualdade na distribuição de renda é condição inerente ao capitalismo, então todas as vezes em que vemos alguém em situação de vulnerabilidade social, insegurança alimentar ou algo semelhante, podemos ter certeza de que o capitalismo está dando certo. Tão certo que tira da maioria das pessoas a possibilidade de uma existência digna para que uma ínfima parcela da população possa acumular as riquezas produzidas por quem trabalha. A questão é que o comunismo, quando dá certo, dá certo para todos. Já o capitalismo que deu certo, deu certo para quem?

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Rio de Janeiro - um estado terrorista

Entendo terrorismo como o conjunto de ações violentas direcionadas a grupos determinados ou indeterminados de pessoas, com o objetivo de pressionar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que seja de interesse de quem o pratica.

Um exemplo disso acontece quando o governo do estado tenta asfixiar grupos de estudantes bolsistas de uma universidade pública, retirando deles a possibilidade de subsistência enquanto estudantes. Ao obstar o pagamento das bolsas dos estudantes da UERJ, condição sem a qual parcela do corpo discente fica impossibilitada de permanecer na instituição, o Governo do Estado do Rio de Janeiro exerce pressão para esvaziar a universidade, retirando dela justificativa de sua existência. Sem estudantes, não há razão para haver universidade.

Atualmente a Comissão da Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro é presidida por Rodrigo Amorim, deputado fascista, do PTB, mesmo partido de Roberto Jefferson. Pois o presidente da CCJ da Alerj, o mesmo que quebrou a placa da Marielle, resolveu pôr à votação no dia 04/09, um projeto de lei que propõe o fechamento da UERJ! Para quem interessar, o deputado que protocolou essa bizarrice foi um extremista de direita, Anderson Moraes, do PL. Vale aqui mencionar que é o mesmo partido do governador Cláudio Castro. Fechamos o quebra-cabeça, então?

Quando o governo do estado tenta expulsar alunos da universidade roubando-lhes sua condição existencial ao atrasar o pagamento de verba de caráter alimentício, que são as bolsas, com o fim específico de criar a condição necessária para fechar a universidade, atendendo ao seu interesse neoliberal de privatizá-la, não consigo chamar de outra coisa, que não terrorismo. O que você pensa disso?

sábado, 9 de setembro de 2023

O neoliberalismo é contra a família

O post era um vídeo curto, de poucos segundos. Trazia uma mensagem mais ou menos assim: "se você sumir hoje, seu patrão vai te substituir amanhã, mas seus amigos e sua família sentirão sua falta por muito tempo. Portanto, não se esqueça do que realmente importa."

Num contexto neoliberal de atomização do ser humano, a mensagem acima pode ser reescrita assim: "importe-se menos com o trabalho e mais com sua família e seus amigos." Mais uma forma de jogar nas costas do trabalhador individualmente a responsabilidade por uma questão coletiva e que, portanto, só será resolvida coletivamente: a divisão social do trabalho.

"Não se esqueça do que realmente importa": unir a classe trabalhadora para abolir um sistema que obriga o indivíduo a passar tempo longe da família e dos amigos para trabalhar porque senão ele morre de fome, e lembrar de não responsabilizar o trabalhador por passar tempo longe da família e dos amigos. Me sigam para mais dicas que vão à raiz do problema em vez de buscar paliativos que não apresentam soluções.

Lula e o voto secreto do STF

Nosso presidente que carrega a fantasia de ser esquerdista disse nesta semana que o voto no STF deveria ser secreto para que o ministro votante pudesse ter a garantia de viver sua vida em paz:

"A sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Eu acho que o cara tem que votar, ninguém precisa saber (...) porque do jeito que vai, daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, não pode mais passear com a sua família. Sabe, porque tem um cara que não gostou de uma decisão dele."

O recado que Lula passa com essa mensagem é a de que as pessoas que decidem a nossa vida por nós e compõem o poder estatal não nos devem prestar contas de sua atuação em nosso nome. É dizer para a sociedade que transparência política não importa.

E você, coleguinha que se diz de esquerda, que passou os últimos quatro anos vociferando contra o sigilo de cem anos que o calhorda inelegível impôs a cada um dos seus desmandos, vai seguir até quando nesse silêncio constrangedor para não macular a aura do seu político de estimação que segue as mesmas políticas do antecessor que você criticava tanto?

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O Homem Ideal

"Para mim, o homem ideal tem que..."

Meu bem, o homem ideal não existe, por isso é chamado de ideal. É uma ideia. Um conceito abstrato, genérico, pré-estabelecido e totalmente suplantado pelo homem material, pelo homem da vida real. Por isso, não dá para depositar todas as suas expectativas em um só parceiro de vida. Por isso, você se frustra. Por isso, a monogamia é um atalho para a frustração: você quer encontrar em uma só pessoa todas as qualidades que você encontra dispersas por aí. E espera que nenhum dos defeitos que também estão aí espalhados aos montes alcance o seu alecrim dourado. Serve para a "mulher ideal" também. Acordei não monogâmico hoje. Bom dia.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Produtivo, ó!

Toda vez em que você ouvir um liberal dizer que o capitalismo é o sistema mais producente, lembre-se — e rebata-o dizendo — que o capitalismo é o sistema do desperdício. Produzimos em um evento 110,5 toneladas e meia de lixo, CENTO E DEZ MIL E QUINHENTOS QUILOS DE LIXO. Dessas, 37,98 toneladas são de embalagem. Sim, papel, plástico e alumínio que são gastos para forrar a comida e virar lixo.

Criamos uma indústria de embalagens e acreditamos que estamos sendo produtivos porque criamos uma cadeia de emprego. Mas, se o capitalismo cria demandas onde elas não existem, passamos a fazer questão de embalagens, que são apenas lixo, resultado do desperdício de mão-de-obra e tempo, dinheiro, emprego, salário.

O quanto de comida poderia estar sendo produzida e distribuída em lugar de embalagem, se criássemos um sistema preocupado em atender necessidades reais em vez de demandas supérfluas, como produzir lixo? Ah, e fica pior: a mídia burguesa, ao dar a notícia, em vez de falar sobre o desperdício de trabalho que é manter uma indústria de produção de lixo, passa na realidade a maquiagem da "sustentabilidade" ao enfatizar a indústria da reciclagem, que também seria desnecessária se não gastássemos tanto para produzir o lixo!

Ain, Guto, mas aí, se não produzimos caixinha estilizada de lanche, deixamos de dar emprego para as pessoas! E se não reciclamos depois, estamos mantendo a poluição!

Não, amiguinhe, apenas não perderíamos tempo produzindo caixa de papelão e de isopor, e usaríamos essas pessoas para produzirem nos latifúndios desapropriados, que hoje se concentram nas mãos dos donos dessas mídias burguesas, comida para alimentar o próprio povo, em vez de soja para ser exportada e processada lá fora. Isso é socialismo, do qual você morre de medo. Logo você, pobre que gastou 600,00 para ir ao Rock in Rio produzir lixo, parcelando em 18x no cartão para poder dar conta e que seria beneficiado com ele.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

O Homem de Verdade - II

O Homem de Verdade é um homem que só existe na sua imaginação. Por isso, negar a realidade que você vê em toda parte para tentar seguir um padrão idealizado de homem é um processo tóxico que apaga todas as experiências materiais e concretas de ser homem. O idealismo é a negação do ser.

É de verdade o homem que não se maquia e também é de verdade o homem que pinta unha. É de verdade o homem que fala grosso e também é de verdade o homem sentimental. É de verdade o homem cis e também é de verdade o homem trans.

Sabe o que também é de verdade? O patriarcado que te faz acreditar ser menos homem porque você não se enquadra no ideal do Homem de Verdade. É por isso que você é vítima do machismo, ô, machão! É por isso que você deveria ser a favor dos movimentos feministas. Vai por mim, já que você nunca esteve a fim de escutar uma mulher. E comece a escutá-la de agora em diante.

O Homem de Verdade - I

Caro amigo homem. Preferencialmente o homem hétero. Sei que tem poucos aqui, mas tem.

Você já apanhou em casa da esposa/namorada/ficante — talvez agora ex — e ficou com vergonha de denunciar porque sua masculinidade poderia ficar manchada?

Você já transou sem vontade porque sua esposa/namorada/ficante — talvez agora ex — porque não podia "negar fogo", já que sua masculinidade poderia ficar manchada?

Você já deixou de se divertir com sua esposa/namorada/ficante — talvez agora ex — porque não tinha dinheiro para pagar a conta, mesmo quando ela tinha, para não pegar mal para sua imagem de homem?

Você já se sentiu extremamente solitário e sem ter "um brother" com quem conversar porque sabe que outro homem não iria levar a sério as suas queixas, duvidando até da sua masculinidade?

Sinto muito em te dizer, talvez a mim você escute, já que provavelmente deixou de escutar uma mulher falando a mesma coisa que eu vou dizer agora: você é vítima do machismo. É isso. Agora, lide.

"Ué, Guto, mas o machismo não beneficia os homens?"

Não sei. Beneficia? Responde aí você. Você não é homem?! Você se sente beneficiado diante dessas circunstâncias exemplificativas que questionei? Ah, talvez você esteja agora se inferiorizando porque acha que o sistema patriarcal beneficia "O Homem de Verdade", percebendo-se como um embuste, um engodo, um cara que não é um Homem de Verdade, e que jamais deve se mostrar para que o mundo jamais possa descobrir quem você é. Eu diria de outra forma: você está tão preocupado com a forma ideal de masculinidade que nem foi capaz de se perguntar se alguma vez na vida você a encontrou na vida real. Lide com isso também.

"Não posso chorar, porque O Homem de Verdade não chora."

"Mas, Fulano tá chorando agora e é homem."

"Ah, mas não é O Homem de Verdade."

Deixo aqui a pergunta: e quem que é?

domingo, 20 de agosto de 2023

O Ódio

O ÓDIO

Não existe imparcialidade porque toda ideologia surge de um ponto de partida. Há sempre uma premissa sustentando uma ideologia. Paulo Freire parte dessa mesma ideia quando lança o questionamento sobre sua ideologia ser excludente ou inclusiva.

Meu ponto de partida é que a nenhum ser humano deveria ser negada a possibilidade de existência digna e igualitária em condições, deveres e direitos, independentemente de raça, gênero, orientação sexual, local de nascimento e quaisquer condições inerentes à sua existência plena. Esta é a base sobre a qual repousa minha visão de mundo e a partir da qual se constitui todo o meu sistema de crenças e pensamentos que alimentam meus desejos e determinam minhas ações.

A partir dessa premissa, irei me opor a toda ideia que a subverta, e não vejo nenhuma contradição entre meu ponto de partida e meu desejo de eliminação de quem a ele se opõe. Isso porque a igualdade existencial é meu ponto primordial, o ponto antes do qual não existe pensamento que eu possa direcionar a um fim. Tudo que surge, surge a partir da minha premissa. Não é diferente com a relação de opressão.

O opressor é aquele que subverte minha noção de igualdade primordial – de que todos deveriam existir dignamente independentemente de quaisquer de suas características – hierarquizando existências e criando desequilíbrio. Como ameaça à ordem de onde parte a ideologia que compartilho, o fascista é um dos alvos do meu ódio, o sentimento legítimo que devo nutrir direcionando-o a quem ameaça a possibilidade de todas as pessoas existirem plenamente.

Eliminar o fascista não necessariamente pressupõe a eliminação física daquela pessoa, mas sim a eliminação do fascismo de dentro de si. No entanto, são as condições materiais que determinam as práticas e, se não houver possibilidade de obter o resultado almejado, então que a extinção do fascismo se dê pela eliminação do fascista. Há quem julgue negativamente esse ódio. Quem o faz, parte de qual premissa?

sábado, 19 de agosto de 2023

O Sistema Fechado do Estado

O Estado é um sistema fechado que suprime as possibilidades de questionar sua própria ordem, estabelecida de cima para baixo ao sabor dos interesses da classe dirigente. Para isto, conta com o direito penal como um das suas as colunas de sustentação: para manter seus interesses escusos, criminaliza condutas.

Pelo mecanismo da tipificação de apologia ao crime, em si mesmo, como um ilícito penal (artigo 287 do código penal), retira do cidadão a possibilidade de levantar debates públicos acerca da defesa de determinadas condutas tipificadas como criminosas. Assim, impede ou retarda que a sociedade possa debater questões como, por exemplo, descriminalização das drogas ou direito ao aborto: haverá sempre a brecha que torna possível enquadrar como apologia ao crime a defesa pública do aborto como um direito ou da legalização da maconha.

Da mesma forma, para valer suas determinações, o Estado blinda seus agentes através da tipificação da conduta chamada de desacato à autoridade pelo artigo 331 do mesmo código. Com isso, o mero questionamento e o enfrentamento aos abusos praticados por uma suposta "autoridade" – o funcionário público – facilmente pode ser impedido com o silenciamento do cidadão indignado, que por manifestar sua indignação poderá ser enquadrado pelo crime de desacato.

E numa esfera estrutural, prevê como crime a tentativa de abolir o estado democrático de direitos, o que põe movimentos revolucionários na condição de agentes a serem penalmente perseguidos e criminalmente responsabilizados pela ordem posta.

Tudo fica amarradinho para impedir qualquer movimento de subversão à ordem estatal, tanto numa esfera micro quanto numa esfera macrocósmica.

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Racismo microempreendedor

Na minha bolha progressista, já é relativamente corriqueiro problematizarmos os rolês em que pessoas brancas ocupam o lugar do público que se diverte enquanto pessoas pretas ocupam o lugar de quem as serve. Mas, e quando o rolê tem gente branca se divertindo e também servindo, dá pra problematizar?

A pergunta que fica é: quão excludente é um rolê em que, mesmo numa sociedade racista que insiste em colocar a população negra na posição de subalternidade, não encontramos pessoas negras em número significativo nem mesmo entre os trabalhadores?

Minha hipótese, tomando por premissa a exclusão da população negra e evidenciando sua colocação em lugar de precariedade econômica, é a seguinte: o rolê é uma feira, organizada numa espécie cooperativa entre pequenos produtores e pequenos empreendedores. Até aí, louvável.

Acontece que só empreende quem tem capital para investir. E como o espaço é de microempreendimento, os proprietários, via de regra, são os mesmos que fabricam, que atendem, são os contadores, são os administradores dos próprios negócios, enfim, assumem a totalidade das atividades, razão pela qual são as pessoas que estão trabalhando na feira.

E aqui reside o problema: se o micro e pequeno produtor e empreendedor é a pessoa branca que está servindo, mas que tem capital para investir em um negócio, quanto da parcela negra da população tem um capital, ainda que pequeno para investir? E a outra pergunta, meramente retórica, é: quais as dinâmicas de acumulação de capital e do racismo que afastam a população negra da possibilidade de ter algum dinheiro para investir?

terça-feira, 8 de agosto de 2023

"Vive para o trabalho e não vê o crescimento dos filhos."

"Ain, vive para o trabalho e não vê o crescimento dos filhos."

E você engole esse discurso sentindo-se culpada porque tem que trabalhar para sustentar os filhos cujo crescimento não pode ver. Essa culpa serve a quem? Adivinha! Carregando nas costas a responsabilidade porque o sistema te impõe a obrigação de ser mãe ao mesmo tempo que te impõe a obrigação de trabalhar, sua culpa atende aos interesses de quem organiza esse sistema. Mesmo papo de responsabilizar o indivíduo por uma questão social. Desmobiliza lutas para transformar a coletividade e mantém intactos os verdadeiros culpados, a classe dirigente da sociedade. É por isso que creches públicas são uma demanda dos comunistas. Mobilize-se na luta e venha ser comunista também.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Cautelas

Dia desses, estávamos num rolê em grupo de amigos. Na hora de ir embora, uma das amigas presentes estava bêbada, não exatamente inconsciente ou desacordada, mas em algum nível vulnerável, e ia chamar um Uber para casa, trajeto que faria sozinha. Eu e outro dos rapazes presentes íamos embora juntos, num trajeto que não era caminho para o da moça, mas que também não seria um grande desvio. Imediatamente sugeri que compartilhássemos uma mesma corrida, com dois destinos, já que levá-la conosco não era uma opção por razões diversas que não vêm ao caso mencionar. Minha preocupação era a de que ela não ficasse sozinha no carro com o motorista. O ideal seria deixá-la em sua casa e retornarmos para nosso destino, que estava bem antes do dela. Isso, porém, faria a corrida triplicar de preço e estava todo mundo sem grana. Simulamos o preço de nos deixar em nosso destino e prosseguir a viagem com ela e alguém argumentou:

— Em algum momento ela ficará sozinha com o motorista no carro. Melhor que cada um faça sua corrida independentemente da outra, e vai sair mais barato do que vocês dividirem um mesmo carro.

De fato, se chamássemos dois carros, um para ela e outro para nós, a soma das duas corridas seria menor que o preço de uma só viagem com duas paradas. Quase cedemos ao argumento, mas insisti que não achava bacana deixá-la sozinha desde o começo da viagem. A diferença, se chamássemos um só carro para os dois destinos era pouco menos de dez reais. E assim fizemos.

Durante todo o trajeto, eu, que parecia ser o único "meio sóbrio" dentro do carro (além do motorista, claro), dei um jeito de inserir na conversa duas ou três vezes, falas sobre como ficaríamos de olho no trajeto dela até que ela chegasse em casa. Era para o motorista ouvir. Ao descermos do Uber, despedimos-nos dela e eu repeti em alto e bom som "chegue bem, vou ficar acompanhando o trajeto do Uber por aqui". O motorista ouviu. A viagem dela correu sem transtornos, e tudo terminou bem.

Dias depois, essa história virou como assunto numa conversa e novamente foi levantada a questão sobre o porquê termos optado por pagar um pouco mais caro numa corrida com dois destinos já que, ao final, a moça do grupo seguiria sozinha de qualquer forma. Minha resposta foi:

— Se um motorista pega uma passageira sozinha numa balada, ele não sabe se ela tem ou não uma rede de apoio e proteção e, presumindo que ela não tenha, pode se sentir mais confortável para abusar dela, na certeza da impunidade. Por outro lado, mesmo que ela siga viagem sozinha, depois de tê-la visto na companhia de dois homens, o motorista talvez não tenha a mesma sensação de impunidade e não se sinta confortável para praticar qualquer tipo de abuso. Não foi à toa que eu fiz questão de repetir que seguiria monitorando a viagem. O recado não era para ela, mas para o motorista. Isso asseguraria sua segurança? Não. Uma mulher nunca tem garantia de segurança numa sociedade machista e patriarcal. Mas, de alguma forma, dadas as circunstâncias, o simples fato de saber que aquela moça estava acompanhada de dois caras que estariam monitorando seu trajeto poderia ser uma potencial forma de reduzir os riscos.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Sua empatia é um projeto político

Um latifundiário pecuarista e seu filho pegam um avião particular para comprar pizza, caem e morrem. A viúva se suicida. Jovem ainda. Branca, parecia uma Barbie. Dizem também que foi assassinada para que não herdasse os bens deixados pelo fazendeiro cadente.

Quase na mesma semana, uma mulher trans, técnica de enfermagem, é assassinada a facadas em Belford Roxo, cidade da Baixada Fluminense. No Guarujá, poucos dias depois, uma chacina de pessoas faveladas e pretas é praticada por 600 policiais a mando do governador fascista. Estimam que 19 favelados pretos tenham sido assassinados nessa tragédia.

Nunca conheci um latifundiário. Não conheço ninguém que tenha um avião em casa. No meu círculo de amizades, é impensável imaginar alguém indo ali comprar pizza tirando um avião da garagem. Por outro lado, conheço muitas mulheres trans. Técnicas de enfermagem então, poderia indicar duzias, tal a quantidade que conheço. O que não falta dentre as pessoas próximas são faveladas e pretas, não necessariamente acumulando os dois recortes sociais.

Quando falamos que a ideologia hegemônica é a ideologia da classe dominante, um exemplo inequívoco disso é ver a quantidade de pessoas à minha chocadas, falando sobre e engajando o caso da família latifundiária branca (e nem sequer parando para se perguntar quantos indígenas yanomami ou guarani kaiowá foram assassinados para que essa família juntasse tantos hectares de terra). Gente que está mais perto de ser morta pela policia por conta do endereço onde mora ou da cor da sua pele. Gente que nem consegue pedir pizza pelo celular depois do dia 20 porque o dinheiro acabou. Gente que é técnica de enfermagem. Gente que é trans. Gente que não é nada disso, mas que na escala está bem mais distante dos milionários que compram pizza de avião do que dos moleques da favela que a polícia do Tarcísio assassinou. Adivinha com quem elas se identificam.

segunda-feira, 31 de julho de 2023

"Seja como a água..."

"A água desvia dos obstáculos e segue em frente. Seja como a água." O cidadão medíocre lê esse tipo de analogia barata e aplaude. Além de comparar o ser humano explorado a um rio — a despeito da total ausência de elementos de comparação em suas respectivas naturezas — o cidadão medíocre também vibra com a analogia rasa que equipara uma pessoa a um arbusto, numa dessas frases desmobilizadoras de coaching, do tipo "o galho fino recebe vento e dobra, mas não quebra. Seja então como o galho fino...". Tem a pior de todas, que compara o trabalhador com uma flecha, e diz que está tudo ok se a vida do sujeito andar para trás, afinal "uma flecha é puxada para trás antes de percorrer seu trajeto". Olha, sinceramente...

Ué, Guto, por que você diz que o sujeito comparado nas analogias rasas e batatas dos exemplos são trabalhadores explorados?

Justamente por causa da mensagem, meu bem. Esse tipo de frase motivacional traz sempre uma ideia de resignação, de aceitação da derrota ou da fraqueza como um prenúncio da consagração. A flecha é puxada pra trás? Então, tá beleza você estar numa vida de merda em que tudo parece retroceder, você vive cansado, você vive sem dinheiro, você vive ansioso e deprimido, mas assim como a flecha, essa é o hall de entrada para o vôo certeiro para o Seu Destino Feliz, assim como a flecha que atingiu o alvo. É uma forçada de barra constrangedora para comparar o incomparável, né? A da árvore? Você é o galho fino, o sujeito franzino, que vive na precariedade de quem nunca irá experimentar a sensação de perder toda sua fortuna, já que você nunca teve. O galho é fino e sacode pra lá e pra cá igualzinho a vida do trabalhador que tem que se sacudir pra lá e pra cá pra sobreviver nesse mundo cão comandado pelo capital. Mas, tão fino o faz flexível a ponto de dobrar e não quebrar. Igualzinho o entregador de aplicativo que não tem direito trabalhista algum assegurado, mas "não quebra" porque sempre arranja trabalho.

O que me deixa puto é que o cidadão medíocre consegue comparar o trabalhador explorado até com o Sol, "que todo dia se levanta pra brilhar", para justificar o fato do coitado ter que pular da cama ainda no escuro para pegar o trem lotado e levar três horas para chegar ao trabalho. Agora, experimenta falar para o cidadão medíocre que o trabalhador pode tomar o poder político, pra você ver o tanto de desculpa que ele vai usar para dizer que isso é impossível. Para o cidadão medíocre, eficaz mesmo é achar lindo te comparar a uma ostra, porque a ostra produz a pérola a partir de grão de areia, que lhe causa um sofrimento", para você seguir aguentando sua vida fodida sem reclamar, acreditando que ao fim do seu sofrimento você terá sua própria pérola, quase como uma dádiva da natureza, como se suas conquistas sociais caíssem do céu em vez de serem conquistadas com luta.

domingo, 30 de julho de 2023

A esquerda e os algoritmos para a direita

Acabei de ver três postagens seguidas de três diferentes grupos de extrema direita dos quais, por motivos óbvios, eu não faço parte e que eu preferiria não ter visto.

As três apareceram para mim porque três pessoas de esquerda foram lá comentar, engajando seu conteúdo. Da mesma forma que apareceu para mim, pode ter aparecido para outras pessoas que se interessam pela direita ou que sejam por ela cooptados porque somente tiveram acesso ao seu conteúdo.

Enquanto isso, esquerdistas se furtam de levantar discussões sobre radicalização, sobre teoria revolucionária, e se mostram tão pouco interessados em promover seus próprios debates e engajar seus propósitos conteúdos.

Preferem, em vez disso, dar visibilidade à extrema direita, para depois suspirarem derrotados, dizendo que não vêem esperança em teoria socialista, comunismo, marxismo-leninismo, e aceitando o atual estado das coisas, sob o argumento de que falar em revolução é utopia. Com esses representantes esquerdistas que diariamente promovem a extrema direita facilitando o alcance dos seus conteúdos, realmente fica impossível pavimentar qualquer caminho que possa conduzir a uma transformação nas bases da sociedade.

Temos a esquerda que a extrema direita ama. Parabéns aos envolvidos.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Sua liberdade não é irrestrita

"Ain eu defendo pluralidade de ideias e liberdade para qualquer um pensar qualquer coisa."

Eu também defendo, meu bem. Desde que essa diversidade de pensamentos proporcione igualdade de oportunidades e de direitos. Do contrário, se sua pluralidade servir apenas para manter o estado das coisas como estão, quero que exploda. Então, antes de defender a liberdade de X ou de Y, pergunto se essa liberdade pretende mudar o mundo para que uma pessoa jamais seja comprada por outra em qualquer instância que seja. Se a resposta for negativa, não há liberdade alguma sendo defendida, mas uma simulação dela, uma espécie de programa criado para rodar dentro de um determinado sistema. Sua liberdade para construir uma mansão no The Sims não significa nada enquanto ainda houver quem passe fome na vida real.

Sozinhe onde?

"Ain, tudo que consegui, consegui sozinho, sem ajuda de ninguém, só com meu esforço."

Meu bem, quando você nasceu alguém te pegou no colo, te limpou, te vestiu e te alimentou. VOCÊ RECEBE AJUDA DESDE QUE VEIO AO MUNDO e nunca obteve nada, ABSOLUTAMENTE NADA, sem a interferência de outrem. Esse discurso do "consegui sozinho" é uma grande mentira que serve à ideologia da burguesia para afastar trabalhadores uns dos outros e impedir um levante revolucionário pela tomada do poder. Fizeram você acreditar que não depende de ninguém para que você não perceba que a natureza humana, se houver uma, É COLABORATIVA, E NÃO COMPETITIVA. Você não odeia a humanidade, você odeia o ser humano produzido pelo capitalismo.

domingo, 16 de julho de 2023

Rótulos

Dica para a vida: primeiro as relações se constituem em sua materialidade. Depois você pensa se elas precisam de um nome. Combinado? Não há de quê!

"Ain, fez isso para Fulane e nunca fez para mim, que sou sue namorade!"

Exatamente, amiguinhe! Com Fulane há uma relação que se configura por essas e aquelas atitudes. Com você há outra relação que se configura pelo que vocês fazem juntes. Os nomes dessas relações são o que menos importam. Larga de ser insuportável e querer enquadrar a vida real num conceito abstrato de "namoro", ou de "amizade", ou de "casamento", idealizado na sua cabeça. A vida material é muito mais dinâmica e complexa do que abstrações ficcionais que não encontram correspondência na realidade.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Politicas públicas são importantes, mas não são o suficiente

Sim, é importante pensarmos em políticas públicas, haja vista que situações de precarização da existência demandam medidas urgentes em uma coletividade não organizada em uma luta emancipatória, como a sociedade brasileira atual. Quem tem fome tem pressa e toda medida que minimize impactos negativos sobre a classe trabalhadora será melhor que medida nenhuma.

Mais importante que políticas públicas, porém, é pensar para além delas. É pensar na transformação das condições materiais que tornam necessárias as políticas públicas. É o combate à causa e não ao sintoma.

Mais importante que minimizar as desigualdades através da distribuição de auxílios emergenciais é transformar a realidade que cria as desigualdades, a fim de tornar obsoleta qualquer política de redistribuição de renda.

Existe um sistema de produção inventado pela humanidade (e, portanto, não é dado pela natureza) que organiza a sociedade criando desigualdade a partir da acumulação de riquezas por uns poucos privilegiados que exploram a massa desprivilegiada. Para funcionar, precisa da fragmentação das massas em grupos minorizados para serem oprimidos e explorados.

É importante criar políticas de cotas para pessoas negras em universidades, claro. No entanto, em uma avaliação estrutural, percebe-se que se trata de enxugar gelo quando o Estado põe pessoas negras nas universidades ao mesmo tempo em que as põe nas miras dos fuzis da polícia, o braço armado desse mesmo Estado!

Que bom que haja lei concedendo licença maternidade para mulheres, e melhor seria se novas políticas aumentassem o tempo de duração dessa licença, ninguém há de negar (exceto o patrão, e quem se importa com o patrão?). Mas, essas políticas seriam desnecessárias se não reproduzíssemos uma cultura que insiste em manter a mulher como responsável pelas tarefas domésticas.

Mais eficaz seria uma regulamentação na mídia para vedar a reprodução de estereótipos femininos pautados numa desigualdade de gênero deliberadamente produzida para limitar a mulher ao ambiente doméstico; aliando-se a isto mecanismos de fomento à permanência feminina no mercado de trabalho, a criação de creches para que as crianças permanecessem, em que homens e mulheres atuassem igualmente nas atividades de cuidado das crianças.

Evidente que ninguém com bom senso criticaria a adoção de políticas públicas de incentivo à empregabilidade trans, diante da vulnerabilidade social em que este grupo de pessoas é colocado pela classe dirigente da sociedade. Ou à criminalização da transfobia. Mas, sem a escola ensinar educação sexual, orientando as crianças e adolescentes ao entendimento de diversidade de corpos, de identidades e de sexualidades, haverá apenas um ciclo infinito que cria gerações de pessoas que ignoram a existência de corpos "dissidentes" e que depois de adultos praticam a intolerância, perpetuando a violência e, quando punidos, lotam presídios (e sabemos bem o recorte socioeconômico de quem serão os punidos).

Precisamos pensar sempre além. Políticas públicas são relevantes, mas de nada adiantam quando o Estado Pós-Democrático move esforços para torná-las ineficazes. Há quem ainda se iluda com a lenda urbana do Estado Democrático de Direitos? Então, pensemos nas políticas de Estado hoje, sem perdemos jamais de vista que o objetivo deverá ser sempre a destruição deste Estado. Porque ele é quem produz as violências e desigualdades contra as quais criará políticas de enfrentamento eternamente incapazes de erradicá-las.

sábado, 8 de julho de 2023

O sistema que nos obriga à hipocrisia

"Guto, você não se sente incomodado, sendo um homem cis branco que atua com direitos de pessoas LGBTQIAPN+, ocupando uma vaga que poderia ser de uma travesti negra?"

É óbvio que sim! É por isso que eu sou comunista. Para transformar a sociedade capitalista e concorrencial em uma sociedade em que não tenhamos que lutar com unhas de dentes para sobrevivermos. Eu preciso pagar contas também. Sem um trabalho que me garanta um salário no fim do mês, eu morro de fome, vou para as ruas. Tenho aluguel para bancar e mercado para fazer.

O capitalismo é um sistema que nos transforma todes em concorrentes uns dos outres. Para permitir a exploração, no capitalismo há sempre menos vagas de trabalho do que pessoas para ocupá-las. É por isso que quando você reclama do seu emprego, seu chefe abusador lhe diz que se você estiver insatisfeite, peça as contas, porque "lá fora tem muita gente querendo a sua vaga". É ou não é assim?

Então agora chega aqui pra eu te contar um segredinho, um choque de realidade que vai explodir a sua mente: o simples fato de você estar ocupando uma vaga qualquer de trabalho te põe na condição de alguém que está impedindo uma família de se alimentar. Alguém morreu de fome porque você ocupou uma vaga de trabalho que outra pessoa não ocupou. Cruel, né? E você não se culpa pelo fato de que neste momento uma criança está morrendo de fome porque você está ganhando um salário enquanto a mãe da criança não, justamente por você ter ocupado a vaga de alguém que ficou sem emprego por isso? Pois é. O sistema é cruel e foi feito para nos obrigar a sermos cruéis juntes. Eu não me culpo. E eu espero de fato que você também não abrace esta culpa. Ah, e o capitalismo também tira proveito da sua culpa, tá? Quando você se responsabiliza, você deixa de responsabilizar quem, de fato, deveria: a burguesia.

Culpa eu não carrego. Mas, eu me incomodo — e muito! — e também gostaria que você se incomodasse. Porque quem cria este sistema que me põe na condição de usurpador da vaga de uma travesti preta e periférica é a burguesia, a classe dirigente da sociedade, que estabelece a forma como ela se organiza. Então, se a gente espera que nenhuma mãe veja seu filho morrer de fome porque você roubou sua vaga no mercado, ou que nenhuma travesti tenha que se prostituir porque eu ocupei uma vaga que deveria ser sua, precisamos combater quem mantém de pé este sistema. Não há capitalismo humanizado. Você sempre estará roubando a oportunidade de alguém porque você também precisa sobreviver, enquanto o trabalho for organizado da forma que nossa sociedade o organiza. É preciso destruir este sistema. É preciso odiar a burguesia. É preciso revolucionar a sociedade. Culpa eu não carrego, mas carrego ódio de classe.

Representatividade que perpetua sistema opressor é inócua

Enquanto ativista LGBTQIAPN+ entendo a importância de ter pessoas LGBTQIAPN+ ocupando espaços de poder e destaque na nossa sociedade, como a mídia, o judiciário ou política, por exemplo.

Enquanto comunista, porém, entendo que mais importante que pessoas LGBTQIAPN+ nesses espaços é a destruição desses espaços. Tratam-se de espaços de perpetuação da opressão e da exploração, uma vez que reproduzem a ideologia dominante e mantêm a ordem estabelecida, pautada na desigualdade. Dessa forma, pouca será a valia de termos pessoas LGBTQIAPN+ ocupando espaços de opressão, reproduzindo uma lógica não libertadora, apenas trocando o papel do oprimido pelo do opressor.

O horizonte deverá ser sempre a destruição da atual estrutura e a construção de novas, pautadas na dignidade humana material e concreta, em que todas as pessoas possam coexistir em paz e em sua plenitude, e nas quais não caibam ideias e práticas discriminatórias de pessoas em razão das suas identidades de gênero e orientação sexual.

O mesmo vale para pessoas negras. Para mulheres. Para todos os grupos minorizados e oprimidos. Não se pode descolar as pautas antiopressão da luta de classes. Enquanto comunistas, nossa trilha deverá sempre conduzir à revolução socialista. Não conseguiremos chegar lá enquanto pessoas forem segregadas em razão da suas suas identidades de gênero, das suas orientações sexuais, dos seus sexos, das cores das suas peles. E menos ainda conseguiremos chegar lá enquanto nosso sonho de oprimidos for o de que um dia ocupemos os lugares dos opressores.

sábado, 1 de julho de 2023

Medicalização da vida

Fizeram você acreditar que adoecimento psíquico é uma questão do meramente bioquímica. Disseram "é falta de serotonina", "é falta de endorfina". Fizeram, com isso, você acreditar que depressão, ansiedade, TDAH, borderline podem ser tratados com medicamentos, para suprir uma carência de uma ou outra substância. Fazem isso não apenas para você comprar remédios e enriquecer a indústria farmacêutica. Mas, também para que você não questione os motivos sociais que levam o corpo a parar de produzir endorfina ou serotonina. É mais conveniente para os dirigentes da sociedade que você assuma para si a responsabilidade sobre a sua saúde mental e trate com remédios do que questionar o quanto suas condições existenciais geram seu adoecimento.

domingo, 25 de junho de 2023

Arte Drag e Heteronormatividade

Como entretenimento, não curto muito as apresentações de drag queens. Até acho interessante a composição de figurino e maquiagem, mas de uma forma geral, acho toda a performance um pouco cansativa e não costumo ser tocado por esse tipo de manifestação artística.

Como resistência, porém, a arte drag é uma manifestação que abraça pessoas LGBTQIAPN+ e seus corpos frequentemente dissidentes, concedendo-lhes um lugar de acolhimento, respeito e segurança. E isso não é pouca coisa. É exatamente aí que a parada me pega! Não me entreter com alguma coisa diz mais sobre mim do que sobre a coisa em si.

Quando estamos falando de sociedade, a importância da minha individualidade, do meu "gosto pessoal" é praticamente irrelevante, especialmente quando considero que a formação do meu "gosto pessoal" se deu a partir de uma ótica machista e homofóbica entranhada à minha revelia quando eu ainda era criança e adolescente e me colocava no lugar supostamente seguro de me afastar daquilo que o machismo e a homofobia da nossa sociedade careta e conservadora condenavam.

Desta forma, na construção da minha personalidade que demandava afastamento de todo tipo de signo que pudesse me colocar na posição de pessoa LGBTQIAPN+, fui tirando do meu repertório cultural algumas formas de arte que estariam — na minha visão limitada de mundo da época – relacionadas ao "meio LGBTQIAP+". Passei a emular um tipo de masculinidade que nunca me foi orgânica, mas que eu via como uma necessária maneira de me manter seguro. Era um erro, claro, mas esse é assunto para outra reflexão. Dessa forma, afastei-me da música pop e suas "divas", que eu insistia em ver como "música de viado", e também da arte drag.

Entender como se dá um processo não necessariamente pressupõe o cancelamento dos seus resultados. Assim, mesmo entendendo como se deu a formação dos meus gostos por influência social, não consegui mudá-los. Não todos. O aspecto elitista entranhado inconscientemente na formação das minhas preferências artísticas me afastou bastante das culturas dita "populares", o que abrange "músicas das periferias", "arte gay", dentre outras.

No entanto, entender como se deu esse processo de construção das minhas preferências, se, por um lado, não me garantiu (ainda) a alteração daquilo que eu gosto ou desgosto, por outro, me obriga a entender que manifestações artísticas não devem ser hierarquizadas. Respeitá-las é uma obrigação. E no caso de uma arte que representa e acolhe grupos oprimidos e minorizados, como é o caso da manifestação drag queen, mais do que respeitar, é necessário valorizar e aplaudir.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Prioridades do Estado Burguês e a Consequência Nefasta

A Taxa Selic é a taxa básica de juros que o Estado deve pagar aos proprietários de títulos de dívida pública. Cada 1% da taxa impõe um gasto médio de 60 a 70 bilhões de reais em juros de dívida pública. Isto significa que, estando em 13,75%, ao final de 2023, o Brasil terá um gasto variável entre 700 a 815 bilhões de reais em juros aos proprietários de título de dívida pública. Basicamente bancos e rentistas. O orçamento para 2023 na área da educação é de R$ 142 bilhões e para saúde é de R$ 179 bilhões, de acordo com o Portal da Transparência. E o Congresso aprovou há relativamente pouco tempo o arcabouço fiscal para limitar ainda mais os investimentos públicos nessas áreas. A desculpa é que não há dinheiro.

Não há dinheiro para investir em saúde e educação, mas há 800 bilhões para pagar juros a banqueiros. A manutenção dos juros altos na Taxa Selic causa uma desaceleração na economia, tendo em vista que passa a ser mais atrativo investir em títulos da dívida pública do que em qualquer atividade empresarial. Quem vai querer ter dor de cabeça para lidar com as burocracias e riscos empresariais quando pode simplesmente investir em títulos da dívida pública e viver de juros? Quem produzirá riqueza efetiva quando o rentismo parece ser tão mais atrativo? Com isto, a tendência é haver aumento de preços por desabastecimento, aumento do nível de desemprego e queda no poder de consumo da população.

Enquanto este cenário distópico se descortina, as lideranças das esquerdas seguem em um silêncio constrangedor. Os ditos esquerdistas não organizados, aquela galera que tá aqui nos meus contatos e nos seus postando status de que o amor venceu ainda se finge de cega, de surda e de muda, calando-se diante deste descalabro patrocinado pelo Estado brasileiro, com a convivência do governo federal! Importam-se mais em dizerem "para isso que eu fiz o L" para cada declaração vazia que o Lula dá, na tentativa de afrontar aquele parente bolsonarista e justificar a eleição do presidente, como se ainda vivêssemos em campanha eleitoral. É mais importante lacrar nas redes do que pensar no futuro.

É preciso que as frentes de esquerda pressionem o Congresso e o Governo Federal para que Campos Neto seja demitido do Banco Central e que a política de juros seja alterada para reduzir a Taxa Selic. Também urge que seja revogado o arcabouço fiscal e qualquer tipo de limitação fiscal que imponha teto de gastos para investimentos públicos em prol da população. Senão, ano que vem, quando você estiver sem emprego postando link de vaquinha virtual para comprar comida e pagar aluguel, não lamente a situação que seu silêncio e sua inércia terão ajudado a consolidar.

Ah, e se isso se mantiver, Bolsonaro volta! Era só isso mesmo.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Larga esse celular!

"Larga esse celular e vai socializar!"

Amade, não adianta tirar celular da mão da criança quando sua geração inteira vive conectada. Se tiram o aparelho da sua mão, ela olha para o lado e vê todas as outras pessoas conectadas, nada lhe resta de sociabilidade. Não há com quem interagir quando todes ao seu redor mantém seu foco no celular. Em vez de obrigar o adolescente ou a criança a se afastar da tela, busque alternativa para lhe proporcionar crescimento dentro da linguagem que ela entende. Hiperconectividade é uma realidade e faz parte do processo socializador contemporâneo.

"Na minha época a gente conversava olhando no olho e era muito melhor". Isso é só um reacionarismo barato.

A luta pelo direito é a luta da força

Direito não é uma coisa que você tem, como dado pela natureza, inerente à sua condição humana. Talvez seja algo que você deva ter, mas não que você tenha de fato. Direito é algo pelo qual você luta e conquista a partir da força em um embate permanente pela sua obtenção e, sobretudo, por sua manutenção.

Num cenário político, jurídico e institucional como o Brasil contemporâneo, o direito é apenas uma ficção, uma lenda urbana talvez. O Estado controlado pela burguesia não atua para garantir o seu direito, tampouco o meu, que sou, assim como você, classe trabalhadora.

O judiciário brasileiro é encastelado, reacionário e atua como emissário de um antigo regime, no qual o julgador faz também o papel de legislador. Diuturnamente verificamos juízes irresponsáveis — não como exceção, mas como regra — nada comprometidos com o "meu direito", julgando casos à revelia da lei e do lastro probatório produzido nos autos.

Antes, o compromisso desses aristocratas togados num estado supostamente democrático é com seus próprios privilégios, consubstanciados em salários astronômicos e nos poderes que lhes são concedidos por quem manda na organização da sociedade.

A nós, reles mortais que confiamos ao Estado a prerrogativa da nossa existência, nada resta senão lutar. E quando os violadores da lei são o próprio Estado, a desobediência passa a ser um dever e a violência para garantir o direito para o qual esse Estado constituído por parasitas togados insiste em fechar os olhos vira legítima defesa.

Você não tem direito. Você deve lutar por ele. E essa luta não passa pela institucionalidade de um Estado a serviço de uma classe dominante, que declara a existência do seu direito na letra vazia da lei para em seguida usurpá-lo pela atuação incompetente de um judiciário alheio à realidade de quem trabalha para sustentar a sociedade.

A luta pelo direito é a luta da força. E a força resulta da união de quem pretende lutar. Não pense que o Estado lhe concede um direito por liberalidade e benevolência. O que motiva o Estado é o medo: o medo de que você se junte comigo e com o outro e que juntos nos levantemos contra seus desmandos.

O direito que você acha que tem só existe quando a correlação de forças permite. E acredite: do lado de lá eles estão lutando diariamente para continuar massacrando a mim e a você. E o judiciário é um dos capangas dessa classe organizada para nos destruir.